Cientistas da Universidade de Chicago e da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, decidiram investigar, com pesquisas diferentes, por que menos de 5% dos elefantes em cativeiro morrem por causa de câncer. De acordo com o portal Phys.org , eles descobriram que o grupo de mamíferos possui um “gene zumbi” que pode ser um dos responsáveis pela baixa taxa de mortalidade pela doença.
Os pesquisadores iniciaram os estudos há três anos e foram motivados por um dado intrigante: os elefantes possuem 100 vezes mais células potencialmente cancerígenas do que os humanos. Desde então, eles já descobriram, por exemplo, que alguns dos genes que fazem dos elefantes resistentes ao câncer também estão presentes nos humanos .
Desta vez, os pesquisadores focaram no gene p53, que encontrado tanto nos seres humanos quanto nos elefantes, é capaz de perceber erros no DNA e fazer com que estas células, que podem ser cancerígenas, morram. Foi descoberto que os grandes mamíferos possuem 20 cópias do p53, o que acelera o processo de reconhecimento e morte das células.
"O p53 pode reconhecer o DNA modificado e questionar, 'ok, quais são as suas opções?'", explicou Amy Boddy, bióloga da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, que não participou da pesquisa, para o National Geographic . Dessa forma, célula com poucos erros podem ser reparadas, enquanto as potencialmente perigosas são imediatamente mortas.
Contudo, o grande achado foi anunciado nesta terça-feira (14), quando o grupo da Universidade de Chicago publicou em uma revista científica sobre a descoberta de um “gene zumbi”, que “volta dos mortos” para combater a doença.
Leia também: "Parque dos Dinossauros" da vida real: cientistas de Harvard recriam mamute
Gene que "retorna dos mortos" para combater o câncer
“Os genes se duplicam o tempo todo e, às vezes, eles cometem erros, produzindo versões não-funcionais conhecidas como pseudogenes”, explicou Vincent Lynch, professor assistente de genética humana na Universidade em questão, e o principal autor da pesquisa. “Costumamos nos referir a eles como genes mortos”.
O pseudogene é o fator inibidor de leucemia 6, mais conhecido como LIF6. Por mais que desativado no código genético, ele pode voltar a ser ativado justamente pelo p53, tornando-se um gene de extrema importância para a saúde e desenvolvimento dos elefantes.
Ele é o responsável por produzir uma proteína que rapidamente chega às células cancerígenas e atinge suas mitocôndrias, a organela responsável pela energia celular, fazendo com que elas morram.
“Esse gene morto consegue voltar à vida, e quando é ativado pelo DNA instável, rapidamente mata aquela célula”, continuou Lynch. “Isso é muito benéfico porque age em resposta a erros genéticos, se livrando de células no que pode prevenir um câncer”.
"DNA zumbi" contra o câncer: uma questão de evolução
Como apenas um dos oito genes LIF dos elefantes possui essa característica em específico, os pesquisadores decidiram olhar para a evolução das espécies para tentar entender como esse processo se consolidou através dos milênios.
Usando alguns “truques” da evolução, os cientistas conseguiram estimar quando foi que o pseudogene passou a ter funções significativas no código genético. O estudo indica que este processo começou há cerca de 59 milhões de anos, quando, de acordo com evidências em fósseis, os precursores dos atuais elefantes começaram a aumentar de tamanho.
O combate às células cancerígenas pode ter sido um elemento-chave para garantir que tais mamíferos conseguiriam atingir grandes tamanhos, já que ser um animal de colossais proporções representa vantagens para as espécies e pode assegurar a sua sobrevivência.
Tamanho do animal influencia no desenvolvimento do câncer
Seres pequenos são presas fáceis e também podem, por exemplo, ser pisoteados de maneira simples. Mas “se você é enorme, como um elefante ou uma baleia, ninguém vai mexer com você”, explicou o professor.
Contudo, também existem as desvantagens, e é neste ponto que o LIF6 entra. Isso porque quanto maior o ser, maior sua expectativa de vida e quantidade de células, assim, mais chances de acumular partes do DNA cuja mutação pode levar a uma grave doença.
“Animais grandes e com alta expectativa de vida devem ter desenvolvido mecanismos robustos para ou suprimir ou eliminar células cancerígenas para conseguir viver o quanto conseguem viver, e também atingir o tamanho de um adulto”, detalhou Juan Manuel Vazquez, co-autor do estudo.
Assim, grupos como os elefantes, com tais elementos, foram selecionados pelo ambiente por conseguir sobreviver a estas doenças.
A lógica se repete com humanos – pessoas mais altas têm chances ligeiramente mais altas de ter certos tipos de câncer do que pessoas mais baixas – e o contrário também acontece. Animais pequenos possuem menores chances de desenvolver determinadas condições de saúde.
Por fim, os pesquisadores afirmaram que o LIF6 não é o único responsável pela morte das células, mas que ele faz parte de um processo muito maior. "Muito provavelmente existem mais elementos envolvidos nisso", disse Joshua Schiffman, oncologista pediátrico da Universidade de Utah que considerou a descoberta "incrível".
Esperança para o tratamento do câncer em humanos
Por fim, a nova descoberta pode abrir novos caminhos de pesquisa para o desenvolvimento de tratamentos de humanos com câncer. "Levou 59 milhões de anos de evolução [para os elefantes desenvolverem o gene LIF6]", disse Schiffman, "na minha opinião, são 59 milhões de anos de pesquisa e desenvolvimento. São 59 milhões de anos da natureza tentando criar a melhor solução para evitar o desenvolvimento de cânceres".
Leia também: Poeira da Lua pode causar mutações no DNA humano e potencializar câncer; entenda
A forma exata como o LIF6 induz a morte das células causadoras do câncer ainda não foi descoberta, porém, essa é justamente a nova etapa da pesquisa.