O pós 11 de setembro e os fundamentalismos pós-modernos
Embaixador discorre sobre as dificuldades de se entender o Islamismo no Ocidente
No contexto de uma luta global contra o terrorismo ancorado no fundamentalismo islâmico os países ocidentais e, em especial, os Estados Unidos devem resolver de forma adequada o dilema em relação ao mundo muçulmano e Israel.
Este dilema é particularmente difícil de enfrentar e compreender em razão do alto grau de discordância da política ocidental com as regras de política das sociedades islâmicas.
O islamismo é uma religião que não abre espaço nem pressupõe a realização de um projeto político particular. A sociedade muçulmana se concentra mais na busca de valores simbólicos do que em aspectos concretos da realidade. Na verdade, poderíamos nos perguntar até que ponto o islamismo permitiria a formação eficiente do tipo de Estado que se conhece no mundo ocidental.
Um exemplo claro dessa dificuldade se apresenta aos países ocidentais quando da ocupação de territórios de população muçulmana. Neste caso, a ocupação de territórios palestinos por Israel não é uma exceção se comparada a outras ocupações anteriores de países islâmicos por potências ocidentais.
Estes países do Ocidente se surpreendem pelo fato de que é praticamente impossível obrigar as nações islâmicas a obedecer às regras ditadas pelas autoridades não muçulmanas, mesmo que por meio da violência, como no caso da ocupação do Iraque.
Esta condição apolítica dos islâmicos torna mais fácil o aumento de conversões nos países desenvolvidos ocidentais. Uma solução correta deste dilema obriga a um grande esforço de compreensão por parte do Ocidente com respeito à especificidade da política no Islamismo.
Esta especificidade exige uma relação baseada não apenas sobre as questões políticas e econômicas tradicionais, mas também sobre questões simbólicas, extrapolíticas tradicionais que têm particular relevo.
Um dos temas de maior importância simbólica é a Palestina. Para os palestinos, o conflito com Israel e a questão de Jerusalém são problemas muito concretos, haja visto o recente conflito entre Gaza e Israel. Esta questão com enorme carga emocional no Islamismo é raramente bem avaliada no Ocidente.
Uma mudança de caráter estratégico na aliança dos Estados Unidos com Israel afigura-se difícil, mas talvez o governo Biden possa reconsiderar a política tradicional de apoio incondicional à Israel, com a eventual mudança governamental em Tel Aviv.
As dificuldades para entender o Islamismo no Ocidente são agravadas pelas dificuldades norte-americanas para definir uma política exterior mais ou menos neutra em relação à Israel, em razão do poderoso lobby judeu norte-americano.
A partir do 11 de setembro verificou-se no sistema internacional uma expansão rápida do terrorismo muçulmano mesmo sendo minoritário no grupo de nações muçulmanas.
Esse fundamentalismo cresceu em razão da força do capitalismo e da democracia no mundo. O setor do islamismo mais ligado à Idade Média sente-se ameaçado pelo liberalismo.
O fundamentalismo islâmico também cresceu em razão do apoio ocidental a regimes economicamente conservadores do mundo árabe, ao apoio à Israel, à revolução iraniana em 1979, e à presença crescente das forças armadas norte-americanas no Golfo Pérsico desde 1991.
Em um primeiro período, os temas vinculados à fome e à pobreza ficaram marginalizados na agenda global da guerra contra o terrorismo. Mas com um progresso significativo da segurança global e redução do terrorismo, as questões da fome e da pobreza nos países muçulmanos serão cada vez mais presentes na agenda global.
A ameaça terrorista pode relegar a um segundo plano estas questões sociais, dando prioridade à governabilidade em detrimento das preocupações humanitárias e culturais na relação com os países da periferia.
A luta contra o terrorismo está associada à extensão do poder político e militar do Ocidente. A forte presença do Islamismo na conjuntura internacional prova que a governabilidade é um tema complexo e estreitamente ligado à coexistência de diferentes culturas, segundo a tese do ex-presidente do Irã, Mohammad Khatami, de um diálogo crescente entre as civilizações.
A nova situação internacional, após o 11 de setembro, pode obrigar vários atores a uma confrontação, ou revisão, de atos inspirados por resíduos ideológicos do totalitarismo, decorrentes da demolição do bloco comunista.
Resíduos desse tipo infectam, igualmente, setores importantes da sociedade civil muçulmana de vários países da comunidade internacional.
Os governos, da maioria desses países, têm condenado os atos terroristas, por convicção ou por conveniência, mais parte da sociedade civil muçulmana não compartilha dessa opinião.
Essa conduta pode ser explicada parcialmente por um certo antinorte-americanismo, mas pode existir algo mais grave do que esse sentimento, em razão da identificação histórica dos Estados Unidos com Israel.
O melhor seria um consenso no sistema internacional fundamentado sobre o exercício da paz e da justiça, em vez do poder e da violência, da lógica da guerra.
Uma cultura da paz, em vez de uma cultura bélica pode ajudar a enfrentar este problema com a redução da incapacidade de articulação satisfatória das noções de liberdade e igualdade no sistema internacional.