Governo de SP destina R$ 10 para mulheres e repassa 99% a transportes

Deputados articulam entrar com pedido de investigação junto ao Ministério Público para apurar a movimentação da pasta

Foto: Fernando Nascimento/Governo de SP
Tarcísio trocou nome da pasta de transportes para não ter que enviar projeto para criação de nova secretaria destinada às mulheres


O Governo de São Paulo destinou apenas R$ 10 para programas da Secretaria de Política para a Mulheres, enquanto mais de R$ 780 milhões de verba da pasta foram enviados para obras de transporte. A informação foi divulgada pelo UOL e confirmada pelo iG por meio do Portal da Transparência.

Neste ano, a secretaria recebeu cerca de R$ 787 milhões de verbas do Palácio dos Bandeirantes. Desse total, apenas R$ 4,1 milhões foram empenhados na secretaria.

A maior parte dos gastos foi usada em vencimentos e encargos, mas há despesas pagas com planejamento de transportes, subscrição de ações e indenização trabalhista.

Entretanto, para programas destinados às mulheres, o governo estadual destinou apenas R$ 10. Segundo o Portal da Transparência, o valor ainda está em dotação atual e não foi empenhado pela secretaria.

As outras verbas da secretaria ficaram divididas para a antiga Secretaria dos Transportes. Cerca de R$ 10,4 milhões foram empenhados para o departamento hidroviário, enquanto R$ 5 milhões destinados à Companhia Docas de São Sebastião. Se somadas, a dotação inicial para os dois setores ultrapassa a marca de R$ 300 milhões, contra R$ 51 milhões para política em favor das mulheres.

A maior fatia da pasta ficou para o Departamento de Estradas e Rodagem (DER), com o bolo de R$ 768 milhões em verbas. Grande parte do valor foi destinado para obras e instalações, com R$ 632 milhões em investimentos.

A Secretaria de Política para Mulheres era a antiga Secretaria de Transportes do governo de São Paulo. Ao entrar no Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio de Freitas (Republicanos) alterou o nome da pasta para não precisar pedir à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) a criação de um novo braço no governo.

Entretanto, Tarcísio teria mantido a estrutura de antes, sob o comando de Sonaira Fernandes, ex-vereadora de São Paulo e aliada de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O advogado especialista em direito público Lucas Sant’anna disse não ver crime de responsabilidade no caso. Ele explica que Tarcísio de Freitas apenas realocou os valores da Lei Orçamentária Anual (LOA) e que há brechas na lei para as alterações.

“Destinar receita para programas de governo é o que se espera do Poder Executivo. Já era esperado que o Tarcísio a realocação de recursos para pautas que são alinhadas com ele, como transportes. Olho para o que aconteceu, que está na prerrogativa do chefe do executivo em destinar recursos para as pautas dele. Do ponto de vista material não há irregularidades”.

“Ele está trabalhando com a lei orçamentária do governo anterior. Se ele quiser fazer diferente, ele precisa de uma lei para modificar a destinação dos recursos para determinada pasta. É fato que existe uma margem para o governador realocar recursos diferentes do que foi aprovado por meio de decreto, o que me parece que ele fez”

Embora admita não haver problemas jurídicos sobre o caso, Sant’anna lembra que o caso é um problema político e que Tarcísio precisa reorganizar as secretariais do Palácio dos Bandeirantes.

“Essa verba já estava destinada a transporte. Eu não acho que teve desvio de finalidade, a verba estava alocada nos transportes. É um momento de reorganização, eu vejo tudo isso como um problema político e não como problema jurídico. Não vejo uso errado de recursos públicos ou improbidade administrativa”, completou.

Em nota, o governo de São Paulo negou qualquer irregularidade e disse que os recursos da pasta já estavam previstos pela LOA para o setor de transportes. Ainda segundo o Palácio, os programas foram alocados para a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística. O iG confirmou junto ao Portal da Transparência que há outros recursos alocados para o DER e Docas por meio da pasta.

“O valor dos investimentos não é da SP Mulher, a pasta nasceu no exercício de 2023, portanto, após definição da Lei Orçamentária Anual (LOA). As políticas para mulheres têm orçamento garantido pelo Governo do Estado não só para custeio e pessoal como também por meio de projetos intersecretariais articulados pela pasta, que tem papel transversal e de elaboração de políticas públicas, como a sua própria denominação explicita: Secretaria de Políticas para a Mulher. Atribuir à SP Mulher o papel que deve ser (e já é) desempenhado pelas forças de segurança”, afirmou o Palácio dos Bandeirantes.  

Secretaria na mira da Alesp

Os valores dotados da secretaria têm repercutido negativamente na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Deputados articulam entrar com pedido de investigação junto ao Ministério Público para apurar a movimentação da pasta.

Parlamentares afirmaram à reportagem que Sonaira não divulga agenda oficial e que pedidos de informações solicitadas pela Alesp têm sido barrada na secretaria.

“O Tarcísio criou a secretaria e colocou uma antifeminista no comando. É uma secretaria fake, uma secretaria laranja. Queremos que o Ministério Público investigue e se debruce a entender se de fato essa secretaria existe ou está de fachada”, afirmou a deputada Paula Nunes (PSOL), da bancada feminista.

“A secretaria existe, mas ela não existe. O orçamento votado no ano passado na Alesp para o transporte, se mantém para a secretária das mulheres. Por isso a maioria é destinada para os transportes, porque ele não pode ser alterado depois que aprovado pela Alesp”, completa.

Já a deputada Marina Helou (Rede) classificou o caso como “preocupante” e reafirmou as cobranças feitas à secretaria para a destinação de investimentos em políticas para mulheres.

“Considero extremamente preocupante o fato de a Secretaria de Políticas para a Mulher não possuir verba para projetos de defesa das mulheres porque quase todo o recurso que deveria ser usado na pasta está vinculado à Secretaria de Logística e Transporte”, afirmou.

“Com a alta de 24% dos feminicídios e de 5% dos estupros no estado de São Paulo somente este ano, é incabível a falta de investimentos em ações de proteção à mulher. Estive recentemente na Secretaria para apresentar nossas frentes de trabalho na pauta de meninas e mulheres e continuarei a cobrar o Governo nesse sentido”.

Confira a nota completa do governo de São Paulo

" A Secretaria de Políticas para a Mulher é uma pasta articuladora de políticas públicas no Governo do Estado de São Paulo e atua de forma transversal, identificando necessidades e alinhando respostas em parceria com outras secretarias e órgãos do Estado. É a primeira vez que São Paulo tem uma secretaria exclusivamente voltada para as mulheres.

O valor dos investimentos não é da SP Mulher, a pasta nasceu no exercício de 2023, portanto, após definição da Lei Orçamentária Anual (LOA). As políticas para mulheres têm orçamento garantido pelo Governo do Estado não só para custeio e pessoal como também por meio de projetos intersecretariais articulados pela pasta, que tem papel transversal e de elaboração de políticas públicas, como a sua própria denominação explicita: Secretaria de Políticas para a Mulher. Atribuir à SP Mulher o papel que deve ser (e já é) desempenhado pelas forças de segurança.

Denominação da pasta

Importante destacar que a SPMulher utiliza o CNPJ da então denominada Secretaria de Logística e Transportes (SLT), pasta cujas atribuições foram transferidas para a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística. A denominação da SLT foi alterada, nos termos do Decreto n° 67.435, de 1° de janeiro de 2023, para Secretaria de Políticas para Mulher, por ser o instrumento normativo adequado para, nos termos do artigo 47, XIX, "a", da Constituição Estadual, dispor sobre organização e funcionamento da administração estadual.

Ações da SP Mulher

Em seis meses, a pasta já articulou parcerias em seus três pilares – saúde, empreendedorismo e proteção à mulher. Um dos exemplos é a coordenação do Grupo de Trabalho Estabelecimento Amigo da Mulher, formado para regulamentar as Leis nº 17.621 e 17.635, no combate à violência contra a mulher em bares, restaurantes, casas noturnas e eventos. Foram realizadas 13 reuniões entre os órgãos envolvidos e as Secretarias da Casa Civil; de Segurança Pública; da Saúde, de Turismo e Viagens; do Desenvolvimento Social; da Educação; do Desenvolvimento Econômico e da Justiça e Cidadania, além da Procuradoria Geral do Estado. A SP Mulher fechou acordo com a Universidade Virtual do Estado de São Paulo para capacitar os profissionais que trabalham nos bares e restaurantes. Ainda em julho deve ser aprovado o texto da regulamentação da Lei que está em fase final.

Outro destaque foi o evento "Mães de São Paulo", realizado em maio, que marcou o lançamento do Grupo de Trabalho do Núcleo de Acolhimento e Inclusão de Mães Atípicas (Naim). Além disso, no dia 6 de junho, ocorreu o evento “Junho Lilás – Teste do Pezinho”, no Memorial da América Latina. O encontro reuniu especialistas, autoridades e profissionais da saúde para discutir os reflexos dessa triagem neonatal e os avanços alcançados no município.

O Governo de São Paulo e a Secretaria de Políticas para a Mulher sancionaram a Lei nº 17.626 de 07 de fevereiro de 2023, garantindo o pagamento de auxílio aluguel para mulheres vítimas de violência. Por meio da Portaria CIB/SP nº 12 de 15 de abril de 2023, os recursos necessários para o pagamento do auxílio aluguel para mulheres vítimas de violência já foram garantidos, o que está sendo regulamentado pela Secretaria de Desenvolvimento Social. Em 17 de fevereiro deste ano, foi sancionada também A Lei nº 17.637 que institui a Política Estadual de Qualificação Técnica e Profissional e dispõe sobre a preferência de vagas às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Estado.

Em parceria com a Desenvolve SP, a Secretaria tem divulgado as Linhas de Crédito Desenvolve Mulher e Desenvolve Mulher Sustentável, voltadas para empreendedoras, um total de R$ 50 milhões em créditos. Até agora, isso já ocorreu em Campinas, São José do Rio Preto, Embu das Artes, Birigui, Sorocaba, Mogi das Cruzes, Poá, Ribeirão Preto, Monte Alto, Sete Barras, Salesópolis, Lins e Cândido Mota. "