Ex-diretor do Inpe diz que não conseguia alertar Ibama sobre desmatamento

Instituto, que foi duramente criticado por Bolsonaro nos últimos dias, emite alertas em tempo real para que fiscais possam agir contra ameaças

Foto: Lucas Lacaz Ruiz/A13/Agência O Globo
Ricardo Galvão foi exonerado pelo presidente Bolsonaro após receber diversas críticas

Na manhã da última sexta-feira (2), o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o físico Ricardo Galvão , entrou no gabinete de Marcos Pontes , ministro de Ciência e Tecnologia (MCTIC ), decidido a não deixar seu posto.Uma hora depois, saiu da sala com o recado de que será exonerado.

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A decisão marcou o final do cabo de guerra que disputou contra o presidente Jair Bolsonaro e outros titulares da Esplanada dos Ministérios, como Ricardo Salles ( Meio Ambiente ), que contestam os alertas sobre o avanço do desmatamento divulgados pelo Inpe .

Para explicar as polêmicas que levaram ao confronto direto com o Palácio do Planalto, Galvão lembrou críticas a seu trabalho que brotaram logo nos primeiros dias de governo em outro endereço — o Ministério do Meio Ambiente ( MMA ).

Segundo o físico, Salles foi constantemente crítico às medições de desmatamento, mas nunca o procurou para discutir o tema. Enquanto isso, Galvão diz que desde janeiro é difícil a comunicação do instituto com o Ibama , órgão subordinado a Salles que deveria combater os focos de devastação mapeados pelo Inpe . Procurados, o MMA e o Ibama não responderam.

Duas semanas atrás, questionado sobre o aumento do desmate na Amazônia , Bolsonaro contestou os dados do Inpe e disse que Galvão poderia estar “a serviço de uma ONG”. O físico revidou, acusando o presidente de tomar uma atitude “pusilânime e covarde”.

"O ministro (Pontes) disse que ia me exonerar, porque minha situação com a presidência ficou complexa, e não poderia haver na direção do Inpe alguém em quem eles (o governo) perderam a confiança", disse Galvão ao Globo.

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O diretor do Inpe tinha mandato de quatro anos, que seria concluído no final do ano que vem, o que não impede o governo de exonerá-lo. Em nota, o MCTIC agradeceu seu “profissionalismo à frente do instituto” e anunciou que a escolha de seu sucessor “se dará de acordo com o mérito necessário”.

Ex-ministros ,  ambientalistas  e membros da comunidade científica temem que a exoneração de Galvão abra portas para a censura aos alertas de desmatamento emitidos pelo Inpe. Bolsonaro afirmou recentemente que os dados deveriam ser enviados ao Planalto antes de serem divulgados. Pontes já defendeu a revisão dos dados, e Salles apontou “inconsistências e erros” nas medições.

‘Sem precedentes’

Presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich diz que o governo misturou “ciência e política”: "O Estado não pode inibir ou censurar pesquisas, e as instituições científicas não devem se amedrontar, pensando que a revelação de dados inconvenientes para o governo resultará em exonerações".

Em nota, o coordenador de Políticas Públicas do  Greenpeace  , Márcio Astrini, afirmou que “o governo vem implementando no país um projeto antiambiental, que sucateia a capacidade do Estado de combater o desmatamento”.

Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima , avaliou que o diretor do Inpe “selou seu destino” ao não se calar diante das “acusações atrozes” de Bolsonaro ao instituto: “Ao reagir, Galvão também preservou a transparência dos dados do desmatamento”.

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Vinte e um diretores de centros de pesquisa federais enviaram carta a Pontes, afirmando que Bolsonaro está “mal informado” sobre a coleta de dados científicos, que não devem ser “passíveis de condenação para atender a conveniências políticas”.

Em sua capa desta semana, a inglesa “ The Economist ” afirmou que o “mundo tem de deixar claro para Bolsonaro que não vai tolerar seu vandalismo” na área ambiental, e que os parceiros comerciais do país devem condicionar seus acordos ao “bom comportamento” no setor. Também a “ Nature ”, uma das mais respeitadas revistas de ciência do mundo, publicou artigo intitulado “‘ Trump tropical’ desencadeia crise sem precedentes para a ciência brasileira”.