O Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), entrou nesta quarta-feira (1º) com um pedido de inquérito para investigar o acesso de dados sigilosos da Receita Federal de opositores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O pedido é assinado pelo subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado.
Para o MP, houve possível desvio de finalidade do ex-chefe de inteligência da Receita Federal Ricardo Feitosa, acusado de acessar o sistema da Fisco para fiscalizar dados de adversários de Bolsonaro. Segundo Furtado, a ação foi tomada para benefício particular da família do ex-presidente e há suspeita do uso de recursos públicos no caso.
“Os fatos constantes desta representação revelam que um alto posto da Receita Federal incorreu, quando do exercício de suas atividades profissionais, em flagrante desvio de finalidade pública, utilizando-se indevidamente de recursos e ferramentas de trabalho e produção e tratamento de informações no intuito de supostamente atender interesse privado da família Bolsonaro, com evidente dispêndio indevido e injustificado de expressivos recursos públicos, situação a demandar notoriamente a atuação do órgão de controle externo, no intuito de apurar eventual prejuízo ao erário”, afirma Furtado.
Ricardo Pereira Feitosa é acusado de acessar dados de políticos, empresários e desembargadores adversários de Bolsonaro entre os dias 10 e 18 de julho de 2019, primeiro ano de governo do ex-presidente. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, os dados de Imposto de Renda entre os anos de 2013 e 2018 de Gustavo Bebianno (ex-ministro), Paulo Marinho (empresário) e Adriana Marinho (esposa de Paulo) foram acessados por Feitosa.
O ex-chefe de inteligência da Receita ainda teria acessado informações sigilosas de Eduardo Gussem, ex-procurador-geral da Justiça do Rio de Janeiro. O procurador era responsável pela investigação do esquema da “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente da República.
“O acesso indevido a dados sigilosos desses personagens por parte do servidor da Receita Federal poderia, em tese, objetivar a obtenção de informações que pudessem constranger de alguma forma esses indivíduos, em contraposição a suas posições críticas à família Bolsonaro, de modo a, dessa forma, atender um eventual interesse meramente pessoal do ex-presidente, caracterizando desvio de finalidade no uso de dados, informações e recursos materiais do serviço público em prol de interesse particular”, ressalta o documento.
“Se a atuação do agente da Receita se comprovar como tendo incorrido em desvio de finalidade, não serviram a nenhum propósito público e acabaram por consumir inutilmente os recursos públicos utilizados para essa prática, configurando dano ao erário, passível de responsabilidade no âmbito do Controle Externo”, completa.
Pressão de Bolsonaro
Lucas Furtado ainda lembrou das suspeitas de que o corregedor da Receita Federal, João José Tafner, teria sido pressionado a arquivar as investigações contra Feitosa em 2020. A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo e confirmada pelo iG junto a um funcionário da Receita Federal.
Furtado entende que a ação da família Bolsonaro para pressionar a alta cúpula da Receita para arquivar o caso também deve ser investigado pelo TCU. Na visão do subprocurador, a pressão do Planalto pode ter envolvido dinheiro público.
“Averiguar se a atuação ilegítima do servidor Ricardo Pereira Feitosa, então coordenador-geral de Pesquisa e Investigação da Receita Federal do Brasil, contou com a conivência ou omissão da alta cúpula do órgão à época, ou seja, o ano de 2019 e seguintes, de modo a esclarecer toda a cadeia de responsabilidades pela atividade ilegal empreendida, bem como apurar se o corregedor da Receita Federal sofreu pressão interna dessa alta cúpula para arquivar o processo disciplinar em face do referido servidor, avaliando os reflexos dessas possíveis condutas nas contas anuais do órgão apresentadas ao TCU para julgamento”, ressalta o MP.
O iG tentou contato com Feitosa, mas não obteve retorno até o momento. A Receita Federal publicou uma nota em que nega pressão na cúpula do Fisco e que uma ata foi enviada ao Ministério da Fazenda, que decidirá, ou não, pela abertura de um procedimento interno.
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