Vendo o Brasil completamente sem rumo, costumo dizer que o momento é de a vaca não reconhecer o bezerro
Arte/Paulo Márcio
Vendo o Brasil completamente sem rumo, costumo dizer que o momento é de a vaca não reconhecer o bezerro


Quando eu era menino pequeno, lá em Patos de Minas, minhas férias eram na roça. Uma doce lembrança que me acompanha era a de acordar de madrugada para tirar leite das vacas. Na noite anterior, os bezerros eram separados delas e o leite quase explodia os ubres. Coisa de fazenda simples, sem tecnologia. Havia um quê de cruel. De manhã cedinho, quando abríamos o curral e deixávamos entrar os bezerros, aos poucos, era uma sinfonia de lamentos por parte das vacas e dos bezerros. Triste e bonito. Os bezerros entravam enlouquecidos à procura da mãe e o berro sofrido da vaca era como um guia. O bezerrinho vinha, aos trancos e barrancos, procurar o peito cheio para amamentar. Ele dava o primeiro gole e tinha a sua carinha amarrada no pé da vaca, após fazer o leite “descer”, e só mamava plenamente depois de tirado o leite por nós e pelo peão. 

A vida na roça tem muito de cruel. Mas a vaca nunca errava seu bezerro. Hoje, vendo o Brasil completamente sem rumo e com uma incrível insegurança, costumo dizer que o momento é de a vaca não reconhecer o bezerro. Nesse momento de indefinição política, eu, que sou só um observador preocupado, percebo a falta que a política faz no país. 

Um dos fundamentos para o crescimento da extrema direita no mundo e, por óbvio, aqui, foi a estratégia de convencimento das pessoas de que a política é um mal para o país. A pretexto de afirmarem que ela é suja e porca, os radicais de direita fazem política o tempo todo. Sob o argumento de que não devem fazer política, têm como procedimento exatamente fazê-la. Na época mais extrema do exercício do fascismo bolsonarista, a tática era uma verdadeira lavagem cerebral.

O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay
Reprodução
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay

Ainda hoje, existem dezenas de presos na Papuda - cumprindo penas de 12 a 17 anos - acreditando que não faziam política e que não estavam sendo usados como objetos para um golpe de Estado. Continuam a idolatrar o ideário golpista e fascista e, talvez, só se darão por mais contemplados quando o líder deles, Bolsonaro, chegar glorioso à penitenciária.

Após condenação com trânsito em julgado, é bom ressaltar, os generais, capitães, coronéis, ex-deputados e senadores terão tempo e espaço para conviver na Papuda com aqueles que já estão detidos e foram submetidos a uma lavagem cerebral da não política. E as penas, por conta da gravidade dos delitos, estarão entre os 17 anos, dos que já estão sentenciados, e os 25 anos, dos líderes. Um drama real. Talvez, agora, este Congresso direitista, que sempre desprezou os direitos dos presos, preocupe-se em melhorar as condições carcerárias. Os defensores dos direitos humanos agradecem. Parece que “bandido bom” deixou de ser “bandido morto”. A conferir.

Mas é importante voltar a ter, na política, o foco de estabilidade. Nos últimos tempos, nossas discussões mais sérias têm sido resolvidas, ou começam a ser resolvidas, por decisões do Judiciário. Como sabemos, ele é um poder inerte que só age se provocado. Porém, sendo provocado, em regra por partidos políticos, não pode se omitir. Tem que decidir. E, muitas vezes, mandar cumprir a Constituição tem um efeito devastador para quem esqueceu que a política pressupõe cumprimento de regras constitucionais. Esse é o novo embate que se estabeleceu no momento democrático que se insinua.

Eu fiquei preocupado quando o ministro Flávio Dino foi para o Supremo Tribunal. Pensei que o Executivo tinha perdido um grande quadro que faltaria à nação. Mas vejo que ele representa bem a Democracia no Poder Judiciário. Com vivência nos 3 Poderes e sua inegável coragem cívica, talvez a gente volte a pensar que a política é a única forma de fortalecer a Democracia. Sem precisar bater tanto às portas do Supremo Tribunal, porém, cumprindo as decisões da Corte quando a ela recorrermos. Não tem outra saída. É assim que nos ensina a velha e boa política. 

 Lembrando-nos do grande Octavio Paz: “Sem liberdade, a democracia é um despotismo, sem democracia a liberdade é uma quimera”. 

Antônio Carlos de Almeida Castro, kakay

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG

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