Livro de fotos mapeia as encenações de Antunes Filho

"Poeta da Cena" retrata obra de um dos principais diretores teatrais do Brasil

Foto: AE
O diretor teatral Antunes Filho

"Um dia você acorda, toma café, sai de casa. E, de repente, um contingente de pessoas começa a falar do seu trabalho, a te enaltecer. Isso lhe deixa boquiaberto: ver alguém fazendo odes à sua vida", comenta Antunes Filho, 81 anos. "De um lado, é uma vergonha infinita. Uma vontade de abrir um buraco na terra e enterrar a cabeça. Mas também, imagina se ninguém falasse nada."

É assim, oscilando entre opostos, que o diretor discorre sobre "Antunes Filho, Poeta da Cena", livro a ser lançado na terça-feira. "Fico aí nesse limite. Entre surpreso e envergonhado", ele resume. Com fotografias de Emidio Luisi e textos de Sebastião Milaré, a publicação mapeia boa parte da trajetória deste que é um dos maiores encenadores brasileiros do século 20. Articula imagens e relatos de contextos e momentos distintos.

Há mais de 30 anos, ambos, fotógrafo e crítico, acompanham Antunes. É extensa a lista dos que passaram pelo CPT - Centro de Pesquisa Teatral do diretor ao longo das últimas décadas: atores como Raul Cortez, Stênio Garcia, Luis Mello, Giulia Gam, Cacá Carvalho. Mas pouca gente teve a chance de observar por tanto tempo, e tão de perto, os ensaios, os bastidores, o processo de criação do artista.

"Às vezes, fico meses sem vê-los. Mas eles estão sempre ali, do meu lado. Estão grudados na minha vida. Não consigo me desfazer deles", diz o encenador, sentado entre as duas testemunhas privilegiadas do seu trabalho.

No dia do lançamento, os três conversam com o público sobre o sentido dessa longeva parceria. E também devem, certamente, rememorar anedotas dessa convivência. "Quando propus escrever um livro sobre ele, o Ulysses Cruz, que era o seu assistente na época, me disse para não comentar nada com ele. Mas como eu ia escrever uma biografia escondido? Para surpresa de todo mundo, fiz um projeto, e ele aceitou", conta Milaré, explicando como passou a ser aceito como alguém "de casa". Ou mais do que isso. Merecedor até de certas regalias que o diretor não costuma conceder. "Ninguém nunca pôde fumar durante os ensaios. Mas, para mim, havia até um cinzeirinho separado ao lado da cadeira."

É o terceiro livro em que o crítico tematiza o vocabulário de Antunes. Na década de 1990, escreveu "Antunes e a Dimensão Utópica", uma investigação sobre a primeira fase desse percurso. Em 2010, havia publicado "Hierofania", um tratado sobre seu método e seu processo criativo.

Já Emidio Luisi sistematiza pela primeira vez o resultado de três décadas de olhar constante sobre a obra de Antunes Filho. Imagens de muitas épocas, reveladoras do desdobrar de um projeto estético. Italiano que emigrou criança para o Brasil, Emidio trocou a carreira de arquiteto pelas câmeras e esteve, desde sempre, próximo do palco. Registrou 35 anos de espetáculos do Ballet Stagium. Detalhou, em mais de uma centena de retratos, a poética dos movimentos do bailarino japonês Kazuo Ohno. A descoberta do teatro de Antunes deu-se ainda nos anos 1960. "Fiquei estupefato quando assisti à Cozinha", rememora o fotógrafo, discorrendo sobre o espetáculo ultrarrealista de 1968. Suas lentes, contudo, levariam ainda dez anos para começar a capturar a arte do encenador.

Curiosamente, seu primeiro registro foi justamente de "Macunaíma", montagem divisora de águas na cena nacional. Foi ao levar à cena a rapsódia de Mário de Andrade que Antunes Filho deu forma à linguagem que vinha há tanto burilando. A criação tornou-se a peça brasileira mais vista no exterior. Desanuviou olhares viciados. Abriu as portas para as montagens excepcionais que se seguiram. Em "Antunes Filho - Poeta da Cena", estão registrados todos os espetáculos que surgiram a partir daí. 

Antunes Filho, Poeta da Cena - Sesc Consolação - Teatro Sesc Anchieta (Rua Dr. Vila Nova, 245). Tel. (011) 3234-3000. 3ª, às 20h.

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