O reservista Roi Sasson foi morto por terroristas do Hamas no norte da Faixa de Gaza na última quarta-feira: ele foi o 800º soldado israelense a perder a vida no confronto que já dura mais de 13 meses. Com apenas 21 anos, ele vivia na cidade de Mevasseret Tzion, bem próxima a Jerusalém.
Mais um. E mais um. E mais um. Um conta-gotas enlouquecedor.
A guerra vista de longe aparenta ser uma longa lista de datas e números. De perto, ela recebe contornos humanos – e as tais datas e números ganham rostos, idades, filhos, circunstâncias, lágrimas. Da morte de cada soldado surgem centenas de fios que conduzem para um lugar diferente.
Uma das histórias mais dramáticas que ouvi nessa guerra aconteceu nestes dias. O soldado Ivri Dickstein, de apenas 20 anos, foi morto no Líbano na quinta-feira da semana passada. O costume judaico é enterrar o corpo o mais rápido possível, o que no caso de Ivri aconteceu no dia seguinte, sexta-feira. Ao chegar em casa do cemitério, esperava por Miriam, sua esposa (judeus religiosos costumam casar-se cedo), o buquê de flores e a caixa de chocolate com os quais ele queria surpreendê-la naquele Shabat – que começa na sexta-feira ao pôr do sol –, juntamente com um bilhete amoroso escrito à mão, no qual ele pede a ela que “sorria e mantenha-se forte. Estou bem, não se preocupe comigo. Amo você mais do que tudo nesse mundo”.
Guerra de superlativos
No judaísmo, não há nenhum valor maior do que a vida, cuja perda é considerada o preço mais alto da guerra. Ao longo dos últimos 13,5 meses, morreram em serviço 757 homens e 43 mulheres; 143 eram reservistas, todos os demais jovens entre 18 e 21 anos. Deixaram para trás 181 viúvas – destas, 27 estavam (ou estão) grávidas no momento da morte do marido. Em uma das estatísticas mais crueis possíveis, 44 famílias perderam mais de um membro na atual guerra (o serviço militar é obrigatório em Israel).
Uma vez que o exemplo da liderança faz parte do ethos israelense, é alto o número de comandantes mortos em operações: mais de um quarto dos soldados caídos eram oficiais. Nessa guerra, o exército perdeu 69 comandantes de pelotão, 63 comandantes e 20 subcomandantes de companhia, 5 comandantes e 7 subcomandantes de batalhão, e 4 comandantes de brigada. De todos eles, apenas 4 morreram em datas desconhecidas – os que foram levados como reféns para Gaza em 7 de outubro de 2023 e assassinados pelo Hamas.
Poucos sabem que o exército israelense não é profissional, mas sim formado por seus cidadãos: eles são advogados, startupistas, professores universitários, jornalistas, motoristas de ônibus, mecânicos etc. Também personalidades locais ou de grande destaque na vida pública pagam o preço e um triste exemplo é o do general Gadi Eizenkot, ex-chefe de Estado do exército e ex-ministro, que perdeu um filho e dois sobrinhos na atual guerra.
Como dizem os judeus, que a memória deles seja abençoada (e que mais nenhuma vida seja perdida).
** Miriam Sanger é jornalista, iniciou sua carreira na Folha de S.Paulo e vive em Israel desde 2012. É autora e editora de livros, além de tradutora e intérprete. Mostrar Israel como ele é – plural, democrático, idiossincrático e inspirador – é seu desafio desde 2012, quando adotou o país como seu.