Num passado recente, ninguém sabia a composição do Supremo, mas sabia-se a escalação da seleção brasileira de futebol. Hoje, ou há algum tempo, essa lógica se inverteu por completo. A nova “paixão” nacional é o mais alto tribunal do país. Isso é bom ou ruim? Vejamos.
Em qualquer país do mundo com um judiciário organizado e independente, a Suprema Corte basicamente garante a observância da Constituição. Uma sociedade é um somatório de interesses, grupos, projetos, anseios, sonhos, e a concretização de tudo isso passa muito pelo universo jurídico, pelas leis, pelos julgamentos e pela Constituição, que está no ápice do sistema político-legal. Assim, zelar pela observância da Constituição pode parecer pouco para alguns, mas na prática é muito.
Justamente por essa complexidade social é que a organização política de um país deve ser feita de modo a preservar as funções e responsabilidades de cada atividade pública. Em suma: "cada macaco no seu galho". Ao legislativo cabe fazer as leis, ao executivo implementar políticas públicas e ao judiciário julgar. E quem julga, deve ser isento.
Usando do imaginário futebolístico do nosso povo, o Judiciário seria equivalente ao árbitro de uma partida de futebol: garante a observância das regras e pune eventuais transgressões. E o STF, neste contexto, é o "super-árbitro", a última palavra.
Dá para imaginar um árbitro marcando um pênalti e, ao mesmo tempo, fazendo a cobrança, chutando pro gol? É algo que soa absurdo. E é mesmo. Mas o nosso STF, vez ou outra, parece querer se envolver nas mais variadas questões não apenas como árbitro, porém também como quem joga, disputa, reclama, ameaça, até pede o apoio da torcida...
Num passado recente, tivemos um embate entre o bilionário Elon Musk e o ministro do STF, Alexandre de Moraes. Se Musk tem negócios no Brasil, esses negócios estão submetidos às leis brasileiras, mas, é totalmente inadequado que um ministro de Suprema Corte polemize e ameace tomar medidas de força contra o tal empresário, abandonando a posição de árbitro para se transmutar em outra coisa.
O ministro Moraes está ainda à frente de um inquérito cujo objeto seria apurar a atuação de certas "milícias digitais" (Inq 4874), e ali inseriu Musk como investigado. Parece reprisar práticas observadas em outro inquérito (4781), dedicado a investigar as "fakenews", apelidado de "inquérito do fim do mundo", pelo ex-Ministro do STF, Marco Aurélio Mello, porque não tinha nem investigados e nem fatos determinados.
Os jogadores que disputam uma partida de futebol saem suados, cansados, sujos, desgastados pelo enfrentamento ocorrido em campo. Quando o árbitro deixa de ser árbitro e se dispõe a ser também jogador, enfrentará as mesmas atribulações da disputa, do jogo.
A diferença é que quando isso envolve o STF, sai desgastada a própria atividade do judiciário, mais ainda quando envolve o seu órgão de cúpula. É bem o caso de se lembrar aqui que "menos é mais", algo perfeitamente conhecido pelos ministros do STF.