Crivella diz que Rio ''dominou pandemia'' e já calcula volta à normalidade

Prévisão é de técnicos da própria prefeitura. Nesta segunda, o prefeito incluiu igrejas e templos na lista de atividades essenciais

Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro
Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro

RIO — O prefeito Marcelo Crivella disse nesta segunda-feira que considera que a pandemia do Covid-19 está dominada na cidade. O prefeito argumentou que começa a existir uma redução de casos no Rio e já se sente relaxado o bastante para, assim que der, dar um mergulho no mar, o que ele não faz desde que assumiu o cargo em 2017.

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O processo de volta à normalidade, no entanto, pode levar ainda tempo. Na hipótese mais otimista, pelo menos 75 dias a partir do momento em que setores da economia forem sendo reabertos, segundo técnicos da própria prefeitura:

— Nós hoje dominamos a pandemia. No sentido que previmos todas as ondas. Não tivemos o caos, graças ao bom Deus. A saúde estadual teve algumas dificuldades. Esta semana chegam mais equipamentos que poderemos ceder a outras unidades, inclusive privadas. Cabe lembrar que os leitos do Rio de Janeiro não são da cidade, mas da Região Metropolitana do Rio - disse Crivella.

O assessor especial da Casa Civil, Alexandre Campos, diz que quinzenalmente são feitas avaliações sobre o comportamento da doença para decidir sobre aberturas progressivas de serviços:

- A gente está falando se tudo der certo de 75 dias se o mundo for perfeito a partir do dia em que o processo de reabertura começar. As avaliações sobre a evolução dos casos têm que ser feitas a cada 15 dias. Estamos falando de cinco ciclos.

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A secretária municipal de Saúde, Beatriz Busch, diz que começa a perceber uma redução na demanda por atendimento de pacientes do Covid -19 nos hospitais da prefeitura.

- A gente começa a perceber a diminuição de demanda. As pessoas não tem ido mais tanto às UPAS. Esse é o dado mais fidedigno que temos. Estamos construindo protocolos para todas as atividades. O que não quer dizer uma abertura imediata. O fato é que não aconteceu o colapso como se imaginava há 15 dias - disse Beatriz Busch.

Ao liberar igrejas, Crivella descumpre recomendação de seu próprio Comitê Científico

A decisão do prefeito Marcelo Crivella de liberar atividades em igrejas e templos religiosos vai na direção contrária do que o Comitê Científico, convocado pela própria prefeitura, havia recomendado no último sábado. Dois médicos que estiveram no encontro com o prefeito afirmaram ao GLOBO que ficaram "surpresos" ao terem conhecimento do novo decreto.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj), Sylvio Prozano, e o professor da UFRJ Celso Ramos explicaram que o comitê recomendou a continuidade das proibições de eventos que causam aglomerações, e o caso da igreja foi justamente usado como exemplo do que não deveria ser liberado, devido ao seu alto potencial de se transformar em vetor de contágio. Segundo eles, em nenhum momento o prefeito havia feito menção à possibilidade dessa flexibilização.

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O comitê é formado por especialistas, como médicos, epidemiologistas, economistas e matemáticos, além de Crivella e integrantes da prefeitura. A última reunião, no sábado, que terminou dividida em duas sessões, foi convocada após o prefeito ter se reunido com o presidente Jair Bolsonaro e também ter recebido, por parte de representantes de setores econômicos, sugestões de planos de abertura gradual de atividades.

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Membros do comitê fazem cálculos contínuos sobre reprodução do Covid-19 na capital e, há 10 dias, o prefeito anunciou que houve queda na velocidade de contágio. Entretanto, os médicos explicaram que esse ritmo de transmissão, mesmo em queda, ainda está distante do ideal, usando por exemplo o parâmetro na Europa quando atividades foram liberadas.

Caso nos EUA de contágio em igreja foi apresentado na reunião

O professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Celso Ramos, disse que, inclusive, usou na sua apresentação um exemplo de como a liberação de igrejas causou o retorno dos casos de infecção numa pequena cidade nos EUA, no Arkansas. Naquela ocasião, de acordo com a revista MMWR (Morbidity and Mortality Weekly Report), no início de maio, duas pessoas com coronavírus participaram de uma missa, o que acabou contagiando 35 das 92 pessoas presentes, e três faleceram. Posteriormente, outras 26 pessoas da cidade de contagiaram e mais uma veio a óbito.

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— Usei esse exemplo, propositalmente, na minha apresentação sobre riscos de transmissão. Naquele caso, o cenário havia melhorado e as pessoas voltaram às igrejas. Mas, a partir daí houve um novo surto na cidade — afirmou Ramos, que negou que uma possível abertura do comércio ou de igrejas no Rio tenha sido tema na reunião, e soube do novo decreto pelo GLOBO. — Essa decisão surpreende.

'Esforço danado para evitar isso'

A informação é confirmada pelo presidente do Cremerj, Sylvio Prozzano.

— O anúncio de hoje me surpreende. (Tivemos um) esforço danado no sábado para evitar isso — disse Prozzano, que é contra a abertura de igrejas. — Em momento algum foi feito qualquer tipo de comentário sobre abertura de igreja. Pelo contrário, o que a gente manteve nessa reunião foi a importância de evitarmos aglomeração a todo custo. Estamos diante de uma pandemia, doença nova, com dinâmica própria, e que estamos aprendendo a conhecer.

Prozzano destacou que "a cada semana temos vários números novos", e, por isso, a partir das estatísticas são debatidas possibilidades de afrouxamento ou aperto do isolamento. Ele confirma que, nas últimas semanas, a velocidade de contágio por Covid-19 diminuiu na população, mas que isso ainda é insuficiente.

— Números mostram queda de velocidade de contágio, mas não no patamar ideal. Então não convém botar tudo por terra. O afrouxamento, quando começar, vai ser seletivo, evitando aglomerações. Isso que foi conversado no sábado. Até porque não é somente setores da economia que querem abrir, mas há vários procedimentos interrompidos, como cirurgias eletivas — explicou o médico.

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Há 10 dias, o prefeito falou que a curva de contágio na capital estava se reduzindo pela primeira vez desde o início da pandemia.

"A curva, que estava em 0.06, agora caiu para 0.04, e isso é uma grande vantagem. Mas alerto que a situação é mais ou menos como um regime, em que a pessoa tem 1,7 m e pesa 100kg, mas quer voltar para os 70kg. Perder os primeiros 20kg é fácil, mas para os últimos 10kg, a luta é grande", afirmou Crivella naquela ocasião.

Esse é um dos parâmetros usados pelo comitê. O outro, é o de cálculo da reprodução da doença, ou seja, para quantas pessoas um infectado dissemina a doença. Segundo Celso Ramos, esse índice atualmente está em 2,3 (cada infectado contagia outras 2,3), sendo que no início da pandemia estava próximo a 4. Ele credita a redução da disseminação ao distanciamento social. O patamar, porém, ainda estaria muito acima do observado na Europa quando países começaram a liberar atividades.

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— Há informações, inclusive de internações em hospitais particulares da Zona Sul, de que a velocidade do contágio diminuiu recentemente. Mas longe ainda de atingir o nível necessário de imunidade coletiva — afirmou Ramos, que explicou como funciona o cálculo da imunidade coletiva. — Num vírus altamente transmissivo, como o Sarampo, por exemplo, era preciso que ao menos 95% da população estivesse imunizada para acabar a epidemia. No caso do Covid-19, para uma reprodução nível 2,5 (próximo ao que vivemos), seria preciso cerca de 60% da população imunizada para acabar a epidemia, o que é muita coisa. Se esse índice de reprodução da doença (R) diminuir, a curva da epidemia é prolongada, com número total menor de infectados. Por isso que se você liberar as aglomerações, a reprodução aumenta, e então teremos mais infectados e mais mortos.

Nova reunião nessa semana

Diferentemente do Comitê Científico do governo estadual, oficializado por Diário Oficial, o grupo da prefeitura não é fixo e as reuniões costumam ser marcadas com pouco tempo de antecedência. Nessa semana, um novo encontro deve acontecer, mas ainda sem data marcada. Segundo algumas pessoas que já participaram do encontro, o prefeito Crivella costuma ser um "ouvinte atento" e frequentemente acata as recomendações dos especialistas. Até por isso, o decreto desta segunda foi uma surpresa.

O prefeito anunciou nessa segunda-feira que publicará um decreto em edição extra no Diário Oficial incluindo igrejas e outros templos religiosos entre as atividades que não têm qualquer restrição para funcionamento na cidade. As missas e cultos, no entanto, deverão seguir algumas orientações, como disponibilização de álcool em gel, distanciamento mínimo de dois metros entre frequentadores e o uso obrigatório de máscara para o acesso e permanência nos templos. A mesma regra vale para atividades externas aos cultos. O decreto não proíbe a presença de idosos ou pessoas com comorbidade mas diz que pessoas com 60 anos ou mais, que tenham diabetes, câncer e outras doenças devem dar preferência a cultos on-line.