" A oportunidade é perdida pela maioria das pessoas porque está vestida de macacão e parece trabalho." Thomas Edison
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a jornada máxima de trabalho de 44 para 36 horas semanais recebeu no último dia 13, o número necessário de assinaturas para ser protocolada na Câmara dos Deputados. Essa PEC demonstra por que o sistema de governança definido pela Constituição deve ser urgentemente substituído.
Não vejo nada de errado no mérito que tange o debate sobre o tema. Não é aí que se esconde o problema. Há alguns meses venho trabalhando na criação da ONG Prime Society - Create your own, que visa redefinir modelos de governança e estruturas sociais para enfrentar os desafios modernos, incluindo crises ambientais, desinformação, pobreza e responsabilidade na governança.
PRIME, que significa Propósito, Resultado, Inovação, Mensuração e Empírico, é a base do framework que deve ser usado para sustentar decisões dos líderes da sociedade, como o executivo, legislativo e judicial - neste caso, o congresso. Vamos analisar a proposta do ponto de vista do modelo PRIME.
Comecemos pelo propósito: qual é o objetivo dessa lei? Por não conhecer a autora da PEC, vamos dar-lhe o benefício da dúvida e presumir que suas intenções são as melhores. Assim, supõe-se que um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho vai melhorar a qualidade de vida da população. Espera-se uma sociedade mais feliz, que poderá dedicar mais atenção à família e a causas de importância social, e, quem sabe, com mais tempo para ser voluntária em trabalhos comunitários.
Resultado: Uma boa lei é aquela cuja intenção é compatível com seus resultados. Ou seja, o intuito almejado pelo autor é atingido. Remédios são medidos por sua eficácia e perigo antes de serem liberados para a população em geral. Leis, por sua vez, têm um potencial bélico pior do que a maioria dos remédios; então precisamos, no mínimo, adotar os mesmos critérios.
Considere que, com a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, produtos e serviços importados de países com maior competitividade laboral possam se tornar mais atraentes para o mercado interno, levando a um aumento nas taxas de desemprego. Em vez de promover uma melhoria na qualidade de vida, essa mudança poderia, paradoxalmente, intensificar a vulnerabilidade econômica de muitos trabalhadores. Além disso, a redução da jornada poderia comprometer a competitividade de nossas exportações, elevando o custo unitário de produção e dificultando a entrada de produtos brasileiros em mercados internacionais. Isso resultaria em uma menor demanda externa, impactando negativamente nossa balança comercial e contribuindo para uma desaceleração econômica. Cabe então a reflexão: o benefício a curto prazo para alguns trabalhadores compensa o impacto econômico e o potencial sofrimento para muitos outros?
Inovação: Uma mudança dessa natureza pode acelerar a pressão pela adoção de novas tecnologias. No entanto, dependendo do desenrolar dos acontecimentos, é possível que essa adoção acelerada resulte em demissões em massa, sem tempo suficiente para treinar e realocar essa nova geração de desempregados. Você acredita que a lei prevê essa circunstância e possui medidas preventivas e corretivas para neutralizar os efeitos colaterais?
Mensuração: Se a lei visa melhorar a vida da população, precisamos perguntar: como iremos medir efetivamente se houve uma melhoria na qualidade de vida do maior número de pessoas? Como calculamos o efeito líquido dessa melhoria, ou seja, a magnitude dos benefícios para aqueles que se sentiram favorecidos, subtraída pela magnitude dos prejuízos para aqueles que se sentiram prejudicados? Ora, na ausência de uma forma concreta e objetiva de medição, não podemos saber se a lei é boa ou ruim. Nesse caso, não seria ela arriscada?
Empírico: Existem duas perspectivas empíricas fundamentais a serem consideradas. A primeira é avaliar o que de fato ocorreu em outros países, estados ou cidades que adotaram modelos similares de redução da jornada de trabalho. Se houver exemplos, é essencial citá-los. O que dizem os estudos científicos sobre o tema? Não queremos repetir erros do passado; afinal, errar é humano, mas persistir nos mesmos erros é negligência pura.
Por exemplo, na França, a jornada de trabalho foi reduzida para 35 horas semanais no ano 2000 com a implementação das leis Aubry. Estudos sobre essa mudança apresentaram resultados mistos: alguns apontaram para a criação de empregos e melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores, enquanto outros destacaram o aumento dos custos para os empregadores e questionaram a eficácia da medida na redução do desemprego a longo prazo.
A segunda perspectiva é a do experimento. Se essa lei é tão benéfica, por que não avaliá-la empiricamente? Podemos começar selecionando aleatoriamente um grupo de cidades dispostas a adotar a medida voluntariamente, enquanto outras cidades permanecem sem mudanças e servem como grupo de controle. O projeto seria executado por um período pré-definido (por exemplo 5 ou 10 anos), com resultados medidos ao final.
Com base nesses dados, podemos avançar para testes em nível estadual e, uma vez confirmado o benefício, implementar a política em âmbito federal. Ou seja, não devemos começar pela federação sem a confirmação dos benefícios. E, caso a política se revele um fracasso factual, teremos evitado impactos negativos na vida de milhões de pessoas.
Não seria mais prudente ter em mãos dados cientificamente comprovados antes de gerar um debate social desta magnitude com efeitos diretos e indiretos em quase 220 milhões de pessoas e milhões de outras que nascem todos os anos? Com tantos assuntos urgentes, como a falta de segurança pública, corrupção e excesso de gastos governamentais, além de muitos outros, é prudente aceitar um sistema de governança federal que permite experimentar com nossas vidas sem o menor dos cuidados?