Antonio Minhoto

“Saidinhas”, Sociedade e Direitos Humanos – Parte 1

O tema é de tal modo polêmico, que o abordaremos em dois textos

Foto: Redação GPS
“Saidinhas”, Sociedade e Direitos Humanos – Parte 1


Para quem quiser acessar mais material meu e de outros pesquisadores, deixo aqui o  link do Instituto Convicção, do qual faço parte.

O sistema judiciário brasileiro permitia aos presos em regime semi-aberto sair do sistema prisional por alguns dias em datas comemorativas, devendo retornar ao final do período. O tema é de tal modo polêmico, que o abordaremos em dois textos, em sequência, partes 1 e 2.

Esse cenário legal mudou e colocou o instituto em foco no centro de um recente embate entre executivo e legislativo. A lei 14843/2024 alterou a chamada Lei de Execução Penal (7210/1984) e o fez para restringir a “saidinha”. Única possibilidade de saída temporária para esses criminosos agora é a “frequência a curso profissionalizante ou de instrução de ensino médio ou superior” (Art. 122, II e § 3°, Lei 7210/1984). As saídas para “visita à família" ou “participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social” não existem mais.

O executivo tentou vetar as alterações. Em sua  mensagem de veto, o Presidente Lula argumentou que “a proposta de revogação do direito à visita familiar (...) restringiria o direito do apenado ao convívio familiar, de modo a ocasionar o enfraquecimento dos laços afetivo-familiares que já são afetados pela própria situação de aprisionamento”. O veto de Lula, contudo,  foi derrubado pelo Congresso.

Qual o objetivo de uma pena no âmbito do direito criminal? Objetivamente, a pena visa retribuir o mal causado, prevenir a prática de outros crimes (ou mesmo da reincidência) e ressocializar o condenado.

Ocorre que a aplicação de uma pena de prisão (restritiva de liberdade) não retira do criminoso somente a sua liberdade, mas outros direitos correlatos e um deles é justamente o enfraquecimento de seus laços familiares.

Pode-se afirmar, assim, que o criminoso sabe, ou deveria saber, que sua conduta criminosa o levará a, por exemplo, não acompanhar o crescimento de seus filhos ou a um convívio regular com seus pais, marido/esposa, irmãos, parentes, amigos, assim como o impedirá de viajar a lugares variados. Isso é consequência direta da pena que retira do condenado a sua liberdade.

Um outro aspecto se volta ao crime em si. Quem comete crimes causa um mal, maior ou menor, a alguém, sua vítima. Essa conduta criminosa pode deixar sequelas das quais a vítima só conseguirá superar, por vezes, com muito esforço. E, para além da vítima, o criminoso também ofende a sociedade com a sua conduta.

Ingressando nas estatísticas, na média, 5% dos beneficiados com as “saidinhas” não retornam. Mas há locais em que esse percentual é maior.  No RJ, o percentual de não retornantes só cresceu: 15% (2019); 16% (2020) e 40% (2021). Além de não retornarem, praticam novos crimes.

Em janeiro de 2024, em Belo Horizonte, o sargento Roger Dias, de 29 anos, faleceu ao entrar em confronto com um criminoso em situação de saída temporária de fim de ano, e que havia roubado um veículo. O preso, portanto, não regressou à prisão, roubou um veículo e matou um policial. A taxa de ressocialização no caso foi zero. E mais uma vítima fatal para as estatísticas foi produzida.