Megaoperação no centro de São Paulo resulta em prisão de cinco alvos, incluindo GCMs

Entre crimes investigados, estão a venda ilegal de armas, exploração de pessoas vulneráveis, receptação de produtos furtados e tráfico de drogas

Prefeitura desativa parte da estrutura de atendimento a usuários na Cracolândia
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil - 10.10.2017
Prefeitura desativa parte da estrutura de atendimento a usuários na Cracolândia

Três guardas-civis metropolitanos e um ex-agente da Guarda Civil Metropolitana (GCM) investigados pelo Ministério Público (MP) por suspeitas de integrar milícia armada na Cracolândia teriam movimentado mais de R$ 3 milhões em dinheiro extorquido de comerciantes da região, aponta megaoperação iniciada na manhã desta terça-feira (6). As informações são do portal de notícias g1.

A operação, chamada Salus et Dignitas (saúde e dignidade, em latim), ocorre no centro de São Paulo, visando desmantelar atividades ilícitas e combater milícias envolvendo agentes de segurança pública, venda ilegal de armas, exploração de pessoas vulneráveis, receptação de produtos furtados e tráfico de drogas, todos sob controle do PCC (Primeiro Comando da Capital) na região.

Até a última atualização da reportagem do portal, cinco dos alvos foram presos pelas forças de segurança da operação, incluindo dois guardas-civis, dois traficantes e o funcionário da empresa. Há outros dois investigados (um GCM e um ex-guarda), que ainda são procurados.

Estes foram os detidos: 

Veja quem são os cinco detidos: Leonardo Moja (Léo do Moinho), um dos chefes do PCC no Moinho; Janaína da Conceição Cerqueira Xavier, suspeita de tráfico de drogas; Antonio Carlos Amorim Oliveira, GCM suspeito de extorquir comerciantes; Renata Oliva de Freitas Scorsafava; Valdecy Messias de Souza, funcionário de empresa de comunicação, suspeito de vender aparelho que dava acesso à frequência de rádio policial.

A operação está executando 85 mandados de busca e apreensão, 48 medidas de confisco e bloqueio de bens, e 45 ordens de suspensão de atividades econômicas e interdição de estabelecimentos. Além disso, foram decretadas prisões preventivas para sete pessoas identificadas como líderes ou figuras-chave desses grupos criminosos.

A ação é coordenada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público. Contam com a participação das polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal, além do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério Público do Trabalho, da Receita Federal, da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e da Secretaria de Assistência Social.

O objetivo é adotar um novo modelo de intervenção, envolvendo vários órgãos públicos para enfrentar a complexidade das atividades criminosas na área, incluindo a cracolândia, conhecida pelo consumo aberto de drogas.

Os promotores do Gaeco explicam que a investigação revelou a cooperação entre diferentes grupos criminosos, criando um ambiente propício para práticas ilícitas e explorando a vulnerabilidade social e a dependência química das pessoas na região.

Esta é a primeira vez que o Gaeco lidera uma operação no centro de São Paulo. Ao contrário das ações da Polícia Civil, a Salus et Dignitas não foca na concentração de usuários de crack, conhecida como fluxo. "Não estamos agindo sobre o fluxo, que é vítima e será sujeito de direitos. Queremos mudar aquele ambiente como um todo", afirma o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco.

Dependentes químicos na cracolândia têm um habeas corpus preventivo para garantir que não sejam presos ou submetidos a internação compulsória durante a operação.

"Tudo começou no ano passado, a partir de uma conversa com o então procurador-geral, Mário Sarrubbo [atual secretário nacional de Segurança Pública], sobre a necessidade de uma intervenção na região da cracolândia que fosse diferente daquelas ações policiais que focam no microtráfico e que acabam atingindo os usuários", explica Gakiya.

Um centro de acolhimento do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) oferecerá atendimento médico, assistência social e emissão de documentos para quem desejar.

Gakiya também alerta para o risco de tumultos pelo PCC durante a operação: "Existe um grande risco de o PCC causar tumulto durante a operação para forçar intervenção policial. Mas não quero um tiro, nem de bala de borracha".

A investigação envolveu medidas cautelares autorizadas judicialmente, como ação controlada, interceptação telefônica, quebra de sigilos bancário e fiscal, além da colaboração de duas testemunhas protegidas que atuaram nas redes criminosas locais. "Quando constatamos que o problema não era só o tráfico de drogas, mas o ecossistema que permite que o tráfico esteja presente, convidamos instituições como a Receita Federal, a PM, a Polícia Rodoviária Federal, que tem grande expertise em desmanches, e o Ministério Público do Trabalho, entre outras, a participarem do trabalho", relata o promotor.

A Prefeitura de São Paulo, comandada por Ricardo Nunes (MDB), não está envolvida na megaoperação, que inclui três guardas-civis metropolitanos (GCM) apontados como líderes de milícias extorquindo comerciantes. Gakiya critica a omissão da prefeitura: "Não dá para chamar [para a operação] quem se omitiu por décadas. Todas as omissões e negligências serão cobradas. Depois, o apoio é bem-vindo."

Relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) mostraram movimentações financeiras suspeitas em contas de três GCMs: Elisson de Assis, Antonio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava, com uma conta movimentando até R$ 4 milhões em quatro anos.

Rubens Alexandre Bezerra, um ex-GCM alvo da Operação Corta-Giro em 2023, é suspeito de vender armas ilegais, incluindo fuzis e pistolas. Investigações indicam que esses equipamentos estão sendo usados na favela do Moinho para evitar a polícia.

O Moinho é conhecido como um centro de operações do PCC e abastecimento do tráfico de drogas da cracolândia. A favela, controlada por Leonardo Monteiro Moja, o Leo do Moinho, também abriga residentes não envolvidos com o crime. Moja, preso em 2021 e liberado em 2023, é suspeito de possuir vários hotéis e comércios na área registrados em nome de laranjas. Esses hotéis, sem alvará, são usados para consumo de drogas, prostituição e como entrepostos de drogas e produtos furtados.

A operação também mira ferros-velhos e galpões de reciclagem irregulares, investigados por condições insalubres e trabalho infantil. Esses locais são envolvidos na receptação de materiais furtados e exploração de pessoas vulneráveis. "Tem garotinho trabalhando em ferro-velho nos mesmos materiais que, lá na frente, vão ganhar um selo verde. Muitas empresas não controlam a cadeia daquilo que compram. E, na reciclagem, tem trabalho degradante. Queremos mexer com isso também", diz o promotor do Gaeco.

Relatórios financeiros detectaram movimentações de mais de R$ 5 milhões em seis meses em alguns ferros-velhos, sugerindo lavagem de dinheiro. "Esse comércio irregular emprega trabalho infantil e análogo à escravidão e faz receptação de material furtado. Será que ninguém está vendo isso? Cabe à prefeitura explicar. O que temos de fazer é dar um basta. E que venha uma empresa legalizada deste setor", avalia o promotor.

A operação também deve atuar em lojas suspeitas de receber peças de celulares roubados, que são vendidas em lojas físicas e virtuais. "A região central de São Paulo tem toda a sorte de negócios ilícitos que são difíceis de enxergar sem um diagnóstico mais profundo. Foi um trabalho de campo e de inteligência", resume Gakiya.

Sobre a diversidade de atividades ilegais, o promotor afirma ter ouvido de uma testemunha protegida que "não existe uma coisa sem a outra". Após a megaoperação, o promotor acredita que cabe ao Estado reocupar o território e transformá-lo em um bem público. "O tráfico não vai acabar nem os dependentes químicos vão desaparecer, e crimes vão continuar acontecendo, mas esse estado de coisas ilegal e a violação sistêmica de direitos de todos, inclusive dos dependentes químicos, deve acabar."