A Polícia Federal (PF) deve investigar a relação entre a venda da refinaria Landulpho Alves, da Petrobras, e os presentes em joias dados pelo governo da Arábia Saudita ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A informação foi confirmada pela coluna com fontes ligadas à investigação.
Segundo a fonte, a entrega dos presentes coincide com a entrega da refinaria para a Mubalada Capital, empresa de investidores dos Emirados Árabes Unidos, mas com participação de empresários da Arábia Saudita. Na época, a RLAM, como é conhecida, foi vendida por US$ 1,65 bilhão, valor abaixo que o estipulado pelo mercado.
Para o advogado criminalista e colunista do iG, Antônio Carlos de Almeida Castro, Bolsonaro pode ser enquadrado em peculato e lavagem de dinheiro, mas não está descartada a hipótese de corrupção passiva. Kakay ressalta, porém, que a investigação não deve ser fácil para a PF.
“Se confirmado, você teria algo muito mais grave. Provavelmente o ex-presidente seria enquadrado em corrupção também. O que nós temos que saber é que quando envolve o príncipe, a situação fica mais complicada. Ele é cidadão que tem imunidade. Então é uma investigação difícil”, aponta Kakay.
O advogado ressalta que há indícios de interferência de Bolsonaro para conseguir ter acesso às joias apreendidas pela Receita Federal. Ele ainda lembra que a lei determina que presentes de grande valor devem ficar para a União.
“É um caso em que está amplamente certificado, através de vários documentos, de que houve uma tentativa deliberada de promover o descaminhos, ou seja, de entrar com essa joia ilegalmente no país. Quando se é um presente de chefe de Estado, a lei prevê que deveria ter sido encarado como um benefício à União e, por isso, passar para o acervo do Brasil, evidentemente sem nenhum benefício pessoal”, afirma.
“Pela forma, até impressionante, de interferência do próprio Bolsonaro e o uso de ministros, chefe da Receita e outros meios para se ter acesso às joias, a configuração de crime fica clara. Então, eu acho que esse inquérito está sendo aberto para apurar os descaminhos talvez lavagem [de dinheiro], até peculato. No primeiro momento você tem a interferência do ministro e, em seguida, do chefe da Receita para dar a ‘carteirada’”, completa.
Outro fator que deve ser investigado pela força-tarefa da PF e do Ministério Público Federal (MPF) são as contradições do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque. Na época da apreensão, Albuquerque admitiu que as joias eram para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, mas recuou após a apreensão.
“Ali foi dado a ele direito e dizer: ‘não, isso é um presente de estado. Eu vou regularizar a situação, isso vai passar paro parceiro do Brasil’, mas ele insistiu que era, na verdade, um presente pessoal. Ele não poderia ter passado por aquele local, teria que declarar e se declarasse teria que pagar alguns milhões de impostos”, ressalta o advogado.
“É um caso clássico do descaminho. O chefe da Receita faz um documento a mando do governo, abre uma exceção, a presidência manda um avião da FAB com um servidor público para buscar as joias com argumento de que não poderia passar de um governo para outro sem registrar os bens. Me parece um caso raro de comprovação de papel, de documentos, de declarações e que vai se caracterizar crime e deve haver um processo criminal”.
Kakay acredita que a investigação não deve comprometer outros processos que correm no Supremo Tribunal Federal (STF) e instâncias inferiores contra Bolsonaro.
“Não existe, tecnicamente falando, nenhum impacto direto nos outros processos. O que nós temos, isso aí é o humano, o natural, que é uma sensação de certo desconforto e impacto a imagem política do ex-presidente”, explica.
Para o advogado, a ação de bloquear as joias encontradas na mochila de um assessor ministerial só foi possível pela estabilidade garantida ao funcionário público.
“É importante ressaltar o valor desse funcionário público que conseguiu bater de frente com um ministro de Estado e com seu chefe (Julio Cesar Vieira Gomes) por causa da estabilidade dos servidores que Bolsonaro e [Paulo] Guedes queriam derrubar. Se não fosse isso, ele não teria tido coragem de enfrentar. Esse cidadão tem que ser condecorado pela dignidade, responsabilidade e honestidade”, completa Kakay.
Entenda o caso
Segundo uma reportagem de "O Estado de S. Paulo", um primeiro pacote de joias, avaliado em R$ 16,5 milhões, foram entregues pelo governo da Arábia Saudita para Michelle Bolsonaro, que visitou o país árabe em outubro de 2021. Entre os presentes, estavam um anel, colar, relógio e brincos de diamantes.
Entretanto, ao chegar ao país, as peças foram aprendidas na alfândega do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, na mochila de um assessor de Bento Albuquerque, então ministro de Minas e Energia. Ele ainda tentou usar o cargo para liberar os diamantes, entretanto, não conseguiu reavê-los, já que no Brasil a lei determina que todo bem com valor acima de US$ 1 mil seja declarado.
Diante do fato, o governo Bolsonaro teria tentado quatro vezes recuperar as joias, por meio dos ministérios da Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores. O então presidente chegou a enviar ofício à Receita Federal, solicitando que as joias fossem destinadas à Presidência da República.
Na última tentativa, três dias antes de deixar o governo, um funcionário público utilizou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para se deslocar até Guarulhos. Ele teria se identificado como “Jairo” e argumentado que nenhum objeto do governo anterior poderia ficar para o próximo.
Bolsonaro confessa receber joias
Nesta quarta-feira (8), Jair Bolsonaro admitiu, pela primeira vez, que incorporou as joias doadas pelo governo da Arábia Saudita em seu acervo pessoal. A declaração foi dada à CNN Brasil.
Segundo Bolsonaro, apenas o segundo pacote, destinado a ele, está entre os itens pessoais. O estojo entregue ao ex-presidente conta com anel, relógio, caneta e acessórios para terno. O valor dos bens ainda não foi estimado.
O ex-presidente ainda negou saber das joias destinadas à sua esposa, Michelle Bolsonaro, apreendidas pela Receita Federal em 2021. Ele ressaltou que não pediu presentes e reafirmou não ter nada ilegal no caso.
Investigações
Além da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF), a CGU também instaurou um inquérito para investigar o caso. A Receita Federal informou que deve uma sindicância para apurar as denúncias contra o ex-chefe do Fisco, Júlio César Vieira Gomes.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, a ex-primeira-dama Michelle e o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque devem ser ouvidos pelos investigadores.
Nesta quarta, o Ministério Público junto ao TCU pediu a abertura de inquérito para investigar a entrada das joias no Brasil. O MP ainda quer apurar a participação de servidores no caso. O presidente da Corte, ministro Bruno Dantas, ainda não decidiu se levará, ou não, a investigação a diante.