Juiz suspende obrigatoriedade de alunos rezarem "Pai Nosso" em escolas no Rio

O magistrado classificou a ordem da Secretaria de Educação de Barra Mansa como "discriminatória e fomentadora de preconceitos"; alunos de escolas municipais seriam obrigados a fazer filas para hino e oração diariamente

Secretaria de Educação de Barra Mansa havia justificado obrigatoriedade do 'Pai Nosso' por ser 'oração universal'
Foto: Divulgação/Governo de São Paulo
Secretaria de Educação de Barra Mansa havia justificado obrigatoriedade do 'Pai Nosso' por ser 'oração universal'

A obrigatoriedade da oração do “Pai Nosso” em todas as escolas municipais de Barra Mansa, no sul do estado do Rio de Janeiro, foi suspensa nesta quarta-feira (18) em decisão do juiz titular da 4ª Vara Cível da cidade fluminense, Antônio Augusto Balieiro. O magistrado atendeu ao pedido de liminar feito pelo Sindicato dos Profissionais da Educação (Sepe) e, com a decisão, a prefeitura tem 24 horas para suspender a ordem.

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As escolas que descumprirem a decisão do juiz deverão pagar uma multa diária de R$ 10 mil. A ordem anterior, feita no último dia 4 pela Secretaria Municipal de Educação, obrigava todos os alunos dos colégios municipais a formar filas, cantar hinos cívicos e rezar o “ Pai Nosso ” antes de entrar para as aulas, diariamente. Para que o aluno não fosse obrigado a fazer a oração, os pais deveriam encaminhar uma solicitação por escrito. Além disso, haveria uma fila separada para aqueles que não rezariam junto aos demais.

Ao analisar a ordem da Secretaria, o juiz considerou que ela foge totalmente à razoabilidade. Para ele, a formação de filas separadas para menores de idade que não seguem religiões cristãs ou que não desejam fazer orações pode gerar a segregação religiosa, discórdia e preconceito. Além disso, o magistrado considera que o Estado não pode obrigar que crianças permaneçam em um ambiente religioso com o qual não se identificam ou com que não compactuam.

O juiz ainda cita a decisão recente feita pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 27 de setembro, que entende que as escolas públicas do País podem ter aulas de ensino religioso no modelo confessional sobre uma religião , isto é, que as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica, mas que as disciplinas devem ser facultativas.

Em sua decisão, o magistrado escreveu: “Toda a construção da referida decisão se pauta, justamente, na facultatividade da cadeira do ensino religioso”, diz ele, que acrescenta: “assim, tem-se que, aqueles que não tiverem interesse em frequentar as aulas de ensino religioso, simplesmente não precisarão fazê-lo, sem constrangimentos ou separatismos”.

Ainda sobre o tema, Antônio Augusto Balieiro entende que a “ordem de serviço tem cunho separatista”, sendo “fomentador de discriminação e conflitos, não encontrando qualquer respaldo nos princípios da tolerância e liberdade religiosa”, que teriam auxiliado “a decisão do Supremo Tribunal Federal”.

O outro lado

Após a decisão proferida pelo juiz, a Prefeitura de Barra Mansa afirmou que a Procuradoria-Geral do Município está realizando uma análise e que irá recorrer. Segundo o governo municipal, a execução diária dos hinos cívicos está mantida de qualquer forma.

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Quando da ordem de que as escolas teriam de fazer a oração, a Secretaria municipal de Educação justificou-se alegando que “o Pai Nosso é uma oração universal”.

“Vitória da educação e laicidade”

O Sindicato dos Profissionais de Educação se manifestou, considerando a decisão da Justiça “uma grande vitória da unidade do sindicato de Barra Mansa, da educação e da laicidade nas escolas”.

Na semana passada, após a Secretaria decidir pelas filas e orações diárias, especialistas foram procurados pela Agência Brasil – e criticado ferrenhamente a ordem. Para o coordenador-geral do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (Fonaper), Elcio Cecchetti, a decisão da Secretaria municipal de Educação de Barra Mansa é inconstitucional e viola o caráter laico da escola e do Estado.  Cecchetti esclareceu que a decisão do STF permite o ensino confessional na aula de ensino religioso, porém não libera orações confessionais ou cultos nas escolas públicas.

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Em concordância com coordenador do Fórum, o professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro , Daniel Sarmento, discordou que o Pai Nosso possa ser considerado “uma oração universal”. “O Pai Nosso não é neutro, é associado às religiões cristãs. A decisão viola não só a laicidade do Estado como a própria liberdade religiosa das crianças”.