Paulo Rosenbaum

Meu nome é jamais

Parte do poema de 1200 linhas “Luz Ubíqua”, uma homenagem às vítimas ainda injustiçadas do pogrom de 7 de outubro

Foto: Gerada por IA
Meu nome é Jamais

Essa é para você! É. Você mesmo!

Você não iria querer estar na minha pele, mas deveria.

Não iremos reafirmar mais nada.

Nem mudar o sentimento que nos trouxe até aqui. Muito provavelmente você se cansou dos argumentos que estamos usando, idem ibidem. Será necessário esclarecer pelo menos um aspecto e falar com meridiana sinceridade: desta vez será muito diferente.  

Sabes por que, amigo?

Não, não, nada a ver com o nunca mais.

É que adquirimos um know how inédito.

Qual?

Desta vez não nos deixaremos imolar. E há muito superamos o auto sacrifício como forma de adoração.  

Não será por capricho, nem vingança, muito menos teimosia.

Desta vez, será por convicção.

Podemos até perdoar o imperdoável, é da nossa natureza.

Mas há uma justiça que provavelmente você não está disposto a compreender.

Ah, então tu achas mesmo que não podemos de defender da forma como julgamos necessária?  

Colega, sinto muito em te desapontar, mas deliberação é deliberação, irreversível.

Ah, e não tem a ver com o nunca mais?

O slogan mudou?

Sim, agora será outro.

Meu nome é Jamais.

Jamais, porque não poderemos viver com tragédias impostas.

Jamais, porque tua indiferença não nos embaraça mais

Hoje já sabemos como classificar as neutralidades

E as agressões de ontem são as mesmas que te alimentam hoje

Meu nome é jamais já que nunca soubemos exatamente como conter sua aversão a nossa existência. 

Hoje, depois de quedas sucessivas, dominamos um método

Nossa conhecida tolerância não poderá mais sem confundida com passividade

E será, daqui em diante, tomada como obstinação

Diferentemente da amnésia que acomete o mundo

Nossa percepção da história nao está apenas viva

Ela arde em nós!

Ela queima com a tocha!

E fica acesa mesmo quando o mundo dorme.

Na porta ao lado talvez teu vizinho venha a concluir que poderemos ser esmagados. Fique atento.

Há um fragmento volátil em nossa constituição que permite que levitemos ante ameaças de extinção.

É ele que nos tem sustentando durante tuas injuriosas missões  

É ele que nos tem avisado, sim, esta porção de ar, que, há muito, teu hálito está putrefato

E é Nele que confiamos para alçar voo toda vez que teus cumplices avançarem

Sobre os nossos pescoços. Vai a aprende o que é dura cerviz.    

Tudo que testemunhamos hoje

As massas cheias de álibis para odiar

As passeatas a favor dos abusos impostos as meninas e vulneráveis  

E a impensável apologia mundial ao escárnio

Está tudo sendo contabilizado, e te adianto mais uma vez rapaz:

o objetivo não é vingança

Mas a aquisição de uma pedagogia que nos serve de alerta

toda vez que teu bastão de sedução

Nos tocar com o condão maligno

Meu nome mudou para Jamais

Preciso te alertar: doravante não estamos mais no mesmo barco

Sei que a cada pequeno naufrágio nós seriamos os escolhidos para sermos arremessados da tua prancha viciada

Agora, já estamos em balsas que nunca sucumbem 

Que flutuam mesmo sob as calunias do fanfarrão

Que fala quando hipnotizado pelo álcool.

Delirando com títulos internacionais  

E nosso deslize pelos mares pode não ser suave, mas será suficientemente altivo para te ver descer até a degradação.

Não pedimos isso. Nunca desejamos pesadelos.

Mas, quando eles vem, nós não nos retiramos da arena.

Afinal, aprendemos o valor da afirmação.

Aqueles que se iludem com estar acordados, mas vivem o pesadelo insone,  sabem da própria efemeridade.  

E seus cumplices já se deram conta que mesmo as pressões maciças  nao tem mais poder para nos curvar.

Somos uma permanência. E não podemos negar que se isso incomoda é um efeito colateral de termos sobrevivido.

O que você talvez não tenha notado é que o jogo não é mais o mesmo.

E se considera que estamos isolados saiba que o número nunca foi o problema.

Há muito ruído entre aqueles que professam o martírio como meio de vida.

Enquanto nosso silêncio tem um poder mágico: ele pode apagar as arruaças do teu mandato.

Demiurgos de ocasião rasgam as cartas.

Desconhecem o que é uma república constitucional.

Por isso, caro senhor, que mudamos nosso nome para Jamais.

Talvez um dia você nos conheça, mas, enquanto isso, trate de achar outra rota para expor tuas inconsistências.

O caminho despedaçado não suporta mais o que tem emergido da tua boca supérflua.

Nos outorgamos o jamais já que não estamos só de passagem.

Nós nao migramos por 3.300 anos sem propósito.

Nossa função agora é detectar e enaltecer todos os nossos aliados.

Eles são muitos, quiçá maioria.

Decerto ainda um pouco silenciosos, por enquanto.

E mostrar que mesmo que haja mais de um lado certo da história, ele nunca se alinhará aos zoilos do mundo.

Nossa missão tem sido superar a mera subsistência

Trazer significados quando parece não haver nenhum.

Forçar a busca por sentido, quando todos eles parecem perdidos. 

Não sozinhos. Nunca sectariamente. 

Mas junto com a fração que se tem a ilusão de pureza, aceita o que vem de todos. Não é mais elevada, mas a que sabe que perdura uma confiança irracional num planeta onde quase tudo soa incredulidade.  

Preciso, para terminar, dizer que existe uma crença que nos foi sulcada, um velho pacto que nos obriga a persistir.

Mesmo contra todas as evidências. Neste aspecto, somos uma contra evidência.

Sei que você não gostaria de estar em nossa pele, mas deveria.

Assim, quem sabe, assimilaria o valor do Jamais

Saberia dar menos valor as convicções.

Nosso nome é Jamais porque ficaremos para sempre.