Hora de ensarilhar as armas

Se o Brasil mantiver acesa a chama do confronto em torno da pandemia, logo os 300 mil mortos registrados na quarta-feira passada parecerão um número pequeno

Foto: Foto: Daniel Castelo Branco / Agência O Dia
Nuno Vasconcellos

Há duas maneiras de agir diante das mais de 300 mil mortes por covid-19 registradas no Brasil desde o ano passado. A primeira é considerar esse número um acidente e insistir no clima de confronto político visto até aqui em torno da pandemia. Agir assim significa continuar usando o mais grave problema de Saúde pública da história como uma desculpa para prosseguir num confronto político que jamais nos levou a lugar algum. Significa manter o clima de rinha entre os militantes mais extremados da esquerda e da direita, entre o “nós” e o “eles”, que só ajudou a tornar pior um cenário que já seria ruim sem essa ajuda.

A outra ação possível é se convencer de que não adianta procurar saber quem tem razão numa guerra que, se prosseguir como está, terminará com a derrota dos dois lados e da qual ninguém sairá vivo. É preciso procurar uma nova forma de agir! É preciso olhar com indignação para a quantidade assustadora de vítimas e passar a levar a sério as ações preventivas capazes de reduzir as taxas de contaminação. Do contrário, as 300 mil vidas que já se perderam logo parecerão um número pequeno.

É preciso, portanto, insistir no uso das máscaras, ter um tubo com álcool em gel sempre à mão e evitar todo e qualquer tipo de aglomeração. Ou seja, não basta cobrar que as autoridades, e apenas elas, tomem as providências capazes de debelar a pandemia. É preciso que cada um de nós faça o que estiver a seu alcance e contribua para manter a salvo o maior número possível de pessoas até que a vacinação em massa consiga por um ponto final nessa tragédia. E isso pode estar próximo.

Na sexta-feira passada, o Instituto Butantan, de São Paulo, encaminhou para a Anvisa o pedido de autorização para o início dos testes clínicos — ou seja, em humanos — da ButanVac. Trata-se de uma vacina totalmente desenvolvida no Brasil. Pela previsão oficial, se o processo andar de forma acelerada, a produção e a distribuição do imunizante pode ter início já no mês de maio. Dentro do instituto, porém, há quem acredite na possibilidade de dar início à produção ainda em abril.

REAÇÃO TARDIA

Na quarta-feira passada, no mesmo dia em que a marca trágica de 300 mil mortes foi alcançada, um evento no Palácio do Planalto, em Brasília, ofereceu a maior oportunidade que o país teve até agora para se chegar ao entendimento nacional em torno das formas de combate à pandemia. Ali, o presidente Jair Bolsonaro propôs reunir integrantes dos três poderes, além de representantes dos estados, num comitê encarregado de estabelecer as ações necessárias para combater o coronavírus.

A reação de Bolsonaro, evidentemente, é tardia e ninguém pode afirmar que essa mudança de ânimo é para valer. Mais de uma vez durante a pandemia, o presidente pareceu aceitar os protocolos de segurança para logo em seguida voltar a zombar dos defensores das medidas de isolamento e a surgir sem máscara em meio a apoiadores aglomerados.

O golpe que ele sofreu ao ter que abrir mão de Eduardo Pazuello, um ministro que jamais ousou contrariá-lo, parece ter sido mais profundo do que os anteriores. E tudo indica que, desta vez, sua intenção de passar a respeitar os protocolos recomendados pelos médicos e a tomar medidas concretas pela solução do problema deve ser levada a sério. Se aqueles que jogam nas costas do presidente toda responsabilidade pelo estado a que a pandemia chegou estiverem mesmo dispostos a resolver o problema (e não apenas a faturar com o eventual fracasso do governo), a hora é esta!

O melhor que todas as forças políticas do país têm a fazer é aproveitar a oportunidade aberta pela mudança de humor do presidente, pular para dentro do barco e começar a remar, todos numa mesma direção. Insisto: se o objetivo dos críticos de Bolsonaro é mesmo salvar vidas, o importante agora é baixar a bola, ensarilhar as armas e finalmente começar a traçar uma estratégia comum, viável e recomendada pela Medicina para nos livrar dessa situação.

Isso não significa perdoar nem eximir o presidente da responsabilidade pela comportamento que ele assumiu desde o primeiro momento da crise. Exigir que Bolsonaro se desculpe por ter insistido em considerar a covid-19 uma “gripezinha”; por ter chamado o corona de “vírus chinês”; ou por ter defendido a tal da cloroquina e o “tratamento precoce” como soluções para a doença é algo que pode ser deixado para depois. A hora, agora, é de fazermos uma aliança poderosa contra o vírus.

TRANSFERÊNCIA DA AGLOMERAÇÃO 

Ao invés de elevar o tom das críticas a Bolsonaro, o melhor a fazer neste momento é sugerir que outras autoridades abram mão de determinados interesses e evitem disputas que também podem ser deixadas para depois. A troca de farpas entre o governador Cláudio de Castro e o prefeito Eduardo Paes que se viu nos últimos dias é um bom exemplo de como não se deve agir neste momento. Todos devem ter mais calma nesta hora. Isso vale para todos. Inclusive para a própria imprensa que, ao insistir em apimentar as divergências entre os dois, acaba estimulando um debate que, neste momento, não é do interesse da população.

O melhor que o governador e o prefeito podem fazer agora é deixar os desentendimentos para mais adiante. E, a exemplo da proposta de Bolsonaro, liderar a criação de um grupo que defina uma política comum, a ser seguida pela capital e por todos os municípios fluminenses, entre Parati, no extremo Sul, e Porciúncula, no extremo Noroeste do Estado do Rio.

A falta dessa política comum está ameaçando entulhar de gente as cidades turísticas do litoral e da Região Serrana. Isso pode significar, em casos mais extremos, apenas a transferência dos locais de aglomeração e, portanto, de disseminação do vírus. É preciso que cada um de nós ponha a mão na consciência e se torne um defensor das medidas de isolamento.



Se não for impossível ficar em casa, que pelo menos não se dispense o uso das máscaras e do álcool em gel. Embora ainda haja problemas com a distribuição das vacinas, é provável que tudo será regularizado logo e que em abril e maio estejamos vendo a campanha de imunização evoluir num ritmo muito mais acelerado do que o atual. Até lá, o melhor a fazer é seguir as recomendações e evitar contrair a doença justo neste momento em que a solução está a caminho.

(Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)