A Reforma da Previdência não pode ferir a dignidade dos mais vulneráveis

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Moradora do Capão Redondo, bairro da periferia de São Paulo, Juliana, 10 anos, tem paralisia cerebral severa. Não anda, não fala e não consegue se alimentar sozinha. A rua em que reside não tem asfalto, o esgoto corre a céu aberto. Transporte e serviços públicos são de difícil acesso na região. Sua mãe teve de largar o trabalho para se dedicar aos cuidados da filha que demanda 24 horas do dia. Com a cadeira de rodas menor que seu corpo, Juliana está há dois anos na fila do SUS aguardando um novo equipamento. Escola ela nunca frequentou.

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Foto: Arquivo pessoal
Mara Gabrilli defende pontos importantes da Reforma da Previdência

Um cenário protagonizado pelo abandono e que deve, mais que nunca, estar no radar do atual governo e suas articulações para uma Reforma da Previdência justa e equilibrada. Afinal, o Estado brasileiro tem uma dívida colossal com as pessoas com deficiência. São décadas vivendo sem oferta de reabilitação, medicamentos, tecnologias ou atenção mínima de saúde.

Vale lembrar que a proposta preliminar da Reforma, originada ainda no Governo Temer , desvinculava o benefício de prestação continuada do salário mínimo (atualmente R$ 998). O BPC, como é mais conhecido, é pago para idosos com 65 anos ou mais e pessoas com deficiência de qualquer idade que vivem em situação de extrema vulnerabilidade social e não possuem meios de prover sua subsistência.

Miramos hoje uma economia próspera a curto prazo, médio e longo prazo. Mas sem um olhar cuidadoso do governo para os mais vulneráveis vislumbraremos um futuro de brasileiros cada vez mais miseráveis.

Apesar de não haver a necessidade de ter contribuído ao INSS, os critérios para a concessão do BPC são mais que rigorosos. A renda familiar per capita não pode ultrapassar um quarto do salário mínimo vigente (R$ 249,50, em 2019). O Benefício de Prestação Continuada também não paga 13º salário e não deixa pensão por morte. Ou seja, falamos de um benefício para que a família de Juliana e de outros brasileiros na mesma condição possam apenas sobreviver.

Será que o Brasil pode subtrair mais ainda dessas pessoas?

Venho alertando sobre a importância de se manter o benefício desde 2017, quando na Câmara apresentei a primeira emenda ao texto anterior da PEC da reforma da Previdência, junto aos deputados Eduardo Barbosa, Otavio Leite, Carmen Zanotto e Leandre.

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Ainda, venho dialogando com o novo governo - dessa vez junto ao secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, para que o direito ao Benefício de Prestação Continuada não sofra mudanças drásticas ou de alguma forma retroceda.

Recentemente, já como senadora, também apresentei outras emendas relacionadas ao tema BPC e aposentadoria por invalidez – dessa vez à MP 871/2019, que condiciona o direito ao Benefício de Prestação Continuada à autorização do acesso de dados bancários das famílias beneficiárias.

Apesar da boa intenção do governo em conter fraudes, esta não me parece uma medida eficiente para fortalecer a fiscalização, mas sim uma chancela da descrença do Estado nas pessoas que mais precisam de seu amparo.

Criar um mecanismo que permita a violação de dados de famílias que já vivem uma realidade violada não é a solução para combater as tantas fraudes que ocorrem há muito tempo na Previdência. Sabemos também que a incidência de deficiências no Brasil está atrelada muitas vezes à omissão do Estado. A falta de saneamento básico, atendimento de saúde adequado, pouco acesso à informação e outros problemas decorrentes da pobreza acarretam um maior percentual de deficiência na população.

A paralisia cerebral, por exemplo, deficiência da Juliana, é dez vezes mais comum em recém-nascidos prematuros. É uma deficiência que poderia ser evitada em 40% dos casos com a oferta do atendimento adequado e de qualidade em todos os períodos de gestação da mulher, realidade que sabemos não corresponder com o precário sistema público de saúde do nosso país.

E são essas mesmas pessoas, já impactadas por políticas públicas falhas, que precisam arcar com o custo de uma deficiência. Um custo que é alto, já que o serviço público não arca sequer com a sonda que um cadeirante precisa para urinar. Não podemos tirar mais ainda dessas pessoas e incumbi-las essa conta. Uma conta que vem crescendo inclusive pela falta de gestão de governos anteriores.

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É certo que a Reforma da Previdência é necessária, mas ela não pode ser realizada prejudicando ainda mais quem já vive na pele, há décadas, a omissão do Estado. No momento, o Brasil tem a chance de apenas não retroceder direitos dos mais vulneráveis. E esse é o mínimo que eles contam hoje.