‘São Paulo tem potencial para ser uma das melhores capitais do mundo’

Especialista em recursos hídricos lamenta como os rios foram tratados na capital paulista. Benefícios seriam muitos para os moradores e visitantes

A cidade de São Paulo já é reconhecida por outros países como uma importante capital financeira. Hoje, completando seus 458 anos , os números da maior cidade no Brasil chamam a atenção. Mas, segundo o professor da Escola Engenharia de São Carlos da USP, Eduardo Mario Mendiondo, com um eficiente projeto de revitalização de seus rios, São Paulo poderia impressionar ainda mais e se tornar umas das melhores capitais do mundo.

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Foto: AE
Vista do Rio Pinheiros, em São Paulo, cheio de lixo e garrafas plásticas

“Com um projeto claro e metas objetivas, a potência dos rios Tietê e Pinheiros poderia ser recuperada em 20 anos. São Paulo tem o potencial de ser uma das melhores capitais do mundo”, estima o especialista em recursos hídricos. Para Mendiondo, o renascimento dos rios Tietê e Pinheiros poderia trazer inúmeros benefícios.

A possibilidade de embarcações navegarem pelas águas hoje poluídas e a construção de um hidroviário são vistas como opções para desafogar o caótico trânsito da capital. Esses resultados são possíveis, porém não seriam os únicos. “A qualidade de vida seria a mais beneficiada com as mudanças e o turismo urbano ganharia um salto expressivo”, explica o professor.

Para que um dia os rios Tietê e Pinheiros se tornem navegáveis novamente e aptos para banho, o poder público precisa frear um processo de destruição da biodiversidade que foi iniciado há quatro séculos. Mendiondo afirma que a presença de rios era um problema nos séculos 18 e 19. “Os rios urbanos foram tratados como obstáculo da expansão e, por isso, foram enterrados ou extintos. Muitos paulistanos não sabem quantos rios estão passando embaixo das calçadas e casas”.

Leia a entrevista e saiba como São Paulo pode recuperar seu potencial hidroviário:

iG: Qual é o potencial hidroviário de São Paulo e sua atual situação?
Eduardo Mario Mendiondo:
São Paulo é uma cidade de contrastes. A capital paulista é uma das cidades mais povoadas do mundo e a mais rica em biodiversidade por km2. E isso não está ligado apenas para fauna e flora, mas também a presença de rios grandes, pequenos e médios. Atualmente nos encontramos em uma situação onde os menores rios foram desaparecendo – alguns preenchidos, entubados e até enterrados. Os sobreviventes são os rios maiores, no caso de São Paulo, os rios Tietê e Pinheiros.

iG: Os rios Tietê e Pinheiros são um desafio para SP. Todas as intervenções já realizadas até hoje foram benéficas?
Eduardo Mario Mendiondo:
Eles [Tietê e Pinheiros] só não foram totalmente removidos ou enterrados pelo tamanho que possuem. A primeira intervenção tinha como objetivo retificar os rios. Isso reduziu e muito potencial deles. A biodiversidade indica rios com meandros (curvas generosas) e as intervenções eliminaram isso. As margens retas e de concreto funcionam como uma ponte de safena para o rio. Pode funcionar, mas por não ser algo natural, retira e praticamente elimina sua característica principal.

Foto: Arquivo pessoal
O professor Eduardo Mario Mendiondo

iG: O projeto da construção de um hidroviário pode ser uma realidade para São Paulo?
Eduardo Mario Mendiondo:
Há aproximadamente quatro séculos, os rios que ainda conhecemos permitiam a navegabilidade e banhos. Esse potencial hidroviário pode ser recuperado. Mas isso exige um duro trabalho e a eliminação de um fator crucial: a poluição. Do que adianta conseguir navegar no Tietê e ter que usar máscaras devido ao forte mau cheiro? Precisamos de programas de revitalização mais ambiciosos em termos de longo prazo. O atual projeto municipal peca por somente considerar poluição o que já está no rio e não o que chega nele. Com um plano de ação com metas focadas no tratamento do esgoto (doméstico, industrial e pluvial), os resultados seriam maiores. Um projeto que ignora isso já nasce condenado. Ele pode apresentar resultados no início, mas perderá o fôlego com o tempo.

iG: Porque não é feito e como deveria ser organizado?
Eduardo Mario Mendiondo: É uma ideia cara, mas temos recursos e tecnologias para isso. Com um projeto de revitalização bem estruturado, subsídios cruzados poderão ajudar a financiar o projeto – como a reciclagem do esgoto doméstico, por exemplo. Esse método já é utilizado por outros países no mundo. O esgoto doméstico é riquíssimo em nutrientes e, durante o processo de tratamento, o adubo produzido pode ser comercializado.

O surgimento de um projeto eficiente pede a criação de metas objetivas e transparentes que envolvam a população. O projeto atual não tem essa visão. Do jeito que está, sem participação e clareza, os resultados podem aparecer somente em 40 anos, no mínimo. A participação popular pode ser fundamental para agilizar esse processo. O poder público precisa se esforçar para mudar o paradigma cultural. Os paulistanos precisam ver o rio como uma via de desenvolvimento. Hoje, a via de desenvolvimento para eles é a marginal. 

iG: O que o Brasil ainda não tem e que poderia ser útil para avançarmos na revitalização dos rios?
Eduardo Mario Mendiondo
: Países como França e Estados Unidos reconheceram a importância do tratamento de todos os materiais que vão para o rio. Atualmente, tratamos doméstico e industrial. E o pluvial? Precisamos de uma estação somente para tratar a água da chuva. A contaminação do rio não é só pela indústria como muitos pensam. A enxurrada é pura poluição.

Como disse anteriormente, temos a tecnologia necessária para monitoramento e tratamento desse material. Órgãos como a Sabesp e a Cetesb têm a tecnologia necessária para esse trabalho. Vale pensar que não adianta apenas copiar Paris, na França. Nossa demanda é pelo menos duas vezes maior que a deles. O nível de chuva que temos e subtropicalidade cobram mais do País.  

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