Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

OAB pede a palavra! Será?

“Uso a palavra para compor meus silêncios.” Manoel de Barros

Foto: Eugênio Novaes e Raul Spinassé/OAB
OAB pede a palavra! Será?


Na vida de advogado criminal, leito natural de toda a minha história no direito, teve um advogado que foi e é uma luz para mim. Com rara competência e extraordinária coerência, é um mestre permanente na construção de um processo penal democrático e um defensor intransigente da ética, dos direitos humanos e dos menos favorecidos. Um tribuno tão excepcional que um dia, após uma sustentação no Supremo Tribunal, ouviu de uma ministra: “Ao vê-lo falar, dá até vontade de cometer um crime para ser defendido pelo senhor” .

Lembro-me de ele contar que, durante a Ditadura militar, recebia os exilados políticos no Café de Flore, em Paris. Hospedava-se no Hotel Crystal, na Rue Saint-Benoît, ao lado do Flore, e fazia daquele lugar o seu escritório. Anos depois, comprei um apartamento ao lado do mítico Café, com a varanda debruçada sobre suas mesas, e notei que, na entrada interior do prédio, tinham várias placas “avocatà lacour” . Em homenagem a ele, mandei fazer a minha: “Avocatau Flore” .  O síndico, como bom francês, enviou uma correspondência para eu me explicar. Simples. Só respondi que todos os dias, estando em Paris, sento-me no Café de Flore para escrever, ler e estudar. Como que dividindo a mesa com meu mestre José Carlos Dias.


A advocacia, com seus milhares de advogados, vai ficando cada vez mais difícil. Não é incomum encontrar colegas que, embora, claramente, não dominem absolutamente nada do Direito, representem grandes casos e com amplo trânsito nos principais tribunais do país. Recordo-me sempre de uma pergunta que fiz ao ministro Evandro Lins, com quem tive a honra de dividir uma causa quando ele já estava avançado na idade: “Ministro, que conselho de leitura o senhor daria para uma estagiária?” ; o mestre não pensou muito: “Leia os clássicos, leia romance, leia muita poesia, leia ficção, contos, jornais. Se sobrar tempo, leia direito” . Que falta fazem esses grandes advogados. Alguns que andam por aí não conhecem nem Direito, muito menos literatura.

Faço essas reflexões pois agora, dia 17 de março, a Operação Lava Jato completa 10 anos. Desde 2014, sou um crítico dos abusos dessa midiática e política investigação. Corri o Brasil em palestras, debates em programas de televisão e de rádio, assim como escrevi centenas de artigos para denunciar os excessos da República de Curitiba. Seus líderes, Moro e Deltan, bem como seus procuradores amestrados, instrumentalizaram o Judiciário e o Ministério Público em nome de um projeto de poder. Foram responsáveis diretos pelo governo fascista do Bolsonaro ao prenderem, injusta e ilegalmente, o Lula para tirá-lo das eleições. Ressalte-se que, à época, ele estava em primeiro lugar nas pesquisas.

Com o passar dos tempos, e com muito custo, a verdade tem vindo à tona. Hoje, essa Operação está desmoralizada. De heróis midiáticos - verdadeiros semideuses criados artificialmente pela grande mídia -, os principais atores passaram a ser expostos como realmente são. Malandros, dinheiristas, indigentes intelectuais e sem escrúpulos. Um grupo que não teve dúvidas em se locupletar do Poder Judiciário, quebrando parte da indústria nacional, representando grupos estrangeiros e a serviço da extrema direita bolsonarista.

Com o desnudamento dos inúmeros crimes e abusos cometidos, alguma responsabilização começa a aparecer. Deltan já teve seu mandato de deputado cassado. Moro aguarda perder o de senador. E a senadora que se intitulava o “Moro de saia” já o perdeu há muito. Juízes lavajatistas importantes estão afastados e na expectativa da análise do Conselho Nacional de Justiça. Nos corredores, há uma forte impressão de que, logo, os processos criminais tomarão corpo contra esse bando.

A cada dia, novos esqueletos são retirados do armário da 13ª Vara Federal de Curitiba e de outras cidades. Ainda há muito o que emergir, mas alguns procuradores e magistrados já não dormem, já que sabem o que fizeram nos verões passados.

Porém, algo continua a intrigar. E os advogados que foram cúmplices dessa turma? E aqueles que aceitaram ser linhas auxiliares do juiz e do Ministério Público, especialmente nas delações? Lembro-me de certo cliente me procurar, no auge da Lava Jato, para pedir desculpas, pois um membro do Ministério Público tinha exigido que ele me destituísse como advogado e aceitasse outro patrono indicado por eles! Acordos vergonhosos e criminosos que visavam atingir inimigos políticos escolhidos a dedos e proteger o grupo que interessava à República de Curitiba. Prisões alongadas para obrigar as delações, tudo com a doce supervisão de parceiros que se dizem advogados. Conivência covarde e criminosa. Lucrativa, mas indecente. Penso ser esse um tema oportuno para ser enfrentado agora na comemoração dos 10 anos da Operação. Com a palavra, meus queridos colegas.

Homenageando o grande Rui Barbosa: “O sábio pesa os sistemas na balança dos princípios, não na dos resultados”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay