Apenas dez pessoas receberam um total de R$ 992.345,19 dos pagamentos da “folha secreta” do Ceperj este ano. A lista seleta — na qual cinco dos favorecidos retiraram, cada um, mais de R$ 100 mil — revela outros nós da teia política que pode estar por trás das contratações temporárias para projetos do governo do Rio investigados pelo Ministério Público estadual (MPRJ).
O histórico de funções no governo exercidas por um dos beneficiados, Thiago Ribeiro de Paula, revela, por exemplo, que, a partir de abril de 2020, segundo a descrição de seu perfil no Linkedin, ele foi assessor especial na vice-governadoria fluminense, quando a cadeira era ocupada pelo hoje governador Cláudio Castro (PL), antes do afastamento de Wilson Witzel (PMB). Procurado, o Palácio Guanabara não retornou.
A relação tem ainda servidor: além das ordens de pagamento do Ceperj, Frederico Aldabalde Munck Machado tem cargo comissionado na Secretaria estadual da Casa Civil, mas que ao longo deste ano recebeu sua remuneração mensal de cerca de R$ 5 mil por operações em outra pasta, a de Governo, ocupada até abril passado por Rodrigo Bacellar (PL), atual líder do governo Castro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Presidentes de órgãos
Dois ex-presidentes de órgãos estaduais também figuram na lista: Elizabeth Valle Viana Paiva, que esteve à frente da Fundação Departamento de Estradas de Rodagem (DER) em 2020; e o próprio Thiago Ribeiro de Paula, que foi presidente da Superintendência de Desportos do Rio (Suderj), em 2019, além de ter sido nomeado em maio de 2020 diretor de administração e finanças da Fundação Leão XIII — órgão pelo qual, segundo a Transparência do estado, neste mês de agosto está recebendo uma remuneração mensal bruta de R$ 11 mil por um cargo comissionado. Tanto a Leão XIII, quanto o DER eram subordinados à vice-governadoria, antes de Castro assumir o cargo de governador.
Dos três, Elizabeth foi quem recebeu valores mais vultosos do Ceperj: R$ 114.149 (o segundo o maior acumulado dos pagamentos da fundação). Já Thiago foi o quarto do ranking, com R$ 102.398; e, Frederico, o sétimo, com R$ 95.455. No caso de Thiago, ele realizou 14 saques ou transferências entre janeiro e julho deste ano, às vezes duas operações no mesmo dia, todas de valores entre R$ 7.250 e R$ 7.399 cada uma, para as quais utilizou quatro diferentes agências bancárias.
O campeão em retiradas, no entanto, conforme mostrou reportagem do UOL, foi o jornalista Fabrício Manhães Cabral (R$ 122,8 mil de janeiro a julho). Ao site, ele disse que foi indicado por um vereador de Campos dos Goytacazes, Helinho Nahim (Agir), aliado de Rodrigo Bacellar. Ele não soube explicar, no entanto, o que fazia no Ceperj. A fundação, em nota, disse ao site que Cabral era “superintendente de projetos”.
Ao todo, com base numa planilha entregue pelo Bradesco, o MPRJ identificou 27.665 pessoas físicas favorecidas este ano em ordens bancárias de pagamento emitidas pelo Ceperj, incluindo funcionários da Alerj e pessoas com cargo no governo.
“A possibilidade de contratação por Recibo de Pagamento Autônomo – RPA também pode ser utilizada como burla à vedação constitucional à acumulação de cargos públicos”, afirmou a ação civil pública do MPRJ, citando o caso de Elizabeth.
Há 35 anos como funcionária da Fundação DER, ela disse ao GLOBO, no entanto, que não acumulou cargos, uma vez que gozava de licença-prêmio e férias atrasadas. Elizabeth explicou que dava consultoria num estudo para o desenvolvimento do Observatório de Mobilidade do Rio, e em outro sobre tratamento de resíduos sólidos, ambos, segundo ela, em fase embrionária.
"Não tenho indicação política alguma. Comecei como auxiliar técnico, me tornei engenheira e cheguei a ser presidente do DER. Minha vida pública sempre foi correta. Estou reunindo os documentos para apresentar ao Ministério Público. Eu estava amparada pela lei estadual 5.361/2008, que autoriza o servidor público a participar de projetos de inovação e atividades de transferência de tecnologia. Não tinha cargo, nem função", disse a engenheira, que entrou com pedido de aposentadoria.
De acordo com a engenheira, a pesquisa sobre mobilidade tinha como objetivo identificar o transporte de massa mais favorável para determinadas regiões.
"Mais uma vez o estado ficará sem esse benefício. Não tenho como ficar nessa explosão de coisas", afirmou Elizabeth, que, segundo a Transparência estadual, tem salário de cerca de R$ 17,5 mil no DER.
‘Fiscal da natureza’
Completam a lista dos cinco que, no conjunto de saques, receberam mais de R$ 100 mil do Ceperj, Laryssa Tamara dos Santos (R$ 106.024) e Georges Luiz Bonnet (R$ 100.896). Este último se descreve como “engenheiro aposentado pela Uerj, fiscal da natureza e bolsonarista desde criancinha”. Contratado pelo Ceperj para atuar no Observatório do Pacto RJ, o nome dele não foi reconhecido por nenhuma pessoa ligada ao projeto ouvida pelo GLOBO. Procurado, ele não respondeu aos contatos. O GLOBO tampouco localizou os demais citados.
Estendida a lista até os 15 que mais sacaram ou transferiram pagamentos do Ceperj (todos com mais de R$ 75 mil recebidos), aparecem ainda mais dois favorecidos que, ao longo deste ano, também têm salários por cargos comissionados no governo: um na Secretaria de Governo que já foi comandada por Bacellar e outra na Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento.
Como O GLOBO mostrou ontem, na sangria da folha secreta do Ceperj, houve ainda um grupo de 36 pessoas que fez saques em dinheiro ou transferências de mais de R$ 21 mil, em retiradas únicas em agências do Bradesco, todas em maio. O GLOBO identificou entre os beneficiados professores, pequenos empresários e até um ex-candidato a deputado estadual.
O Ceperj, por sua vez, diz que, desde 18 de julho, o governo criou uma comissão, coordenada pela Casa Civil, para fazer auditoria em todos os projetos. “A comissão está indo aos locais para verificar o devido funcionamento dos programas, além de cruzar os dados dos contratados para identificar possíveis irregularidades. Os pagamentos dos contratados estão suspensos”, afirma em nota.
O GLOBO errou ao informar que o deputado Rodrigo Amorim era casado com Vivian Vicentini Kuss, diretora de contratações do Ceperj.
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A denúncia que desataria a crise do Ceperj foi publicada pelo site UOL em 30 de junho, indicando a contratação pela fundação de mais de 18 mil pessoas, sem transparência, com postos usados em parte para alocar apadrinhados de aliados do governo. Dias depois, em 17 de julho, o RJ2, da Rede Globo, exibiu relatos de ex-funcionários que denunciavam o repasse de parte dos salários à direção do órgão, o que configuraria as chamadas “rachadinhas”. As suspeitas causaram mais impacto no governo quando o Ministério Público estadual (MPRJ) ajuizou uma ação civil pública, em 31 de julho, na qual calculava-se que só os saques em dinheiro, na “boca do caixa”, da folha secreta, chegavam a quase R$ 226,5 milhões.
A investigação trazia detalhes de que projetos vinculados ao Ceperj, em parcerias com outras secretarias, realizavam as contratações. O Esporte Presente e o Agentes de Trabalho e Renda (com atuação nas Casas do Trabalhador), apontaram os promotores, eram os que, até julho, tinham consumido mais recursos em pagamentos de pessoal.
Na última quarta-feira, O GLOBO mostrou que, em parte das Casas do Trabalhador, funcionários passavam os dias ociosos, com poucos serviços oferecidos à população. O governo determinou o fechamento desses espaços, para a realização de auditoria. Também na quarta, a 15ª Vara de Fazenda Pública decidiu que o Ceperj e o estado deveriam se abster das contratações temporárias, bem como de realizar novas remunerações sem dar publicidade a informações como nome e CPF de cada recrutado.
Enquanto isso, com base numa planilha entregue ao MP pelo Bradesco (banco em que eram feitos os pagamentos do Ceperj), foram identificados ao menos 12 assessores de vereadores de Campos de Goytacazes aliados de Rodrigo Bacellar (PL), líder do governo de Cláudio Castro na Assembleia Legislativa do Rio, que recebiam recursos do Ceperj. Funcionários da Alerj também figuram entre os favorecidos, assim como ao menos 20 políticos que concorreram em eleições no Rio desde 2018, incluindo candidatos do próximo pleito.
Castro se manifestou nas redes sociais na quinta-feira, dia em que o presidente do Ceperj, Gabriel Lopes, pediu exoneração do cargo. O governador sugeriu um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPRJ, proposta que foi entregue na última sexta-feira, segundo nota do governo, para “corrigir as falhas e dar total transparência aos importantes programas sociais vinculados à Fundação Ceperj”.
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