Chacina em Realengo
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undefined | 02/06/2011 06:00:30Doze crianças morreram assassinadas na manhã de 7 de abril, uma quinta-feira ensolarada, na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro. Foi o maior massacre ocorrido em uma instituição de ensino no País. Um ex-aluno, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, entrou no colégio e disparou contra os estudantes. Dez das vítimas eram meninas. Todos os mortos tinham entre 12 e 14 anos. Além das vítimas fatais, outras 11 crianças tiveram de ser internadas com ferimentos de bala. Cercado por PMs, ele se matou com um tiro na cabeça, segundo a polícia.
Antes de praticar o crime, Wellington gravou uma série de vídeos em que, de forma muitas vezes desconexa e confusa, explicava suas motivações e incentivava outras pessoas a seguirem o seu exemplo. Faz citações religiosas em uma colagem que incluía pregações, católicas, neo-pentecostais e alusões ao islamismo.
Nas imagens divulgadas ele se queixava de ter sofrido bullying no tempo em que estudou quando criança na Tasso da Silveira. E dizia que estava se vingando das humilhações sofridas. “Era agredido, humilhado, ridicularizado. Às vezes que mais doíam eram quando eles praticavam essas covardias contra mim e todos em volta riam, debochavam e se divertiam, sem se importar com meus sentimentos. O que mais me irrita hoje é saber que esse cenário vem se repetindo sem que nada seja feito contra essas pessoas covardes e cruéis”, afirmou. “Escola, colégio e faculdade são lugares de ensino, aprendizado e respeito. Se tivessem descruzado os braços antes e feito algo sério neste tipo de prática, provavelmente o que aconteceu não teria acontecido”.
Ele também deixou textos em que falava do planejamento do crime, do objetivo de se matar após a ação e dava orientações para o próprio enterro – não poderia ser tocado por “impuros” e doava para instituições que cuidam de animais a casa em que vivia, em Sepetiba, na zona oeste do Rio. Foi lá que a polícia descobriu o material, apreendido para investigação. A casa foi depredada e pichada após o crime.
O dia da chacina
No dia da chacina, o assassino chegou à escola no intervalo entre o primeiro e o segundo tempo, pouco antes das 8 horas. Vestia calça e camisa social comprida. Levava também dois revólveres, um calibre 38 e outro calibre 32 com a numeração raspada, muita munição no cinto de guarnição usado por policiais. Identificou-se como ex-aluno e passou pelo portão de entrada. A escola que está localizada em um prédio de quatro andares, o andar térreo e mais três, fica em um bairro popular, afastado do centro do Rio e da zona sul, a área mais rica da cidade.
Em sua ação, Wellington priorizou os estudantes, poupando os professores – nenhum foi ferido. Antes de começar a atirar ele chegou a conversar na sala de leitura, no térreo, com uma funcionária que havia lecionado para ele, sem demonstrar suas intenções.
“Você veio para a palestra?”, perguntou a professora Dorotéia, referindo-se à semana de comemorações pelos 40 anos da escola, em que ex-alunos falariam com os estudantes. “Sim, eu vim. Queria falar com a senhora”, respondeu o atirador. Como estava ocupada, Dorotéia pediu que ele esperasse um momento. "Agora não dá, espere um pouco."
Após aguardar alguns minutos, Wellington subiu a escada em direção ao primeiro andar. Vestiu luvas pretas e preparou os revólveres. O segundo tempo de aula tinha acabado de começar, e os corredores da escola estavam vazios. Ele entrou na sala 1803 e começou a disparar, sem falar nada.
As primeiras vítimas foram alunas sentadas nas primeiras carteiras, à frente da sala. Após ouvir os primeiros disparos, alguns professores e alunos de outras turmas pensaram que fossem balões de festa infantil estourando. Os tiros continuaram, sem parar, e começaram os gritos. “Vira para a parede, que eu vou matar você! Você vai morrer!”, Wellington dizia às vítimas e, em seguida, ouvia-se uma série de disparos.
Em seguida, Wellington saiu da primeira sala e foi para o corredor, onde recarregou as armas. Entrou na sala em frente, 1801, do 8º ano, durante a aula de português da professora Patrícia. Sem falar nada, passou a disparar, a curta distância, em direção às crianças. O assassino aparentava frieza e calma.
As meninas foram mais atingidas na cabeça e no tórax; os meninos levaram tiros nos braços e pernas. O atirador andava de um lado para o outro na frente da sala e entre as carteiras. Fazia mira longamente e disparava contra as crianças, ignorando seus apelos por não atirar. “Pelo amor de Deus, não me mate!”, pediam alguns alunos.
Mateus Moraes, 13, era o único em pé, na frente da sala. Muito nervoso, orava e pediu ao assassino que não o matasse. “Fica tranquilo, gordinho, que não vou te matar”, disse Wellington, em provavelmente seu único ato de clemência. “Deus me protegeu”, acredita Mateus, fiel da Assembleia de Deus. Em sua sala, ao menos sete foram baleados. O assassino saiu da sala cinco vezes para recarregar as armas, usando o dispositivo “speedloader”, para tornar a operação mais rápida.
Após o assassino entrar na segunda sala, alguns alunos conseguiram fugir da sala 1803, a primeira, e desceram correndo e ensanguentados para a rua. Dois estudantes foram até a Rua Piraquara e avisaram PMs que faziam uma blitz na rua, a cerca de dois quarteirões da escola.
Três policiais militares correram até a escola e subiram em direção ao primeiro andar. Na dianteira do trio, o terceiro-sargento Márcio Alexandre Alves viu o criminoso sair de uma sala com um revólver em punho. Ao se deparar com o policial, Wellington tentou correr em direção à escada de acesso para o segundo andar. Alves disparou contra o criminoso – acertando-o no abdômen. De acordo com o policial, Wellington caiu próximo da escada de acesso ao segundo andar e se suicidou com um tiro na cabeça.
As aulas só foram retomadas 11 dias após a chacina. Logo depois da tragédia, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, anunciou que as vítimas receberiam ajuda e seriam indenizadas pelo poder público. No entanto, não foram definidos os valores que serão pagos, quem receberá e quais os prazos de pagamento.
O massacre causou comoção nacional e atraiu a atenção da imprensa estrangeira. O enterro das vítimas foi acompanhado por mais de mil pessoas. Cem tiveram que ter atendimento médico.
Inicialmente houve quem atribuísse motivações religiosas para o ataque de Wellington por causa da carta achada no dia da travessa. Vídeos, textos e depoimentos subsequentes acabaram por eliminar essa hipótese.
O início e o fim
Wellington não foi criado pelos pais. Foi adotado quando nasceu. Um dos seus quatro irmãos de criação contou que a mãe biológica de Wellington tinha problemas mentais e que teria tentado o suicídio. O assassino de Realengo era descrito como uma pessoa introspectiva por quem o conheceu. Ele chegou a passar por consultas com psicólogos, mas não prosseguiu com o tratamento.
Segundo uma irmã de criação, ele não tinha amigos, vivia na frente do computador e andava “estranho”, “com a barba muito grande” desde que a mãe de adoção morrera há dois anos. Wellington deixou a casa em meados no início do segundo semestre do ano passado. O primeiro vídeo em que fala do bullying e evidencia o desejo de uma ação criminosa é datado de julho.
Por volta da mesma época, Wellington perdeu o emprego . Em agosto, foi demitido da fábrica de alimentos embutidos onde trabalhava havia dois anos e meio. O motivo, segundo superiores do atirador, foi uma queda repentina de rendimento. Sem contato com a família, sem amigos e sem rendimentos, não se sabe como viveu até o dia da chacina.
Na primeira frase da carta deixada por Wellington no local da tragédia constava a “ordem” para que seu corpo não fosse tocado por “impuros”’ sem luvas. “Somente os castos ou os que perderam suas castidades após o casamento e não se envolveram em adultério poderão me tocar sem luvas”. “Nenhum fornicador ou adúltero poderá ter contato direto comigo, nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue”. E pediu que fosse enterrado ao lado da mãe adotiva no cemitério do Murundu, envolto em um lençol branco. “Os que cuidarem de meu sepultamento deverão retirar toda a minha vestimenta, me banhar, me secar e me envolver totalmente despido em um lençol branco”.
O cadáver de Wellington ficou 15 dias na geladeira do IML à espera que algum parente reclamasse o corpo. Como isso não aconteceu, ele foi enterrado como “sepultado não reclamado identificado” no cemitério do Cajú, longe da mãe. Sem alguém para pagar por seu enterro, o assassino da escola de Realengo ganhou uma cova rasa, sem direito a túmulo, lápide ou o lençol branco que pedira em seu testamento.