
O projeto de lei Antifacção ( PL 5582/2025), aprovado na última terça-feira (18), na Câmara, após muita divergência, apresenta mudanças na questão do armamento, endurecendo o tratamento penal de armas nas mãos de facções e também de milícias.
A avaliação é do advogado e palestrante Emanuel Pessoa, Mestre em Direito por Harvard, que, a pedido da reportagem do Portal iG, analisou o tratamento dado à questão das armas no texto aprovado.
Segundo ele, o PL 5582/2025 trata de armamento basicamente em três blocos do texto: na definição do novo crime de “domínio social estruturado”, nas causas de aumento de pena ligadas ao uso de armas e nas regras de apreensão de bens, que tratam especificamente de armas de fogo.
De acordo com Pessoa, no coração do projeto, o novo crime de “domínio social estruturado” lista um conjunto de condutas típicas de facções e milícias e duas delas tratam diretamente de armamento.
Ele destaca o dispositivo que fala em empregar ou ameaçar por meio de armas de fogo e explosivos, inclusive com barricadas, bloqueios, incêndios e destruição de vias para restringir deslocamento e ação policial
.
E aponta também o inciso que menciona “usar explosivos, armas de fogo ou equipamentos para prática de crimes contra instituições financeiras, bases de valores ou carros-fortes, ou para interromper fluxo terrestre, aéreo ou aquaviário”, com o objetivo de dificultar a atuação do Estado.
"Essas condutas, quando praticadas por integrante de organização criminosa, paramilitar ou milícia privada, passam a ser enquadradas no novo tipo penal, com pena base de 20 a 40 anos de reclusão", explica o especialista.
Aumento de penas
Nas causas de endurecimento de pena ligadas ao uso de armas, o texto aprovado menciona aumento de 2/3 das penas de posse e porte irregular de arma de fogo de uso permitido ou restrito, quando o crime é cometido em concurso ou ligado ao tráfico de drogas.
"Isso dialoga com o Estatuto do Desarmamento, endurecendo a resposta quando a arma está vinculada à dinâmica das facções" , avalia ele.
Considerando esta questão, segundo ele, a ligação entre armas e tráfico fica mais cara com o PL.
"A mensagem é: arma mais tráfico é igual a uma punição bem mais dura, ainda que o tipo básico continue sendo do Estatuto do Desarmamento", completa.
Apreensão de bens
Já na parte que trata de apreensão de bens e valores obtidos com o crime organizado, aparece uma regra específica sobre armamento, segundo o advogado.
Ele se refere ao dispositivo que altera o Código de Processo Penal (novo art. 144-B). Neste caso, o projeto prevê que, mesmo comprovada a origem lícita do bem, o juiz só pode liberá-lo “exceto quanto a armas de fogo, hipótese em que se observará a l egislação específica
”.
"Na prática, o projeto afasta a devolução automática de armas apreendidas. Ou seja, na parte processual, o PL cria regra segundo a qual, ainda que o investigado prove a origem lícita do bem apreendido, armas de fogo não podem ser simplesmente liberadas, devendo seguir o regime especial da legislação de armas. É uma forma de blindar armas apreendidas no contexto de facções, dificultando a devolução", analisa ele.
Emanuel Pessoa encerra mencionando ainda outra questão importante tratada no projeto
"Considerando a disputa política sobre flexibilização do armamento, versus endurecimento, após forte negociação, a ênfase desloca-se claramente para armas na mão do crime organizado e não para ampliação de armas para civis", finaliza o advogado.
Avanço importante contra o crime organizado
Para o advogado João Paulo Ribeiro, que também avaliou o PL Antifacção a pedido do iG , trata-se de um avanço importante no fortalecimento do Estado diante do crime organizado, modernizando instrumentos de repressão e responsabilização.
No entanto, ele salienta que é fundamental que sua implementação observe rigor técnico e respeito absoluto ao devido processo legal, para que conceitos como “facção” e “organização criminosa” não sejam aplicados de forma ampla ou imprecisa, gerando responsabilizações desproporcionais e insegurança jurídica, especialmente para cidadãos e empresas que operam em setores expostos a riscos territoriais ou regulatórios.
"Como advogado, considero que o combate às facções precisa ser firme, mas jamais pode se transformar em mecanismo de violação de garantias constitucionais. Uma lei forte sem estrutura adequada de investigação, defesa, perícia e fiscalização tende a produzir nulidades e excessos", defendeu Ribeiro.
Para ele, o equilíbrio entre eficiência repressiva e preservação de direitos é o que mantém a diferença entre um Estado Democrático de Direito e qualquer modelo autoritário.
"O desafio é avançar no enfrentamento ao crime sem abrir brechas para abusos que fragilizem a segurança jurídica de toda a sociedade", conclui.