Romance do angolano Ondjaki passeia com humor e lirismo por Luanda
É no embalo de – muitas – cervejas que o narrador de Quantas madrugadas tem a noite nos conta as fantásticas desventuras vividas em Luanda pelo professor albino Jaí, pelo anão BurkinaFaçam e por AdolfoDido, que morre mas custa a desaparecer.
O romance alterna ora aventura e humor, no relato das seguidas confusões em que se metem os amigos, ora lirismo, nas reflexões que faz o narrador, entre um episódio e outro, sobre a importância do relato e da imaginação. E oferece, além da bela exaltação do convívio e da amizade, um rico panorama do dia a dia dos moradores de um país de independência recente e que se recupera de longa guerra civil.
O autor, o angolano Ondjaki, um dos expoentes da nova geração de escritores africanos, não nos dá a oportunidade de conhecer a voz de quem escuta os eventos relatados pelo sedento narrador – assim como já havia feito Guimarães Rosa com o ouvinte do jagunço Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas . Se gosta ou não, quem o ouve, do caso do cadáver que desaparece do necrotério e de quem duas mulheres disputam a viuvez para tentar ganhar uma pensão, não saberemos por meio da fala.
Se as histórias prosseguem, no entanto, é porque as cervejas continuam sendo pedidas, e era esse o pagamento combinado: “Num me acompanhas mais noutra birra? Vamos lá então. Tou a gostar do teu ouvido – paciência dele, e do teu bolso, nossas cervejas imparáveis”.
Adepto ou abstêmio, o leitor deve se encantar com essa espécie de Xerazade da vida cotidiana. Enquanto a original, noite após noite, retardava o ponto final da trama para que o sultão não a matasse, o frequentador de bares de Quantas madrugadas tem a noite segue narrando madrugada adentro apenas para poder continuar molhando a goela. Ambos compartilham a mesma crença: a de que sem uma boa história não se vive.
Quantas madrugadas tem a noite
Ondjaki
Leya Brasil
192 páginas
R$ 39,90