Thiago Lacerda como um agente da ABI: papel para apagar do currículo
Era uma tragédia anunciada. Desde que o trailer de Segurança Nacional
foi divulgado, no início do ano, as comparações da trama com a série 24 Horas
e a tiração de sarro dos diálogos – como Thiago Lacerda, o mocinho, gritando, de arma em punho, “Exército brasileiro, parado!” – provocaram uma expectativa negativa vista poucas vezes por aqui. Para quem estava ansioso em saber no que isso ia dar, não há nenhuma surpresa: Segurança Nacional
é a bomba que todo mundo estava esperando. Ou melhor, duas.
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Milton Gonçalves como o presidente da República: patriotismo exacerbado
Isso porque, vejam só, traficantes latinos, descontentes, compram bombas atômicas (!) para ameaçar o governo brasileiro. O motivo dessa birra nuclear é a instalação, em 2004, do SIVAM, o Sistema de Vigilância da Amazônia, que monitora o tráfego aéreo e impede a entrada de aviões ilegais carregados de drogas na região. A base de operações em Manaus vira, então, alvo dos bandidos e o agente secreto Marcos (Lacerda) – comandado por Milton Gonçalves, no papel de presidente da República, e Ângela Vieira, como diretora da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) – entra em cena para evitar que os “chicanos” consigam fazer o terror triunfar.
Mas peraí, os latinos não somos nós? Pois o diretor Roberto Carminati e os outros dois roteiristas acharam que o narcotráfico seria motivo suficiente para colocar os vilões preferidos dos filmes de ação americanos do início da década de 1990 – ao lado dos russos – em uma produção nacional. A malvadeza do chefão (o ator mexicano Joaquin Cosio), o coadjuvante engraçadinho, as perseguições explosivas, o complicado namoro do protagonista, as situações exageradas, tudo está lá. Ao longo do filme, a coisa só piora. Em determinado momento, o presidente entra em rede nacional e, com lágrimas nos olhos, chega a soltar o famoso “Deus abençoe”... Ufa, não foi “a América”, mas se fosse, ninguém iria estranhar.
O curioso de tudo isso, paradoxalmente, é que Carminati é um patriota de mão cheia. Nascido nos Estados Unidos, filho de brasileiros, o diretor das novelas América
e Caminho das Índias
disse que queria falar da “capacidade e importância das nossas Forças Armadas”. Com apoio do Exército e da Aeronáutica, conseguiu imagens de caças em pleno voo e militares de verdade na frente das câmeras. Mais do que transmitir veracidade, no entanto, o cineasta fez uma propaganda descarada, que poderia tranquilamente substituir aquelas de alistamento da TV (“jovem, ao completar 18 anos...”). E que tal uma cena com closes – e como eles são constantes –na bandeira verde-amarela tremulando, crianças enfileiradas e uma cantora a la Toni Braxton interpretando o Hino Nacional? Gratuito é pouco.
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Exército em ação no longa-metragem: propaganda nas telas de cinema
É tão esdrúxulo assim, mas sempre vai ter quem defenda esse amor incondicional à pátria, por isso é importante ressaltar que o problema terrível de Segurança Nacional
é de roteiro. O próprio Thiago Lacerda, pasmem, admitiu em coletiva de imprensa que não era bom. Tecnicamente o filme é bem feito, com efeitos razoáveis, boa capacidade de produção (helicópteros, carros, dublês, figurantes) e orçamento baixo para o gênero (R$ 5 milhões). Mas tudo é tão absurdo e de mau gosto que as risadas involuntárias saem sem qualquer dificuldade. A base do Comando de Segurança da presidência fica em uma caverna? O segundo alvo dos terroristas é o Palácio do Governo de Santa Catarina (!), patrocinador do filme? É sério mesmo que o herói vai enfrentar o vilão sozinho?
A lista, farta, segue ladeira abaixo, até chegar ao desfecho, de fazer Jean-Claude Van Damme se sentir orgulhoso de seus maiores fracassos. Carminati já vem falando que seu projeto para o futuro é continuar produzindo filmes de ação com apoio das Forças Armadas. Pelo jeito, a ideia de imitar filmes B de 20 anos atrás agradou ao povo de farda. Dessa vez, só faltou escalar Steven Seagal ou algum outro “astro” de rabo de cavalo do segundo escalão. Quem sabe no próximo.