"Se esse óleo fosse no RJ ou SP, a repercussão seria outra”, alerta pesquisadora
Mancha de óleo avança no Nordeste há 46 dias e chegou na maior reserva marinha do País, mas até o momento, região não recebeu visita de Bolsonaro ou plano especial do governo federal
Por Eduarda Esteves |
18/10/2019 17:48:50As manchas de óleo encontradas em diversos pontos do litoral nordestino chegaram à maior reserva marinha do País, localizada entre São José da Coroa Grande (PE) e Maragogi (AL) e afetaram grandes cartões-postais de ambos os estados entre a quinta-feira (17) e a manhã desta sexta (18). Dados do Ibama revelam que o óleo já atingiu 187 praias em 77 municípios de todos os nove estados nordestinos, desde o seu primeiro registro, em 2 de setembro deste ano.
Dada a dimensão de um dos maiores crimes ambientais já registrados na região, também nesta sexta, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação coletiva entre os noves estados atingidos pelas manchas de óleo. O órgão pede à Justiça Federal que o Estado adote, em 24 horas, um plano de emergência sobre a situação no litoral, que segue sem solução.
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A cientista ambiental Pâmella Nogueira, especialista em gestão de áreas protegidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), destaca que o problema é grave e o governo federal tem sido omisso. “Se esse óleo fosse no litoral do Rio de Janeiro ou de São Paulo, a repercussão seria outra. Mas, como a gente está falando do Nordeste, esse assassinato não foi tão notado, no início. Assim como foi na Amazônia, que só notaram o que estava acontecendo quando chegou ao Sudeste”, avalia.
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Desde o dia 30 de agosto, praias de todos os nove estados do Nordeste — Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe — vêm sendo contaminadas por um vazamento de petróleo. São mais de dois mil quilômetros. Desde o início da crise ambiental, o Ibama contabiliza 17 animais encontrados mortos, incluindo tartarugas e golfinho, por causa do material vazado.
Para a pesquisadora, em muitos casos, o Norte e o Nordeste do Brasil são consideradas regiões mais isoladas pela União e as medidas emergenciais dependem do desastre atingir uma região que eles consideram mais importante. “Isso é muito histórico e tem total a ver com a representatividade. Imagina se esse óleo chega na Praia da Barra, no Rio, um local super famoso? Com certeza as medidas seriam mais rápidas”, disse.
Que óleo é esse e qual papel da União?
Já são 46 dias de um crime em andamento, desde o primeiro registro do vazamento, e ainda não há um mapeamento que localize de onde está vindo o óleo. Na visão na oceanógrafa especialista em poluição marinha e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Mônica Costa, a resposta da União foi devagar e com tons de amadorismo.
“Eles tinham que ter investigado desde o início e se apropriado da informação que já existia de anos anteriores para ajudar nessa proteção, nos planos de contingência. Mas, faltou conhecimento técnico e vontade política de agir com coerência. A poluição por óleo precisa ser combatida com velocidade, até porque se pensar muito, ela é sempre mais rápida que você”, explica a pesquisadora.
Sobre os estudos que já existiam para situações assim, ela se refere ao Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional, previsto no decreto número 8.127, de dezembro de 2013. Mônica alega que tal material e protocolos foram ignorados pelo governo federal, ainda no início de setembro.
“Faltou maturidade. O plano tem várias camadas e, por exemplo, se foi detectada a mancha de óleo pela primeira vez, tinham que ter colocados aviões para localizar outras manchas, avisar à capitania dos portos para prepararem um levantamento, providenciar barreiras e materiais de coleta, além de mobilizar equipes. Mas, o que aconteceu foi muito amador”, lamenta a professora da UFPE. Para ela, não conseguir localizar a fonte do óleo dificulta demais o trabalho da equipes.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobrevoou o litoral da Bahia e de Alagoas na quarta-feira (16) e, em Maceió, afirmou à imprensa local que ainda não se sabe quanto óleo existe no mar. "Ao que tudo indica é o mesmo óleo cuja corrente marítima tem feito com que toque na costa e retroceda. Toda vez que toca na costa, nosso objetivo, nosso esforço junto com os estados e municípios é retirar esse óleo para que ele não volte para o mar", disse.
Óleo que chega e volta
Após mais de 30 dias desde o último registro de contaminação em Pernambuco, o óleo voltou, o que mostra que o problema pode se comportar de forma recorrente, em vez de pontual. A especialista aponta que as correntes marítimas e o vento contribuem para o fator. No litoral pernambucano, quando o óleo chegou na areia, nos últimos dois dias, equipes de voluntários e da gestão estadual se mobilizaram para retirar as grandes placas do material da praia. Em Carneiros, um dos pontos turísticos mais procurados do estado, pelo menos 200 pessoas ajudaram na limpeza na manhã desta sexta.
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No local para averiguar a situação, o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, José Bertotti, disse que o óleo visível já foi retirado do local, restando ainda poucos focos. A ação seguinte é colocar uma boia de contenção para que o material não adentre no estuário do Rio Formoso e chegue ao mangue, fonte de riqueza em biodiversidade.
De acordo com Bertotti, o prejuízo ambiental e econômico já é um dano real que não há como reverter, mesmo com a capacidade de fortalecimento e reprodução da natureza. "Estamos trabalhando com a Marinha, com a Capitania, mas, em muitos momentos, eles não têm boias de contenção e falam sobre não ter dinheiro. É um absurdo completo. Os governos estaduais têm feito de tudo para controlar a situação, mas está difícil", pontua, complementando que a questão passa longe de ser sobre legislação. "Do ponto de vista da defesa do meio-ambiente, temos uma lei avançada. Mas se não cumprem, não adianta”, avalia.
O secretário não atribui a fala de ação para conter o óleo ao fato do problema ter sido registrado no Nordeste. "Não tem a ver com o fato de ser Sudeste ou Nordeste. Isso, na verdade, tem a ver com o descaso do governo federal ao não cumprir o plano de contenção e se importar com áreas ambientais. É o mesmo problema que aconteceu em Brumadinho, no início do ano, na Amazônia, recentemente. Eles não seguem a lei seja em qual região for. Hoje está sendo no Nordeste, mas amanhã pode ser em outro local", afirma.
Para a professora Mônica Costa, a diferença regional não se dá por uma questão política, mas que a única diferença possível, caso o óleo tivesse atingido o Sudeste, seria que, como existe maior tradição no combate a esse tipo de poluição, a infraestrutura seria melhor para o trabalho. "Existem mais profissionais treinados, materiais, aterros industriais para receber o óleo. Prefiro não acreditar que por ser no Nordeste, o tratamento tem sido lento. Se isso for comprovado, seria o fim dos tempos", avalia.
A bióloga Nicole Malinconico, mestre em Oceanografia, alerta que falta a sociedade entender a real conexão das questões ambientais com a realidade em que elas vivem. "O peixinho que está na maré influencia na economia global", explica. Ela acredita que a crise ambiental já acontece há muitos anos e não é exclusividade deste governo. Mas, reconhece que uma série de medidas nos últimos meses têm sido tomadas indo de encontro aos interesses ambientais, enfraquecendo as políticas de conservação. "Eu também acho que se tivesse sido no Rio ou em algum outro local, o poder da mídia poderia ter sido mais rápido. Para chegar na imprensa demorou muito. Mas, não acho que a falta de atuação não é só por ser Nordeste. A Amazônia está aí", disse.
Para a estudiosa, o governo federal pode construir parcerias com empresas com o intuito delas atuarem diretamente na contenção desse impacto ambiental. "Eles devem preparar polos de reabilitação desses animais que foram afetados por meio da contratação de biólogos e da criação de comissões fiscalizadoras porque o trabalho será a longo prazo", conta.
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Danos graves
Na quarta (16), a Petrobras anunciou que 200 toneladas de resíduos de óleo foram recolhidas em praias do Nordeste. A empresa disse que, desde 12 de setembro, mobilizou 1,7 mil agentes ambientais para a limpeza das praias e 50 funcionários para planejar a resposta ao desastre ambiental.
Sobre o futuro do ecossistema, a especialista em poluição marítima Mônica Costa prevê graves problemas para o futuro. Ela explica que mesmo o óleo sendo retirado da areia, parte dele deve se diluir na água e ficar invisível ao olho nu. "Vão permanecer em nossos oceanos por décadas. A gente tem a ilusão de que retirar da praia resolve o problema, mas estamos longe disso", alega.
O grande medo de Mônica é que o óleo adentre em cheio os manguezais e arrecifes porque retirá-lo seria quase impossível. "Infelizmente a toxidade vai permanecer na natureza. As consequências são muitas, o ecossistema vai ser prejudicado em recursos alimentares, problemas hormonais e atividades reprodutivas. Estamos falando de milhares de quilômetros e muitas pessoas parecem não se importar".
Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente foi questionado sobre o protocoloco do Plano Nacional de Contingência e da prioridade caso o vazamento tivesse acontecido na região Sudeste ou Sul do país. Até a publicação da matéria, o órgão não enviou resposta.