Maria Montessori: O legado da médica italiana que desafiou o ensino tradicional

O método, que valoriza a autonomia das crianças e enxerga o professor como um mentor do processo educacional, ganhou popularidade nos últimos anos

Foto: Divulgação/Organização Montessori do Brasil
Uma das primeiras mulheres a se formar em medicina na Itália, Maria Montessori desenvolveu um método inovador


A família real britânica anunciou, em meados de 2015, que o pequeno príncipe George, filho mais velho do príncipe William e de Kate Middleton, foi matriculado em uma escola Montessori. As notícias sobre a escolha educacional do casal percorreram o mundo, e segundo a psicopedagoga Sonia Maria Braga, este foi um ponto-chave para que o sistema ganhasse mais popularidade entre os pais que buscam alternativas ao ensino tradicional das escolas. Mas, em que consiste, exatamente, o método Montessoriano?

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Sua idealizadora, Maria Tecla Artemisia Montessori, completaria 147 anos nesta quinta-feira (31), se estivesse viva. Nascida em 31 de agosto de 1870, na pequena cidade italiana de Chiaravalle, ela se dedicou a uma vasta pesquisa no campo do ensino infantil, porém, esta não foi sua única escolha profissional. Uma das primeiras mulheres a se formar em medicina na Itália, também se empenhou no estudo da matemática e da antropologia até chegar à pedagogia.

Dentro do movimento conhecido como Escola Nova, que buscou colocar o aluno como personagem central do trabalho escolar, “ela dedicou mais de meio século ao estudo e à pesquisa a respeito de uma questão que considerava o problema fundamental do homem: sua formação como um ser completo, íntegro e ético”, explica Braga, presidente da Organização Montessori do Brasil, também responsável pela organização da Conferência Internacional Montessori, que acontece no próximo mês de setembro na cidade do Rio de Janeiro.

Para isso, a italiana observou de forma cuidadosa o desenvolvimento de crianças e jovens em todo o mundo. Desde Roma, passando pela Holanda até chegar à Índia, ela analisou o comportamento de diversas faixas etárias para construir um método revolucionário de ensino. 

A criança não é um "miniadulto"

Vista como uma etapa lúdica, de aprendizagem e leveza, atualmente a infância é analisada por meio de um olhar único, direcionado aos aspectos específicos das crianças e suas necessidades. Porém, nem sempre foi assim. Até o surgimento da Escola Nova , as crianças eram considerados “miniadultos”, e algumas práticas, que eram bastante comuns, prejudicavam o pleno desenvolvimento dos primeiros anos de vida.

Depois de experimentar as potencialidades psíquicas e intelectuais da infância, a médica italiana mostrou que essa fase é permeada por ritmos e capacidades próprios e resolveu lutar por detalhes que, em uma primeira observação, podem parecer pequenos, mas fazem grande diferença na vida infantil.

Por exemplo, Maria Montessori lutou para mudar as tradicionais peças de roupas, que caracterizavam as crianças como adultos, e também desenvolveu todo um mobiliário adequado à anatomia infantil, quando, antes, os móveis designados aos pequenos em nada se diferenciavam dos criados para adultos. Suas criações, aliás, são utilizados até hoje na maior parte das salas da educação infantil. 

Assim, a médica percebeu a potencialidade das crianças e jovens para construírem um futuro mais pacífico e amistoso, desenvolvendo um sistema que dá liberdade aos alunos “crescerem, aprenderem e contribuírem na sala de aula e além dos muros da escola”, elucida Braga.  A escola, então, deve mostrar à criança que ela faz parte de um todo.

A tríade "criança – adulto – ambiente"

De acordo com a professora do departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Alessandra Arce, “o Sistema Montessoriano vê a criança como uma pessoa naturalmente ansiosa pelo conhecimento”, que é capaz de aprender e desenvolver habilidades em um ambiente preparado para ela, ou seja, que compreenda e explore suas potencialidades.

Para isso, é preciso que a criança seja compreendida, em seu potencial e capacidades, por um adulto que seja uma referência e proporcione, segundo explica Braga, atividades que estimulem a criatividade e sejam vistas como modelos positivos. A base da aprendizagem, desse modo, está na ação exercida pela criança, e, para um sistema que valoriza a independência do aluno, é preciso que o ambiente seja adaptado às necessidades, intelectuais e físicas, da infância.

No mesmo contexto, o professor é encarado como um “mentor”, que deve despertar o interesse em seus alunos. Longe da ideia tradicional do professor detentor de todo o conhecimento, o sistema passa, nas escolas montessorianas, a ser responsável pelo preparo da sala de aula e pelo incentivo ao aprendizado. “Muitas vezes é difícil identificar o professor em uma sala de aula montessoriana”, explica Arce.

“Ele pode estar sentado com um pré-escolar, ao lado de uma esteira, arrumando retângulos coloridos do mais sombrio ao mais leve, ou observando atentamente quando um punhado de alunos do ensino fundamental dissecam uma folha”, exemplifica.

Foto: Divulgação/Organização Montessori do Brasil
Os móveis pensados por Maria Montessori são até hoje utilizados na maioria das salas de escolas de educação infantil




Este ambiente mescla diversas idades com o objetivo de fazer “as crianças mais jovens aprenderem com as mais velhas, e estas reforçarem sua aprendizagem ensinando conceitos que já dominam”, elucida Arce. Mas, principalmente, a escola deverá sempre proporcionar materiais montessorianos disponíveis para serem manipulados.

Assim, as salas de aula são projetadas para que os alunos tenham acesso livre a todos os objetos que fazem parte do processo de aprendizado. Afinal, os materiais agem de forma conjunta com a curiosidade da criança, e dessa forma, o chamado “controle do erro” permite que o aluno compreenda se manipulou o objeto de forma correta ou não.

Em caso de um erro, por exemplo, as ideias de Maria Montessori ficam mais claras: por si própria, a criança pode entender o que fez de errado, mas, caso não consiga chegar a essa conclusão, a formação daquele ambiente proporciona alternativas para encontrar novos caminhos de exploração. Segundo Arce, "o aluno pode tentar novamente, pedir ajuda a outra criança ou ir a um professor para obter sugestões, se o trabalho proposto não estiver indo bem".

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O Sistema Montessoriano no Brasil

As ideias da italiana chegaram às terras brasileiras na primeira metade do século XX, junto das inovações da Escola Nova. Em 1910, Joana Falce Scalco fundou a primeira escola a utilizar o sistema no País, a “Emília Erichsen”, no Paraná. Porém, a maioria das escolas Montessorianas só foram abertas a partir da década de 1970, quando a metodologia foi difundida por diversos estados brasileiros.

Hoje, são diversas as escolas do gênero por aqui, porém, por mais que a influência da família real britânica tenha impactado a realidade das escolas brasileiras, Braga ressalta que é importante formar profissionais qualificados – em cursos que duram cerca de dois anos – para que o trabalho possa ser feito de forma responsável.

“Que venham mais escolas Montessori, mas com pessoas bem preparadas e maduras para um trabalho tão importante e belo, para que colaborem na formação de pessoas melhores, no sentido moral, com senso de responsabilidade coletiva ”, deseja Braga.

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