“Todos têm direito à sua própria opinião, mas não aos seus próprios fatos.” - Daniel Patrick Moynihan
Sociedades de diferentes culturas sustentam crenças que, sob escrutínio científico, não encontram respaldo empírico. Além do suposto efeito preventivo da vitamina C contra resfriados e da alegada influência da Lua cheia sobre o comportamento humano, podem-se mencionar: a ideia de que ler com pouca luz prejudica permanentemente a visão, o mito de que um chiclete engolido permanece sete anos no estômago, a noção de que o ser humano usa apenas 10% do cérebro, ou ainda a crença de que alimentos geneticamente modificados são inerentemente perigosos ao organismo. Pesquisas revisadas por pares, desenvolvidas por instituições renomadas e repetidas em diferentes contextos, já demonstraram que essas concepções carecem de evidências sólidas, resistindo no imaginário coletivo muito mais por repetição cultural do que por fatos demonstráveis.
Governança e políticas públicas sofrem dos mesmos tipos de males, na medida em que muitas decisões são tomadas com base em pressupostos infundados, interesses de curto prazo ou dados mal interpretados. Sejam iniciativas que negligenciam análises empíricas para aferir a eficácia de programas sociais, insistência em modelos econômicos ultrapassados sem fundamentação no estado atual do conhecimento, ou mesmo a elaboração de leis baseadas em percepções distorcidas da realidade, tais práticas reforçam um círculo vicioso que limita a inovação, compromete resultados e, em última instância, impede o pleno desenvolvimento de sociedades que precisam não apenas de melhores soluções, mas de uma cultura que valorize a evidência, o rigor analítico e a verificação sistemática de premissas.
Exemplos práticos transbordam. A “Guerra às Drogas”, por exemplo, persiste em diversos países, apesar do acúmulo de dados que sinalizam seu colossal fracasso. Nos Estados Unidos, o número de presos aumentou em mais de 500% desde o início da campanha nos anos 1970, chegando a aproximadamente 2,3 milhões de indivíduos encarcerados, sendo grande parte destes por delitos não violentos relacionados a entorpecentes (The Sentencing Project, 2021). Ao mesmo tempo, o mercado ilícito de drogas continua movimentando cifras globais estimadas em mais de US$ 320 bilhões anualmente, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC, World Drug Report, 2022). Mas, afinal, quem precisa de evidências empíricas, análises de custo-benefício ou revisões sistemáticas quando slogans vazios, histeria moral e um verniz de “dureza” política rendem manchetes instantâneas?
Melhor ainda: consideremos as políticas ambientais que ignoram completamente os alertas da comunidade científica e tratam a sustentabilidade como um adereço de marketing, como se a devastação de florestas e a contaminação de rios pudessem ser resolvidas com discursos bonitos e selfies sorridentes em eventos internacionais.
Enquanto o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2021,) alerta que a temperatura média global já subiu cerca de 1,1 °C desde a era pré-industrial e projeta impactos cada vez mais severos sobre ecossistemas, agricultura e assentamentos humanos, inúmeros governos e empresas preferem discursos genéricos a ações concretas. Florestas continuam sendo devastadas — apenas em 2020, a perda de cobertura da floresta tropical chegou a milhões de hectares, segundo o World Resources Institute — e rios seguem contaminados por rejeitos industriais, enquanto promessas vagas são exibidas como soluções milagrosas. Mas de novo: qual a importância de metas mensuráveis e a redução real de emissões de co2 quando marqueteiros bem pagos trocam trocam rigor científico por cochichos diplomáticos vazios?
Isso me leva a acreditar na importância da separação entre quem determina a forma de medição e, principalmente, as metas de curto a longo prazo - que vamos chamar de “Board” (Conselho em Inglês), e o órgão executivo responsável por tomar ações concretas que nos leve em direção à meta. Aqui não tem nada de novo - empresas abertas na bolsa de valores estão acostumadas com este modelo.
Porém, fugimos do debate na governança pública. Algum Presidente da República, Governador ou Prefeito foi destituído de seu cargo, e afastado da vida política por não atingir metas? Obviamente, este tema jamais estará em pauta se depender deles, ora que isso modifica por completo seu ofício.
As normas legais não deveriam ser redigidas sem a prévia definição de indicadores claros a serem influenciados, incluindo as metas quantitativas, o horizonte temporal de alcance dos objetivos e a identificação de eventuais efeitos colaterais sobre outras variáveis.
Além disso, é crucial estabelecer a tolerância a possíveis externalidades negativas, bem como a metodologia de avaliação contínua da eficácia da lei, levando em conta a necessidade de isolar variáveis externas que possam distorcer os resultados, gerando falsos positivos ou negativos. Não menos importante é a previsão de cenários que justifiquem a suspensão da norma em caso de ineficácia comprovada.
Para ilustrar, considere uma política econômica adotada com o objetivo de conter a inflação: todas as medidas destinadas a estabilizar o índice de preços foram implementadas, porém, um aumento abrupto das taxas de juros nos Estados Unidos desvalorizou a moeda local, encarecendo as importações e, consequentemente, gerando novas pressões inflacionárias. Nesse contexto, a análise dos dados e a revisão dos indicadores tornam-se fundamentais para ajustar a estratégia, garantindo que a política não seja condenada ao fracasso por fatores externos não previstos.
Não me iludo quanto à ausência de condições atuais para implementar transformações dessa magnitude. Mas acredito na estratégia que a PRIME Society, instituição sem fins lucrativos, quer criar. O modelo consiste em disponibilizar todos os padrões, sistemas e códigos abertos, de modo que, ao longo dos próximos 100 anos, uma eventual liderança política — ainda que considerada “fora da curva”, como um Trump nos Estados Unidos ou um Milei na Argentina — possa adotar e viabilizar as reformas constitucionais e institucionais necessárias. Dessa forma, a governança passaria a ser orientada por critérios científicos, dedicando-se realmente a melhorar a qualidade de vida da população e a tornar os cidadãos orgulhosos da sociedade em que vivem.