Artista fala de sua trajetória como músico 'de verdade' até alcançar o sucesso como DJ
“Comecei a ir caindo para o lado do DJ sem querer”, explica ele, que na quinta-feira passada (dia 20) passou por São Paulo para tocar (como DJ) numa festa no clube Alley. “Aí, pensei: já que estou fazendo isso, consigo produzir minhas próprias músicas, não vou tocar só música dos outros.”
É que, não muito tempo depois do burburinho causado via internet por "Baranga", João começou a adquirir fama de fazedor de mashups. O termo é difícil de explicar, mas facílimo de entender: o primeiro mashup criado por João misturava, numa mesma música, trechos de "Over and Over", do Hot Chip, "Haja Amor", de Luiz Caldas, "Sweet Child of Mine", dos Guns ‘n Roses, e "Fogo e Paixão", de Wando. Todas essas músicas numa mesma música. Começou a tocar maluquices desse tipo na festa carioca Calzone e a ganhar notoriedade junto a públicos capazes de apreciar numa mesma noite, sem preconceitos, da banda inglesa de electro Hot Chip ao paarense Calypso, passando rock pesado, funk carioca, pop, hip-hop e assim por diante.
Trata-se de uma curiosa inversão para quem compreende DJs como não-músicos sem criatividade própria que roubam postos dos músicos “de verdade”. João é músico “de verdade”. Começou seus experimentos na universidade, com colagens conceituais de música erudita, misturando Heitor Villa-Lobos, Edgar Varèse e Karlheinz Stockhausen. “Mashup é a versão pop disso”, constata algo que percebeu fazendo. Não é raro que o conceito oriente suas misturas pop. No clube Alley, por exemplo, ele angaria empatia fazendo a sofisticada "Sexual Healing", do mestre soul norte-americano Marvin Gaye, explodir de repente nos versos “é som de preto, de favelado/ mas quando toca ninguém fica parado”, clássico funkeiro carioca de Amilckar & Chocolate.
No meio do percurso de transformação, João descobriu que suas alquimias pop faziam parte de uma cena maior. A proximidade com o funk carioca, que o acompanha desde a adolescência, acabou por aproximá-lo das festas europeias de “ghetto-tech”, ou “global ghetto”. “Comecei a entrar em campeonatos de remix, e ganhei um concurso na Alemanha fazendo remix de Crookers [produtores italianos de electro] com tecnobrega do Pará”, explica. “Fiz remix do Cansei de Ser Sexy com lambada, e comecei a ficar conhecido num outro meio que eu nem sabia que existia, o ghetto-tech. Passei a ser chamado para tocar em festas que reúnem músicas digitais de periferia do planeta: kuduro de Angola, cumbia argentina, tribal guarachero mexicano, funk carioca, tecnobrega paraense...”
Essa globalização, se assim se pode chamar, permite fenômenos como o que se verificou na boate paulistana na última sexta-feira. Um público paulistano de classe média para cima, aficionado por música eletrônica e até não muito tempo atrás hostil às diversas identidades brasileiras, se divertia dançando o funkeiro Mr. Catra, a discothèque Funkytown ou a lambada "Chorando Se Foi", do grupo Kaoma, e cantando em coro os refrões de "Deixa Eu Te Amar", do sambista Agepê, e "Adocica", do lambadeiro Beto Barbosa.
João Brasil, ele próprio, não vem da periferia. Nasceu no bairro da Gávea, filho de um médico urologista e de uma psicóloga. “Meu pai deve ter tido cinco discos na vida”, diverte-se. “Herdei dele o lado engraçado. Um urologista que trabalha dando dedada em homem pelado não pode ser sisudo”, brinca. João se diz “viralata” de família de origem europeia, indefinida. A pele é bem branca, mas os olhos puxados não podem passar batidos: “Meu avô era praticamente índio, de pele escura, cabelo bem liso”.
Se ele tiver de fato essa ascendência no sangue, talvez aí estejam explicadas a hibridez europeia-periférica de sua formação musical, a antropofagia indígena guardada dentro das colagens, as trocas que mantém com funkeiros cariocas e tecnobregas paraenses – e a aversão que diz sentir por guetos e tribos, ao mesmo tempo em que se integra numa tribo maior, global.
Veja uma apresentação do DJ brasileiro no Musicalia: