O ambiente já está tenso o suficiente para o presidente Jair Bolsonaro  criar uma crise política ao agir como se o inimigo 01 de seu governo fosse a imprensa . Mas não: ele não perde uma oportunidade de criticar os meios de comunicação , como se eles já não tivessem serventia num ambiente ocupado pelas redes sociais. Pelo menos uma vez por dia, ele para na saída do Palácio da Alvorada , recebe aplausos dos apoiadores, responde às perguntas dos jornalistas e acha uma maneira de — segundo um profissional que acompanha o Planalto desde o tempo dos militares —  “açular” os aliados que ficam o tempo todo fazendo “ameaças e admoestações” a quem está ali não porque gosta ou deixa de gostar do presidente, mas pelo compromisso profissional de dar voz ao governo .

Bolsonaro tem, sim, razões para se queixar de parte da imprensa, que não o poupa de críticas nem quando acerta. A impressão que se tem, diante de alguns casos, é a de que, se ele mencionar a lei da gravidade, logo surgirá um comentarista com ar de expert para explicar em detalhes que, ao contrário do que disse o presidente, é possível jogar um objeto para o alto sem que ele faça o caminho de volta. O problema é que Bolsonaro põe todos os jornalista numa mesma cesta e, ao fazer isso, acaba tratando como inimigos até mesmo aqueles que não o atacam só por ser quem ele é. É nessa hora que ele perde a razão.

 TIRO NO PÉ

Bolsonaro não perde uma oportunidade de criticar os governadores e de acusar alguns — especialmente João Doria , de São Paulo , e Wilson Witzel , do Rio de Janeiro — de tentar tirar proveito eleitoral da crise. Ao agir dessa maneira, ele até pode arrancar aplausos dos radicais que o apoiam desde a primeira hora. Mas para a grande maioria, acaba dando a impressão de ser ele, e não os opositores, que insiste em permanecer sobre o palanque . E assim, age como um daqueles comandantes que, ao ver os ventos da batalha se voltarem contra suas tropas, ordena que os soldados resistam. Mas que, caso precisem recuar, destruam as pontes, queimem as casas e não deixem nada para o inimigo. É a estratégia da terra arrasada, que não costuma surtir efeitos positivos na guerra, aplicada à política.

O presidente às vezes dá a impressão de que, como as birutas dos aeroportos, se movimenta ao sabor da direção do vento. Quando dá ouvidos aos assessores mais sensatos, como os generais Braga Netto , ministro chefe da Casa Civil , e Augusto Heleno , chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, adota um tom conciliador e propõe a união de todos para combater um inimigo invisível e poderoso. Quando explica o que deseja ao ministro da Economia Paulo Guedes recebe de volta projetos consistentes que, transformados em leis, são eficazes para resolver problemas.

Bolsonaro nada perderia se evitasse confrontos com os auxiliares que encarnam o que seu governo tem de melhor, assim como deveria se espelhar nas atitudes discretas de seu filho mais velho, Flávio . Em sua atuação como, o Zero Um de Bolsonaro tem agido para levar soluções para o governo — e não para criar dificuldades para o pai. O ideal teria sido manter o tom que adotou no pronunciamento da noite 31 de março, quando propôs que todos se unissem para a solução dos problemas. O problema surge quando ele dá ouvidos ao tal “ Gabinete do Ódio ”, comandado por seu filho Carlos . Nessa hora, dá tiros no próprio pé e fala mal até daqueles que estão de seu lado e dão credibilidade a seu governo.

LEI ÁUREA

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Foi o que o presidente fez na noite do dia 2 de abril, em entrevista ao jornalista Augusto Nunes, da rádio Jovem Pan, de São Paulo. Bolsonaro acusou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta , que ganhou prestígio pela correção técnica com que vem conduzindo as ações de combate ao vírus, de pecar pela falta de humildade. “Não pretendo demiti-lo no meio de uma guerra, mas em algum momento, ele extrapolou”.

Além de falar mal de um dos ministros que se destacam pela eficiência, Bolsonaro insiste em considerar “exageradas” algumas medidas adotadas pelos governadores e prefeitos que defendem o isolamento voluntário. Dois dias depois de ter acenado para eles com a bandeira branca, voltou a desafiá-los. E, ao fazer isso, ainda declarou que pode mandar abrir o comércio à força — o que numa democracia, convenhamos, está acima das possibilidades de qualquer presidente.

Obrigar alguém a executar um trabalho que não deseja é uma prática que se tornou ilegal no Brasil no dia 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea . Trabalhar passou a ser, desde então, um direito que, neste momento, os brasileiros anseiam por voltar a exercer, desde que estejam livres da ameaça de um inimigo sorrateiro e letal. E todos, menos os militantes que acham bonito se aglomerar sem máscaras e sem qualquer tipo de cuidado diante do presidente, parecem entender que por enquanto é necessário ficar alguns dias em casa para se proteger do vírus.

MANIFESTAÇÕES DE SINCERIDADE

A ciclotimia de Bolsonaro acaba por dar força a seus adversários sem que eles precisam mover uma palha para atacá-lo. E por conferir prestígio a políticos que fazem muito menos do que seu governo para combater os efeitos da crise. A lentidão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia , em tomar as providências capazes de agilizar a liberação dos recursos para ajuda aos mais vulneráveis foi espantosa. A defesa que ele e o presidente do Senado, David Alcolumbre , fizeram de Mandetta depois das críticas de Bolsonaro soaram mais como uma provocação ao presidente do que como apoio ao ministro.

A moleza de Maia parece proposital. Mas basta que ele diga meia dúzia de palavras e jogue a culpa de sua própria inércia para o lado do governo para que passe a ter razão. A falta de agilidade do Senado, da mesma forma, em nada tem ajudado ao combate das consequências econômicas e fiscais da paralisia que a pandemia impôs ao mercado. Mas, no final das contas, a impressão que fica é a de que Bolsonaro é o único culpado por tudo que há de errado no país. O que, evidentemente, não é verdade.

Ainda há tempo de Bolsonaro se convencer de que o destino de seu governo está atrelado ao que acontecer nos próximos meses. Se ele errar, pode conseguir uma façanha que, um ano atrás, parecia impossível a qualquer pessoa com um mínimo de capacidade de raciocínio: chefiar um governo mais atrapalhado e incompetente do que o da petista Dilma Rousseff. O que menos interessa neste momento é o nome do presidente que comandará o Brasil depois de 2022. O que o país espera de seus líderes e dos Três Poderes da República são ações que ajudem a tornar menos penosa a travessia de uma borrasca que está apenas no início.

Numa hora como essa, Bolsonaro lucraria mais se investisse o capital de que dispõe — e  que ainda é grande — para apontar o norte que ajudará o país a se livrar da crise. O problema é que, depois de tantas mudanças de ideia, o presidente terá que passar a dar demonstrações eloquentes de coerência para ter sucesso nessa empreitada. Nenhum governo sobrevive sem aliados fora de suas fileiras — e Bolsonaro precisa atrai-los, não espantá-los. Num cenário como esse, convenhamos, açular apoiadores contra jornalistas só contribui para piorar sua própria situação. Ainda há tempo de uma mudança que surta resultados positivos.

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