
Os efeitos das mudanças climáticas estão cada vez mais severos, ocasionando o aumento da temperatura global, perda da biodiversidade, eventos climáticos extremos, crises hídricas e alimentares. Com isso, cresce a busca por alternativas que garantam o futuro da produção alimentícia sustentável em nosso planeta.
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De acordo com um levantamento feito pelo Observatório do Clima, a partir de dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a produção de alimentos no Brasil respondeu por 74% das emissões de gases de efeito estufa em 2021.
Entre os gases lançados na atmosfera nos processos de produção de alimentos, estão o gás carbônico, liberado quando áreas de vegetação nativa são convertidas em lavoura e pastos, e o metano, proveniente do arroto do gado, por exemplo.
As emissões também ocorrem durante o processo da queima de combustíveis fósseis em máquinas agrícolas, no transporte de alimentos, uso de energia na agroindústria e em supermercados.
Desde 2019, quando o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) publicou seu relatório sobre Mudança Climática e Terras, as emissões de gases de efeito estufa de sistemas alimentares passaram a fazer parte das negociações internacionais de mudanças climáticas.
Nesse cenário, a Amazônia se destaca com ingredientes típicos da floresta, considerados alimentos do futuro. Espécies como o açaí, o tucupi, o jambu, cogumelos de floresta, farinha de pupunha, castanhas, por exemplo, são resilentes e conseguem se adaptar à condições climáticas extremas, além de serem nativos e extremamente nutritivos.
O cultivo desses alimentos na região amazônica surge como um contraponto aos impactos ambientais causados pela indústria alimentícia, demonstrando que é possível produzir alimentos de alto valor nutricional, cultural e de mercado, sem destruir a floresta, por meio do extrativismo sustentável, da agricultura familiar e do sistema de agroflorestas.
COP30 como vitrine para culinária amazônica
Durante a COP30, que será realizada entre os dias 10 e 21 de novembro em Belém, a culinária do Pará e os ingredientes da região amazônica devem ficar em evidência, como exemplos de sucesso na aplicação da bioeconomia em sistemas alimentares.
O estado é um dos polos da gastronomia amazônica, impulsionado pela riqueza e diversidade de ingredientes típicos da floresta. Na região, chefs como Sabrina Silva, Anderson Oliveira e João Diamante vêm difundindo o conceito de "cozinha da floresta" , que valoriza ingredientes nativos e práticas culinárias sustentáveis.
O chef paraense Thiago Castanho defende o conceito de "cozinha de território" .
"Cozinha de território não fala apenas sobre o uso dos ingredientes, mas sobre o respeito com quem vive na terra. Seria sobre não olhar a natureza como uma fonte inesgotável de produtos para se usar na cozinha, e sim como uma fonte de cultura, simbiose entre cultura, homem e alimento. Isso inclui os ingredientes que a gente usa, as receitas tradicionais, as possibilidades futuras, o relacionamento, o respeito e o pagamento justo a quem vive da terra", explicou o chef em entrevista ao Portal iG .
Para Thiago, a COP30 é uma oportunidade de demonstrar que os recursos da Amazônia não são infinitos e que o território precisa de atenção quando o assunto são os efeitos das mudanças climáticas.
"A COP30 é uma vitrine para que as pessoas entendam que, apesar de toda essa abundância ligada à Amazônia no imaginário das pessoas, nós também somos frágeis. Basta uma grande seca, como ocorreu nesses últimos anos, para ver o quanto essa fragilidade está presente no nosso dia a dia. Esse evento vai além de demonstrar resistência, e sim que devemos ter cuidado com esse pedaço de terra, que tem pessoas vivendo nele."
Segundo o chef, a culinária amazônica pode inspirar o mundo por meio das bases ansestrais que seguem firmes até hoje.
"A comida do paraense até hoje vem de bases ansestrais como a lida com a mandioca. A gente até hoje come tucupi e vários tipos de farinha, como a de tapioca. A própria tapioca é consumida de várias formas. A folha da mandioca, a maniçoba... Esse aprendizado ancestral é o que a gente pode dar."
Em entrevista ao Portal iG, a nutricionista Tany Silveira explicou o conceito de alimentação climática.
Portal iG: O que significa, na prática, adotar uma alimentação climática?
Tany Silveira: Alimentação climática é um conceito que une nutrição e sustentabilidade. Na prática, significa escolher alimentos que nutrem o corpo e respeitam o planeta, considerando a origem dos ingredientes (locais e sazonais), o modo de produção (sustentável e ético), a redução do desperdício alimentar e dando preferência a vegetais, leguminosas, frutas e castanhas. Ou seja, é uma dieta que beneficia a saúde humana e contribui para reduzir as emissões de gases de efeito estufa associadas à produção de alimentos.
Portal iG: Como ingredientes típicos da amazônia podem contribuir para uma alimentação de baixo impacto ambiental no dia a dia?
Tany Silveira: Os alimentos amazônicos, em geral, têm baixo impacto ambiental porque são produzidos com base em sistemas agroflorestais, extrativismo sustentável e agricultura familiar.
Ao priorizar ingredientes regionais e da estação, reduz-se a pegada de carbono do transporte e da produção intensiva, valoriza-se o manejo sustentável da floresta, que preserva ecossistemas e gera renda local e estimula-se o consumo consciente, aproximando o consumidor da origem do alimento.
Incluir açaí puro no lugar de sobremesas ultraprocessadas ou usar castanhas e farinhas regionais em receitas são formas simples de ter uma alimentação mais sustentável no dia a dia.
De que forma eventos como a COP30 podem ajudar a valorizar hábitos
alimentares sustentáveis e regionais?
Tany Silveira: Eventos globais como a COP30, têm um papel estratégico em colocar a gastronomia regional e a alimentação sustentável no centro das discussões climáticas.
Eles promovem visibilidade internacional para ingredientes amazônicos e cadeias produtivas sustentáveis, incentivos a políticas públicas de segurança alimentar e agricultura familiar, além de educação ambiental e nutricional, mostrando que comer bem também é um ato de cuidado com o planeta.
A COP30 pode consolidar a Amazônia não apenas como um bioma a ser preservado, mas também como uma inspiração gastronômica e nutricional para o futuro do clima e da alimentação.
Há riscos nutricionais ou desafios de acesso quando se fala em ampliar o
consumo de alimentos nativos da floresta?
Tany Silveira: O principal desafio está no acesso e na distribuição. Muitos desses alimentos são regionais e nem sempre chegam a outras partes do país de forma acessível e com boaqualidade.
Do ponto de vista nutricional, não há riscos se forem consumidos de forma equilibrada - pelo contrário, eles diversificam a dieta e aumentam o aporte de micronutrientes.