A Tecnologia na Geopolítica: o Yin e o Yang

Avanços tecnológicos promovem aumentos na esperança média de vida, mas nos fazem viver em um equilíbrio de poder internacional cada vez mais frágil

Foto: Pixabay
Avanços tecnológicos trazem ganhos e prejuízos para a sociedade moderna

No mundo ocidental, em que parecemos profundamente entrincheirados numa cultura digital, quando falamos de novas tecnologias, do que é que estamos exatamente a falar? Achamos que tudo aquilo que esta à distância dos nossos dedos foi desenvolvido com a ambição de capitalizar numa experiência melhor para nós, usuários. Mas será que essas tecnologias foram mesmo desenvolvidas com esse intuito? A capacidade de velocidade do 5G reduzirá e possivelmente eliminará o atraso entre a instrução de um computador para executar um comando e sua execução. Ou seja, aumenta a possibilidade de carros sem condutor e cirurgias robóticas, contudo aumenta também a possibilidade de armas hiper-sónicas desenvolvidas pelos governos na corrida armamentista.

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A tecnologia funcionou ao longo da história como um acelerador, como se a cada dia estivéssemos mais perto daquele que era um longínquo futuro. Ao escrever isto não me consigo abstrair da imagem de Marty McFly acelerar a fundo no velho DeLorean de Dr. Emmet Brown. A questão subjacente é: melhorou a nossa qualidade de vida, certo? Quanto ao futuro não me serve de nada fazer previsões, mas também não preciso de ir muito longe para provar que hoje vivemos melhor do que viviam os nossos bisavós. O Yang: os avanços tecnológicos promoveram aumentos na esperança média de vida, aumentou o índice médio de qualidade de vida, e há quem diga que estamos mais perto que de nunca de erradicar a pobreza.

Mas nem todos os domínios foram afetados positivamente. A tecnologia tornou a guerra mais mortífera, mais rápida e próxima, desabou fronteiras reais e políticas, infiltrou-se na sociedade civil e militarizou-a, e viabilizou a criação de novos espaços de guerra. O Yin: vivemos num equilíbrio de poder internacional que parece cada vez mais frágil.

Todos temos presente (e em especial a CNN) aquela imagem de que o Sr.Trump pode a qualquer momento carregar no botão vermelho e em segundos apagar um continente inteiro. Depois dos escândalos de Eduard Snowden, da Cambridge Analytica e das campanhas de recrutamento online do Estado Islâmico, sabemos que somos vigiados, recrutados e militarizados através internet. Estamos mais perto dos nossos opressores que nunca, e no entanto, estamos mais longe da guerra convencional. O que eu estou a procurar dizer é que a guerra tem vindo ao longo do último século a afastar-se dos continentes Ocidentais. Quando na primeira metade do século XX travaram-se duas guerras mundiais em solo europeu, na segunda metade do século a guerra foi feita em terrenos alheios aos super poderes envolvidos. Mas parece que a guerra regressou ao Ocidente, desta vez no domínio do ciber espaço.

Insisto neste ponto porque estamos a viver um momento crítico na forma como se operam as  novas tecnologias, um ‘real game changer’ na segurança international e nas nossas vidas. A guerra cibernética entra dentro de casa, militariza o individuo e apropria-se da sua pegada digital. Ela é diferente de qualquer coisa antes vista e por isso requer novas respostas e um novo sistema de equilíbrio de poderes. A probabilidade de surgir uma crise como consequência das dinâmicas do sistema aumenta exponencialmente se for considerada num domínio que não é ainda regido por nenhuma ordem, aliança ou tratado. Daqui decorre que é absolutamente necessário elaborar uma nova teoria de dissuasão, e uma doutrina estratégica para que se proceda a uma forma de organização que equilibre os poderes do sistema. Este futuro ‘framework’ pode não acompanhar o ritmo dos desenvolvimentos tecnológicos mas servirá para nos educar pelo menos nas suas consequências.

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Até há pouco tempo as perceções americanas quanto à tecnologia chinesa tendiam a ser verdadeiramente desdenhosas. A tecnologia chinesa não representava uma ameaça competitiva muito menos uma ameaça à segurança internacional. Em 2014 a Harvard Business Review escrevia: “Why China can’t innovate.” Mas então o que é que aconteceu para que em tão pouco tempo evoluíssem para player number two?— Ou player number one, quem sabe. Para os líderes chineses este impulso tecnológico na verdade reflete um incentivo que remonta às origens da República Popular Chinesa. A ambição tecnológica junta os legados do Marxismo e do Maoísmo tendo sido sempre essencial como um meio para a supremacia económica e militar, mas também como um fim ideológico, reiterando a grandeza do regime. O governo popular Chinês tem guiado a evolução de estado para super potência com base nos seus interesses próprios. Estes são em grande maioria desconhecidos no Ocidente, o que forçosamente significa que quando compreendermos a estratégia chinesa já pode ser tarde demais. Quando questionado sobre o assunto, o Presidente Xi Jinping esclarece que o objetivo da tecnologia Chinesa é passar à frente dos americanos.

Hoje a China representa uma séria ameaça no domínio tecnológico , tem-se apresentado como um campeão, muitas vezes superior aos EUA, numa determinada área de cada vez. Primeiro apareceu como uma potência econômica, depois destacou-se na corrida tecnológica, e tem vindo recentemente a registar enormes investimentos na segurança. Ou seja, os EUA e a China já competem na economia, e na segurança mesmo tendo em conta os enormes investimentos chineses, hoje ainda estão longe de apanhar os EUA. Mas na tecnologia, o momento é agora. Nos últimos meses falou-se muito sobre os perigos do 5G ser operado pela Huawei. Sendo esta uma empresa controlada pelo estado chinês, foi acusada pelos EUA de representar um cavalo de Tróia, uma forma de penetrar os sistemas do Ocidente. Em maio deste ano o Departamento de Comércio dos EUA adicionou a Huawei à sua Lista de Entidades, mais conhecida como a ‘Lista Negra’ — de empresas que precisam de uma autorização especial porque são consideradas ameaças à segurança nacional. Seguindo o apelo de Donald Trump, a União Europeia publicou um relatório com o objetivo de fornecer recomendações aos Estados membros. Este afirma que existe um "forte vínculo" entre a Huawei e o seu governo "onde não há controles e contrapesos legislativos ou democráticos em vigor”, consequentemente deve ser considerado uma fonte de vulnerabilidade.

É realista, senão eminente, um cenário de ciber-guerra com a China, sim. Há duas razões fundamentais, uma de caráter ideológico e outra de caráter de realpolitik. No núcleo daquela que é a ideologia Chinesa de controlo autoritário e de expansão comercial está uma política que visa transformar as grandes empresas estatais em atores globais, com especial incisão nos mercados tecnológicos de alto valor como a inteligência artificial e a robótica. O controlo Chinês de setores estratégicos dos mercados globais é obviamente visto pelos EUA como uma ameaça, e está no centro da disputa comercial. Em segundo lugar é realista um cenário de ciber-guerra, porque em regra geral, nas relações entre estados, quando existe uma super potência — os EUA, e surge outra potência que ameaça o seu lugar na hierarquia, passa haver uma possibilidade de guerra. Henry Kissinger, ex-Secretário de Estado Americano, explica que estamos numa nova posição histórica, a tecnologia de armas desenvolveu-se de uma forma tão destrutiva e impiedosa que libertar estes recursos de ambos os lados teria um impacto igual ou maior àquele que destruiu a Europa há oitenta anos atrás.

Pode ser realista um cenário em que uma ciber-guerra não se expanda para outros domínios, desde que o panorama da relação Pequim-Washington mude. Neste momento a ordem internacional é definida por um conjunto de ameaças de ambos os lados, e por isso corre um maior risco de conflito. Deverá ser o objetivo dos dois líderes fazer regredir este padrão, encontrar ‘common ground’ e estabelecer limites com o objetivo de não entrar em conflito. Ou seja, os EUA afastar-se-iam de uma forma honrável de um cenário de conflito e impondo limites, procurariam restringir a  expansão ameaçadora da influência chinesa.

Quero acreditar que existe um viés em direção ao otimismo tecnológico , acredito que possamos estar no caminho mais acertado para traçar uma ordem internacional cada vez mais global e multipolar. Ainda assim, esta ordem não poderá existir no sentido global se não incluir a China, e no que toca a esse assunto, o líder do mundo livre parecer estar com alguma dificuldade.

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A tecnologia que passa de mão em mão nesta nova era deve ser determinante na erradicação da doença, da pobreza e da desigualdade. Entre vários casos de sucesso, o governo da India está a usar a tecnologia móvel para reinventar a relação estado-população empobrecida e combater a desigualdade. O governo passou a transferir subsídios diretamente para as contas bancárias das mulheres, de forma que os seus chefes de família não lhes pudessem retirar o dinheiro. Desde então 75 milhões de mulheres pobres puderam comprar os seus próprios fogões a gás (considerado um símbolo de independência) e desde 2015 o governo poupou 9 biliões de dólares em fraudes. Em grande parte o que vai desencadear estas políticas é o uso e o tratamento de dados. É crucial partilhar e desenvolver sistemas de dados para que os padrões negativos sejam eliminados e respostas realistas possam ser empregadas.

Esta nova era tecnológica necessitará de estadistas de alto calibre e de diplomatas que apliquem as suas políticas externas de forma coerente e sem fugir dos canais tradicionais do Estado. A tecnologia tem fraturado a forma clássica de fazer política o que tem produzido efeitos como: uma sociedade ser liderada por massas e a política ser reduzida apenas a uma série de slogans ou tweets que vivem da aprovação imediata a curto prazo. Assim acabo este exercício com um aviso que já é mais do que aplicável à realidade de hoje: é necessário refletir sobre estas armadilhas que a tecnologia tem vindo a empregar à política e às relações entre estados, e como nos devemos posicionar para responder aos seus desafios.