Proibir canudo plástico acena para preservação, mas custo deve chegar ao cidadão
Projeto de lei, que já foi aprovado pela Câmara e aguarda sanção ou veto do prefeito, é visto com certa desconfiança por empresários e consumidores
A Câmara Municipal de São Paulo aprovou em segunda votação, no mês passado, o projeto de lei de autoria do vereador Reginaldo Tripoli (PV) que proíbe o fornecimento de canudos plásticos e segue medidas adotadas em outras cidades, como Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro, Camboriú (SC), Santos (SP), Ilhabela (SP) e Rio Grande (RS), além de todo o estado do Rio Grande do Norte.
Leia também: Número de mortes no trânsito cai 15% no estado de São Paulo em abril
Segundo o texto, que ainda espera sanção ou veto do prefeito Bruno Covas (PSDB) , fica proibido o fornecimento de canudos plásticos em todo estabelecimento comercial, seja ele uma padaria, um hotel, um bar ou até mesmo um clube noturno. Em caso de descumprimento, as punições vão desde uma simples advertência, quando da primeira transgressão, até multas que alcançam R$ 8 mil e o eventual fechamento do local.
Os estabelecimentos poderão seguir oferecendo outras formas de consumo de bebidas para os clientes, tais como copos plásticos e de vidro e canudos produzidos com outras matérias-primas, ficando proibida a comercialização apenas de produtos plásticos.
Bastante controverso, o tema levanta algumas questões: qual será o real impacto da saída dos canudos de plástico do comércio de São Paulo e, consequentemente, do meio ambiente ? Ele está se transformando em “vilão” de um problema muito mais amplo? Como isso irá afetar o dia a dia de produtores e consumidores?
“Indústria dos canudos é pequena e não tem força para brigar”
Diretor corporativo da Plastifama, empresa de Santo André (SP) que produz canudos de plástico, Rodrigo Nori é taxativo ao dizer que a lei foi pensada da forma errada, sem levar em conta os custos de fabricação dos substitutos e a análise da indústria , que é pequena e precisará se adequar ao que o governo definir.
“O modo como a lei foi escrita e discutida, de sopetão, por pessoas que não sabem nada da indústria, dos materiais viáveis para que essa substituição seja feita, do impacto que essa mudança trará ao consumidor e ao meio ambiente, traz um reflexo muito danoso, que transforma o canudo de plástico em vilão”, afirma.
A análise de que existe um problema com o projeto de lei é endossada por Cláudio Augusto Gonçalves Junior, proprietário da Cepel Comércio de Papéis e Embalagens. Para ele, a mudança é uma “idiotice” e trará problemas para os pequenos fabricantes.
“Para mim, a comercialização de canudos de plástico é só uma fatia do bolo. Então, a lei não vai me afetar muito. Porém, e o cara que produz? Imagina quantas pessoas ficarão desempregadas porque as pessoas não sabem descartar da forma correta? O plástico faz mal porque não existe incentivo do governo para a reciclagem . Então eles deveriam pensar nisso ao fazer essa lei”, reclama.
Como exemplo do problema de uma lei “acelerada”, Nori cita o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro, que também proibiu a comercialização de canudos e fez com que estabelecimentos e vendedores informais, como os ambulantes nas praias, passassem a utilizar os copos de plástico, mais pesados e mais danosos ao meio ambiente : “Eles estão dentro da lei, mas piorando muito a situação”.
Para evitar essa piora, Cláudio elenca algumas opções que já são comercializadas no Brasil e podem ser boas substitutas, como canudos feitos de materiais comestíveis. Entre eles, estão o de macarrão, a maçã e até a sêmola de trigo, que são ecologicamente corretos, decompõem-se na natureza com facilidade e não agridem o meio ambiente.
Rodrigo lembra ainda que tudo passa por uma melhor conscientização da população, uma vez que o principal problema dos canudos é a falta de um descarte consciente, que possibilite um ciclo completo de reciclagem, e não necessariamente sua matéria-prima.
“Trocar o plástico pelo papel não fará diferença se o canudo continuar indo parar na via pública, nos mares e oceanos. É um cenário difícil para a indústria, porque as leis estão sendo regulamentadas por município, e cada um tem feito de uma maneira. Não há um texto para o estado, ou para o País. Cada um faz de uma forma, com números diferentes, que, em sua maioria, estão errados”, aponta Nori.
“Diferentemente de muitos, nós resolvemos ser proativos e estamos produzindo canudos de papel, que são mais caros. Então essa lei não é um risco para nós. Porém, já fizemos o investimento, compramos o maquinário e colocamos dinheiro. E se ela não é aprovada? Isso será perdido, porque ninguém vai querer comprar um produto mais caro. A verdade é que, se houvesse bom senso na utilização e no descarte, o plástico não prejudicaria ninguém”, finaliza.
Consumidor sentirá no bolso
A atual situação guarda muitas semelhanças com o ocorrido com as sacolas plásticas , que eram oferecidas em supermercados e outros estabelecimentos comerciais. Em 2011, ainda na gestão do então prefeito Gilberto Kassab, foi anunciada a lei municipal 15.374, que proibia a comercialização das embalagens e padronizava o modelo de sacola que deveria ser utilizada.
Porém, ainda no mesmo ano, a aplicação foi suspensa após pedido de suspensão feito pelo Sindicado da Indústria de Material Plástico do Estado de SP. Três anos mais tarde, em 2014, a gestão Fernando Haddad (PT) regulamentou a medida e apresentou o modelo padronizado que estava previsto na lei municipal, que só entrou em vigor no dia 5 de abril de 2015.
Com isso, os estabelecimentos ficaram proibidos de vender sacolas
fora do padrão, mas passaram a cobrar pela padronizada, o que acabou incomodando os consumidores, que se sentiram lesados por uma tentativa de mudança ambiental feita pela prefeitura da cidade.
É exatamente nessa linha que pensa Daniel Affini, um dos proprietários da hamburgueria Champions Burgers Sport House. Para ele, a mudança segue a tendência do que aconteceu com as sacolas e faz pensar em possíveis “teorias da conspiração”.
“Isso é mais uma obra de quem já inventou que não podia ter sacolinha em mercado e agora diz que o culpado é o canudo. Não consigo ver até que ponto há um interesse de sustentabilidade ou se é só uma situação de alguém que apareceu e disse ‘estou com um canudo de papel aí, vamos tentar enfiar goela abaixo da população?’. Então, é bem complicado de entender”, disse.
O empresário ressalta que a mudança exigida pela lei pouco irá afetar o estabelecimento porque o investimento que era feito em canudos era pequeno, representando cerca de 3% do valor gasto pela empresa. O que fará, sim, uma grande diferença é o posicionamento dos sócios, que decidiram abrir mão do produto nas lojas .
“A ideia é se adaptar. Vou passar a servir as bebidas em jarras e o cliente poderá tomar direto no copo. Vamos deixar de oferecer o canudo. Claro, se começarmos a ter pedidos por parte dos clientes, aí nós iremos comprar o de papel ou alguma outra abordagem. Primeiro, vamos ver qual é a reação que a gente obtém”, afirma Daniel.
Entretanto, nem todo estabelecimento pensa da mesma maneira. Em sua maioria, os proprietários pretendem apenas substituir o canudo de plástico por outro de material diferente. E é aí que surge o problema para o cliente: qualquer uma das alternativas demandará um custo maior, que consequentemente acabará sendo repassado ao preço final dos produtos.
“Na última cotação que fiz, o preço ficou 60% mais caro com a substituição dos canudos de plástico pelo biodegradável . Não sei se isso tende a piorar quando a lei for aprovada, mas é provável que sim. Assim, vai ser inevitável acabar repassando isso para o cliente. Não será tudo, mas com certeza haverá repasse ”, afirma Nivaldo Theodoro, dono do restaurante A La Carte Mineiro, na região da Chácara Santo Antônio, zona sul de São Paulo.
Segundo ele, o reajuste anual é normal em restaurantes devido ao fato de que os preços de alimentos e bebidas não se mantêm estáveis. Porém, a criação da lei fará com que o canudo acabe se transformando em mais um item da lista de “repasses” neste ano.
“O plástico não é um vilão”
Segundo dados divulgados pela ONU e ONGs que trabalham com questões ambientais, o uso consciente do plástico é um dos maiores desafios para o século 21, uma vez que, anualmente, são descartadas 8 milhões de toneladas do material nos mares e oceanos . Para piorar, 91% do plástico produzido no mundo não é reciclado, fazendo com que apenas 9% ganhe uma “segunda chance” de uso.
Entre tantas análises negativas, tanto de produtores como de consumidores, fica em aberto a questão sobre o real impacto do plástico no meio ambiente. Caso existisse o descarte correto e a “cadeia” de reciclagem tivesse começo, meio e fim, seria o canudo realmente um problema?
“A verdade é que alguém precisou pegar uma parte do problema e trazer à tona para que a discussão começasse. É válido, pois estimulou a conscientização sobre o descarte e o uso desenfreado, mas acabou transformando o canudo em vilão da poluição. Sim, existe o problema de ele não ter um ciclo de reciclagem fechado, de se tornar rejeito até mesmo nas cooperativas de reciclagem e por ser um artigo de uso único. Porém, nós temos que ver o plástico como matéria-prima, não como resíduo”, afirma o engenheiro ambiental Luis Felipe Collaço.
Ele lembra que o plástico trouxe diversas transformações para a vida cotidiana, tendo serventia em diversas indústrias e barateando custos de produção, armazenamento e deslocamento de materiais, além de ser um produto mais leve, maleável e resistente do que muitos de seus “concorrentes” nas aplicações do dia a dia.
“O plástico permitiu que a humanidade seguisse por um caminho mais prático, mais barato. A verdade é que o grande problema do plástico não é o plástico, e sim o que é feito com ele após a primeira utilização. Não existe um sistema de coleta seletiva eficiente no Brasil. As cooperativas não estão preparadas para reciclar todo tipo de plástico, o que cria dificuldades para fomentar essa reciclagem. Depois do descarte, o plástico é esquecido”, aponta Luis.
Outro ponto negativo ressaltado por ele é a chamada bioacumulação , que acontece quando ocorre a decomposição de resíduos plásticos no corpo hídrico do país. Produtos plásticos, ao se decompor, geram micropartículas do material, que acabam sendo engolidas pelos animais.
“Aí, ocorre uma de duas opções: ou o animal que ingeriu esse plástico acaba morrendo pela quantidade ingerida ou acaba contaminando o ser humano quando é transformado em alimento. E esse é um problema que nem mesmo os produtos biodegradáveis ou oxi-biodegradáveis estão livres de causar. Se é feito de plástico, vai gerar essas micropartículas e a bioacumulação”, afirma.
Sobre os possíveis substitutos, Luis diz que é preciso ter cuidado, pois o plástico não pode ser trocado tão facilmente em muitas situações como será feito no caso dos canudos, que já têm opções mais sustentáveis. Entretanto, cita que a discussão é saudável para criar consciência ambiental na população e nas empresas.
“O legal não é a simples substituição, mas sim a discussão que essa retirada trouxe para que se comece a pensar em alternativas, tirar as empresas da zona de conforto. Essa revolução dos canudos trouxe uma abertura de olhos para a sociedade. Não é ele que vai mudar o mundo, que vai parar de matar tartaruga, mas trouxe luz para temas de meio ambiente”, finaliza.
O futuro do plástico
Apesar de polêmico, o fim dos canudos pode ser o início de uma mudança grandiosa na indústria brasileira. Assim como ocorre em lugares como a União Europeia, que aprovou a proibição de produtos plásticos a partir de 2021 , o Brasil caminha na direção da redução do uso do plástico, e as empresas já estão de olho nesse movimento.
“Diariamente, pensamos em novas soluções e formatos para reduzir o impacto que as embalagens plásticas causam no meio-ambiente", assegura Fabiana Fairbanks, diretora de bebidas da Nestlé Brasil. "Essa é uma preocupação de todos os colaboradores da Nestlé, que tem o objetivo de tornar 100% de suas embalagens recicláveis e reutilizáveis até 2025”, complementa.
Segundo ela, a mudança visa cumprir uma meta global da empresa, que é a alcançar impacto ambiental neutro em todas as suas operações até 2030. Para isso, ela cria campanhas e movimentos como o que vem ocorrendo com a marca Nescau, que lançou a campanha #jogapradentro, que incentiva os consumidores a colocarem os canudos dentro da embalagem após o consumo do produto, e já vem substituindo os canudos plásticos pelos de papel biodegradável, iniciativa que vai retirar mais de 4 milhões de canudos plásticos do mercado.
“O processo acontece de forma gradual devido às limitações operacionais, já que não existem fornecedores suficientes para produzir em escala que atenda à cadeia do produto. A tendência é que os canudos de plástico sejam gradativamente eliminados. É uma jornada que está sendo construída e que tanto sociedade como indústria precisam buscar soluções conjuntas”, ressalta Fairbanks.
“Do lado da indústria, há uma série de desafios envolvidos nessa mudança: manter os níveis de segurança e higiene nos alimentos e garantir que os canudos de papel, por exemplo, não sofram danos no transporte, definir formato e matérias-primas que não alterem o sabor e a experiência de consumo”, complementa.
Por fim, Fabiana lembra que os canudos representam apenas a ponta do iceberg de uma questão muito maior que precisa ser discutida pela sociedade: os plásticos de uso único. Sobre isso, ela cita a criação do Nestlé Institute of Packaging Sciences, que nasceu com o objetivo de desenvolver materiais de embalagem sustentáveis e de onde saíra, muito provavelmente, uma das alternativas para o futuro e continuidade do tema.