Para Nuno Vasconcellos, Galípolo assumirá o BC com a obrigação de conseguir resultados melhores do que Campos Neto
Daniel Castro Branco/Agência O Dia
Para Nuno Vasconcellos, Galípolo assumirá o BC com a obrigação de conseguir resultados melhores do que Campos Neto


O ano de 2025 começará com o Brasil diante daquela que talvez seja a encruzilhada mais decisiva de sua história. Dependendo do rumo que seguir, poderá dar um passo definitivo em direção à maturidade e ingressar no clube dos países ricos, desenvolvidos e em condições de oferecer bem-estar e prosperidade a todos os seus cidadãos. Dependendo, porém, das decisões que vierem a ser tomadas a partir do dia 1º de janeiro, a vaca rumará para o brejo e só sairá de lá à custa de muito sacrifício.

Boa parte da responsabilidade sobre o que o futuro reserva ao país estará nas mãos do economista Gabriel Galípolo — que substituirá Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central. Indicado para o cargo pelo presidente Luíz Inácio Lula da Silva e já devidamente sabatinado pelo Senado, ele será responsável por virar a última página escrita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro que ainda permanece aberta em Brasília.

Seu mandato à frente da instituição não coincide com o do presidente da República e irá até o fim de 2029.  Mas nem será preciso esperar tanto para saber se sua passagem pelo BC será coroada de êxito. Um ano no posto já será suficiente para saber em que direção ele terá ajudado a conduzir o país: se no caminho da austeridade técnica necessária para dar credibilidade à moeda brasileira ou se na direção da esbórnia monetária que tanto custou ao país antes da decretação do Plano Real, há exatos 30 anos.

A missão de Galípolo não será fácil. Além das atribuições protocolares de qualquer presidente do Banco Central — que por si só já são extremamente espinhosas —, ele terá que obter resultados bem melhores do que os de seu antecessor. Se durante o primeiro ano de seu mandato, a taxa de juros continuar em elevação como esteve ao longo de 2024, ele será criticado por adotar o mesmo receituário do “bolsonarista” Campos Neto.  

Se, ao contrário disso, der início a uma política gradual de redução da Selic — como muita gente acredita ser possível fazer sem gerar pressões inflacionárias insuportáveis —certamente ouvirá a acusação de ter cedido à pressão de Lula. Como reza o dito popular, se correr, o bicho pega. Se ficar, o bicho come.   

 Administração Tíbia 

Sim! Desde que tomou posse para seu terceiro mandato como presidente da República, em 2023, Lula tem tratado o Banco Central e seu presidente Campos como se fossem a Geni da música de Chico Buarque de Hollanda. Na semana passada, no mesmo dia em que deixou o hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde esteve internado por cinco dias e se submeteu a uma cirurgia de emergência para drenar um coágulo na cabeça, o presidente concedeu uma entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, e voltou a criticar o BC — que na véspera havia elevado a taxa de juros em um ponto percentual, para 12,25% ao ano. E, mais do que isso, indicado a possibilidade de elevar novamente a taxa em um ponto percentual nas duas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária.

“Não há nenhuma explicação para isso. A inflação está quatro e pouco. É uma inflação totalmente controlada. A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia, não é do governo federal. Mas nós vamos cuidar disso também”, disse Lula. A declaração do presidente, como não poderia deixar de ser, foi muito mal-recebida. E, pior do que isso, apontada como a responsável pelos solavancos vividos pelo mercado nos dias seguintes.

Críticas ao presidente do BC vindas de Lula não causam espanto nem são suficientes para causar um solavanco no mercado como o que se viu na semana passada. Estranho seria, isso sim, se o presidente, ao invés de criticar, elogiasse a decisão do colegiado liderado por Campos Neto. De certa forma, as críticas de Lula até fazem sentido: caso ele admitisse que o BC está certo ao elevar os juros, teria que admitir que seu governo está errado ao não cortar as despesas que forçam a alta das taxas. O que causou alvoroço desta vez foi a última frase do comentário do presidente.

O que será que Lula quis dizer com “vamos cuidar disso também”? Será que a frase não passou de um arroubo verbal como os que o presidente comete de vez em quando? Ou será que foi, como muita gente apostou que fosse, a expressão do desejo sincero de intervir na instituição e forçar Galípolo a uma administração tíbia como foi a de Alexandre Tombini no governo de Dilma Rousseff?

Derrota acachapante 

Todo mundo se recorda do desastre que foi a passagem de Tombini pelo cargo, mas aquilo aconteceu num tempo anterior à Lei Complementar 179, de fevereiro de 2021, que estabeleceu a independência do órgão em relação ao presidente da República. Naquela época, o presidente da instituição poderia ser demitido a qualquer momento e provavelmente foi o receio de perder o cargo que levou Tombini a ceder à pressão da presidente e promover reduções sucessivas na Selic — que caiu de 11,17% em janeiro de 2011 para 7,12% em janeiro de 2013 e, depois, voltou a subir diante do risco de perda definitiva de controle sobre a inflação.

A responsabilidade de Galípolo e a importância de sua missão está justamente aí. Caso ele consiga fazer uma administração capaz de mostrar ao mercado que suas decisões não são subordinadas ao desejo de Lula, ótimo. Do contrário, as pressões sobre ele se elevarão e talvez imponham ao Banco Central uma derrota acachapante justamente naquela que é sua principal missão.

E que missão é essa? Bem... “O Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços”, diz o artigo primeiro da lei que deu autonomia à instituição e quatro anos de estabilidade no emprego a seu presidente. “Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, diz o parágrafo primeiro.

Saúde monetária 

Na semana passada, ao sabor das declarações de Lula, o mercado deu uma demonstração do tipo de pressão que pode exercer sobre a autoridade monetária — e das providências que devem ser tomadas para lidar com esse tipo de pressão. Num movimento especulativo feroz, estimulado pela fragilidade das contas do governo, os investidores correram em busca de dólares como um bando de formigas em torno do açúcar derramado.  

Como sempre acontece nessas situações, a cotação foi às alturas. Na quinta-feira, o Dólar chegou a ser negociado a R$ 6,30. Depois recuou e fechou a R$ 6,14. O Banco Central atuou para evitar a disparada. Desde a quinta-feira da semana retrasada, dia 12 de dezembro, a instituição vendeu um total de US$ 20,7 bilhões das reservas cambiais do país. O aumento da oferta fez a cotação recuar e a moeda norte-americana terminou cotada em R$ 6,08.

Diante desse recuo, muita gente chegou a questionar a estratégia utilizada pelo BC para reagir ao movimento especulativo que tirava valor da moeda. Haveria a possibilidade de o agir antes para evitar o susto? Será que se Galípolo já estivesse no comando da instituição responsável pela saúde monetária do país, a reação teria sido mais célere?

Reputação do Real 

É aí que está o xis da questão . Embora a responsabilidade pela saúde monetária do país seja do Banco Central, as medidas capazes de evitar a explosão inflacionária não está em suas mãos, mas nas do governo. Aliás, foi justamente a timidez de Brasília em conter as despesas públicas no pacote de corte de gastos anunciado pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, somada à voracidade indecente de parlamentares que não medem esforços para gastar o dinheiro público da forma que bem entenderem e à eterna mania nacional de criar despesas públicas sem se preocupar com as receitas — para citar apenas três fatores recorrentes — que ameaçaram a reputação do Real e aumentaram a procura pelo dólar.

É nos momentos em que o poder de compra do Real se vê ameaçado pela irresponsabilidade fiscal do Estado brasileiro (e não apenas do governo) que os investidores buscam refúgio na moeda norte-americana. Atenção! Eles não fazem isso pelo simples prazer de especular contra a moeda brasileira. O que os move, muitas vezes, é a necessidade de garantir a própria sobrevivência.

O dólar é utilizado como um abrigo seguro para as empresas que têm compromissos internacionais de médio ou longo prazo nos momentos em que o risco de explosão inflacionária ameaça o poder de compra do Real. E mais: os fundos de investimento — que, neste momento, bancam a maioria dos projetos de infraestrutura responsáveis pelas boas taxas de crescimento da economia — também não podem correr o risco de ver seus recursos desmilinguírem e não serem capazes de bancar os compromissos que assumiram. Acusar quem compra dólares nessas circunstâncias de agir contra o Brasil é conspirar contra o próprio crescimento da economia.

Existem, obviamente, aqueles que se valem das flutuações do dólar para especular e obter lucros com os negócios de compra e venda da moeda — o que é absolutamente legítimo num mercado financeiro atuante e poderoso como é o brasileiro. Ou seja: há dezenas de explicações para o movimento frenético do câmbio na semana passada — mas entre elas, com toda certeza, não está aquela que a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, encontrou para tentar traduzir a alta. “Não há ‘ciência econômica’ nesta distorção de natureza essencialmente política que está na origem do ataque especulativo à moeda nacional. Nenhum ajuste vai saciar essa gente, porque seu objetivo é desestabilizar o governo”, disse ela.

A presidente nacional do PT disse esse despautério na resposta que deu ao jornal O Globo que, em editorial publicado na quinta-feira passada, criticou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por “adotar teses fantasiosas” em matéria de economia e o responsabilizou pela crise cambial da semana passada. É aí que está o problema: Lula e seu governo não são os únicos responsáveis pela crise — que também foi estimulada pela decisão do Federal Reserve, que é o Banco Central norte-americano, de reduzir em 0,25% a taxa de juros nos Estados Unidos.

Com o país mais poderoso do mundo pagando juros entre 4,25% e 4,5% ao ano por seus títulos, os especuladores internacionais preferem colocar seu dinheiro em títulos de países que pagam mais para rolar sua dívida. Esse, infelizmente, é o caso do Brasil.

Como se vê, a questão é complexa e a chegada de Galípolo servirá pelo menos para acalmar os ânimos e eliminar os ruídos que têm marcado a convivência do governo com o BC. Infelizmente, porém, isso não será suficiente e ele terá que contar com mais do que o apoio do presidente para resolver os problemas que poderá conduzir ao crescimento definitivo da economia. Tomara que acerte e saiba usar a independência do não para agradar ao governo, mas para ajudar o país a prosperar.

Esta é a última coluna de 2024. Faremos uma breve interrupção e voltaremos no dia 19 de janeiro. Desejamos um ótimo Natal e que, no Ano Novo, o país consiga prosperar num ambiente saudável e seguro!  

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