A pergunta estampada no título deste artigo é tão importante que não custa repeti-la: o que será do Brasil, que atravessou os últimos meses dividido entre os que apoiam o presidente Jair Bolsonaro e os que preferem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, daqui a uma semana? O que acontecerá depois que os votos do segundo turno da eleição estiverem apurados e o nome do presidente que governará o país pelos próximos quatro anos for conhecido? Haverá paz para que o eleito possa trabalhar ou a divisão que temos acompanhado ficará ainda mais acentuada?
O que, afinal, será deste país a partir do dia 31 de outubro de 2022? O vencedor (seja ele quem for) governará apenas para os que o elegeram ou voltará os olhos para todos os brasileiros? E o perdedor? Aceitará o resultado ou colocará em xeque os números que emergirem das urnas? Afinal, o eleito terá a capacidade e a habilidade de fazer o Brasil se unir em torno de seu governo ou dará continuidade ao clima de “nós contra eles” que marcou tanto as administrações petistas quanto a de Bolsonaro?
As respostas a essas perguntas, é claro, refletião o clima político do país, afetarão a economia e determinarão as respostas a dúvidas ainda mais profundas, que vêm incomodando a sociedade brasileira nos últimos anos. O pais conseguirá andar para a frente ou corre o risco de recuar? O nível de emprego seguirá em recuperação ou voltará aos índices preocupantes vistos na fase final do governo da ex-presidente Dilma Rousseff e, já sob Bolsonaro, nos momentos iniciais da pandemia da Covid-19? A inflação recuará e se manterá dentro da meta ou continuará corroendo a renda do trabalhador, como vem acontecendo nos últimos anos?
São, como se vê, dúvidas pertinentes e importantes, que dizem respeito à vida real das famílias e que sofrerão, é claro, a influência da decisão que o eleitor vier a tomar no interior da cabine de votação no próximo domingo. De um modo geral, o brasileiro vota influenciado pelo bolso. Tirando as minorias que se guiam por razões ideológicas, o eleitor mais sensato costuma dar seu voto àquela candidata ou àquele candidato que, num ambiente democrático, for mais convincente na hora de prometer emprego, alimentação, saúde e segurança.
À ESPERA DE 2026
O problema é que, à véspera da eleição que escolherá o próximo presidente da República e ao final de uma campanha marcada pela troca de acusações, pela ausência de propostas e pela falta de clareza sobre os projetos dos dois candidatos, o Brasil está cindido meio a meio. O resultado da última pesquisa Datafolha publicado na tarde de quarta-feira passada mostra Lula com 52% das intenções de voto e deixa Bolsonaro com 48%.
Outros levantamentos, como o do instituto paulista Brasmarket, por exemplo, mostram Bolsonaro com 52,7%, à frente de Lula, que tem 47,3%. No final das contas, porém, essas e outras pesquisas, com todas as suas imperfeições e seus méritos, mostram uma fotografia muito parecida da situação: o cenário aponta para o empate técnico.
No caso do Datafolha, levando-se em conta a margem de erro — que é de dois pontos para cima ou para baixo — o resultado é emblemático. Dois pontos a menos colocariam Lula com metade dos votos. Dois pontos a mais dariam a Bolsonaro os outros 50%. Isso significa que a disputa será acirrada e que, a menos que ao longo desta semana surja algum fato bombástico o suficiente para alterar o voto do eleitor para um lado ou para o outro, a decisão se dará no photochart, cabeça a cabeça. E esse cenário de disputa até os metros finais da raia ajuda a reforçar as dúvidas que rondam a cabeça do cidadão e, a apenas uma semana do pleito, torna impossível prever quem vencerá a eleição.
Pode dar Lula? Claro que sim! Bolsonaro pode ganhar? É evidente que pode. Tudo o que se prever, com os dados disponíveis neste momento, é um resultado tão ou até mais apertado do que o das eleições de 2014 — e a dúvida imediata que surge a partir dessa realidade diz respeito à capacidade do país resistir a esse clima de divisão à espera do novo duelo, marcado para 2026. Será que as pessoas comuns estão dispostas a esperar mais quatro anos para que a situação se acomode e todos possam finalmente pensar no futuro? Embora não haja pesquisas sobre isso, a resposta certamente é não.
As pessoas estão cansadas da discussão estéril que já durou mais tempo do que o necessário e que se arrasta na tentativa de provar que um dos extremos é melhor do que o outro — mas que nunca chega a uma conclusão capaz de por um ponto final à disputa.
MECANISMOS HETERODOXOS
Seja como for, resultados eleitorais apertados costumam ser um terreno fértil para que os resultados das urnas sejam questionados e a discussão se mantenha acalorada depois da contagem dos votos. Só para recordar, Dilma Rousseff teve no segundo turno da eleição de 2014 um total de 54,5 milhões de votos, ou 51,64% do total de votos válidos. Seu adversário Aécio Neves, teve 51 milhões, ou 48,36%.
A distância de apenas 3,5 milhões de votos foi o ponto de partida para que o clima de divisão se acentuasse e chegasse ao ponto em que chegou oito anos depois. Por que trazer os números do passado de volta a uma tentativa de se discutir o futuro? Muito simples.
A diferença exígua de votos entre Dilma e Aécio foi o ponto de partida para a deterioração do clima político no Brasil. A petista, que fez o que pôde e o que não pôde para vencer aquelas eleições, insistiu depois de reeleita no modelo de administração ideológico, equivocado e inepto que acabou abreviando seu mandato.
Em meio a uma crise fiscal de grandes proporções que ela mesma criou, Dilma recorreu a mecanismos heterodoxos para fechar suas contas e, sem apoio no Congresso Nacional, acabou sofrendo o impeachment. O desfecho da crise foi o pior possível: depois da queda, os petistas se puseram a atirar contra seu sucessor, o vice Michel Temer, as mesmas pedras que tinham quebrado a vidraça do governo Dilma.
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O clima se acirrou na medida em que a crise economia tornou-se mais profunda e a rejeição ao PT se alastrou. Foi nesse ambiente que Bolsonaro surgiu como azarão e, no final das contas, abriu no segundo turno uma vantagem superior a 10 milhões de votos sobre o petista Fernando Haddad.
Apenas para efeito de registro, Bolsonaro teve 57,8 milhões de votos, ou 55,1% dos eleitores no sendo turno. Haddad teve 47 milhões, ou 44,9% dos votos válidos em 2018.
ARMAS ENSARILHADAS
Recordar esses pontos e esses números é importante para que nunca nos esqueçamos do caminho que nos trouxe até aqui. Não é coincidência o fato de o Brasil ter iniciado em 2014, ano em que a reeleição de Dilma tornou expôs a fratura política que dividia o país, a caminhada que o levou à crise econômica que, a despeito dos sinais de melhora que houve em 2021 e 2022, se prolonga até hoje.
De 2014 a 2020, o PIB brasileiro acumulou uma queda de 6% — sendo que, em 2015 e 2016 nossa economia mergulhou na mais profunda e prolongada recessão de toda sua história. Entre as causas desse quadro incômodo estão justamente as decisões tomadas com os olhos voltados mais para os objetivos eleitorais de cada um dos lados ou que para os interesses do país como um todo.
No quadro atual, é comum vermos políticos que estão atualmente na oposição criticarem as mesmas medidas que defendiam quando estavam na situação. E políticos que hoje estão com o governo defenderem programas que criticavam quando estavam do outro lado.
É preciso afinar o diálogo em torno daquilo que realmente é importante. E fazer um esforço para que, dentro de um ambiente democrático, marcado por discussões de alto nível e respeitado por todas as instituições do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o país volte a crescer. Isso é para já. Como conseguir?
O Brasil precisa de reformas estruturais que conduzam à retomada do crescimento mas, no clima de divisão que se instalou, fica cada vez mais difícil construir o consenso necessário para levá-las adiante. No quadro de divisão a que chegamos, é preciso começar a trabalhar duro e assumir desde já um compromisso sincero para que a temperatura política comece a baixar a partir do dia 31 — ou seja, no day after das eleições. Seguir esse caminho exigirá desprendimento dos envolvidos.
Exigirá, também, que se busque um jeito de apressar a cicatrização das feridas já existiam e ficaram ainda mais abertas nessas eleições. No ponto em que chegamos, é preciso perceber que a busca do entendimento pós eleitoral chega a ser mais importante do que o resultado das urnas.
Entender os passos que nos empurraram para uma recessão profunda num momento em que a economia mundial experimentava o crescimento é obrigação de todos que têm um mínimo de compromisso com o futuro do país e com o bem-estar das novas gerações. Talvez tenhamos chegado, agora, ao ponto mais crítico e decisivo de nossa história. Em que pesem os esforços que as duas campanhas estão fazendo na reta final para vencer a disputa (o que é legítimo e previsto pelo jogo democrático), seria importante que os dois lados se comprometessem desde já não só a respeitar o resultado das urnas — mas a ensarilhar as armas para que a disputa não se prolongue mais do que o necessário.
No clima a que chegamos, é preciso cobrar serenidade não apenas dos que estão diretamente envolvidos na disputa, mas de todas as instituições. É preciso manter o equilíbrio e não tomar atitudes que aparentem preferência por qualquer um dos lados. Em outras palavras, todas as instituições precisam nesta semana decisiva agir de forma equilibrada, lembrando sempre de que, parafraseando o ditado sobre a honestidade da mulher de César, não é suficiente que se tomem decisões em nome da democracia. Todas as decisões precisam parecer que foram tomadas em nome da democracia e em benefício do Brasil.