Faria Lima: da avenida dos milionários à vitrine do crime

Centro financeiro de São Paulo e ícone do lifestyle corporativo se tornou palco de uma operação que desmantelou esquemas de lavagem de dinheiro do PCC

A avenida recebeu o nome de José Vicente de Faria Lima, militar da Força Aérea e prefeito de São Paulo entre 1965 e 1969
Foto: Foto: Marcos Santos/USP Imagens
A avenida recebeu o nome de José Vicente de Faria Lima, militar da Força Aérea e prefeito de São Paulo entre 1965 e 1969

A Avenida Brigadeiro Faria Lima, conhecida por concentrar bancos, fintechs, fundos de investimento e empresas de tecnologia, voltou ao noticiário com a Operação Carbono Ocultodeflagrada nesta quinta-feira (28).

A ação, considerada a maior contra o crime organizado no Brasil, envolveu cerca de 1.400 agentes da Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público e polícias estaduais, que cumpriram 200 mandados de busca e apreensão e 14 mandados de prisão em oito estados.

Na Faria Lima, 42 alvos foram investigados, incluindo gestoras de fundos, corretoras e fintechs.

Segundo as autoridades, essas empresas teriam facilitado a lavagem de dinheiro do PCC (Primeiro Comando da Capital), movimentando recursos provenientes de tráfico de drogas e fraudes no setor de combustíveis.

Estima-se que pelo menos 40 fundos de investimento, com patrimônio de R$ 30 bilhões, estavam sob controle da facção criminosa. A BK Bank teria movimentado R$ 46 bilhões entre 2020 e 2024 em contas que dificultavam o rastreamento financeiro.

Faria Lima virou símbolo de negócios

Faria Lima passou por reforma na década de 1990
Foto: Reprodução
Faria Lima passou por reforma na década de 1990


A avenida, porém, não é apenas palco de crimes. Ela recebeu o nome de José Vicente de Faria Lima, militar da Força Aérea e prefeito de São Paulo entre 1965 e 1969, responsável por obras viárias consideradas estruturantes para a cidade, como as marginais Tietê e Pinheiros, além da duplicação de corredores importantes como a Radial Leste e a Avenida 23 de Maio.

A denominação homenageia a trajetória do ex-prefeito e reforça o vínculo da via com o desenvolvimento urbano da capital.

O processo de transformação da Faria Lima em centro de negócios intensificou-se a partir de 1995, com a aprovação da Operação Urbana Faria Lima, um projeto que permitiu a verticalização da região, incentivou a modernização de prédios e atraiu investimentos privados.

Em poucas décadas, a via se consolidou como o principal polo corporativo de São Paulo, reunindo sedes de bancos de investimento, corretoras, fundos, escritórios de advocacia, empresas de tecnologia e fintechs.

O metro quadrado comercial se tornou um dos mais caros do Brasil, com valores que, em empreendimentos de alto padrão, superam os R$ 400, aproximando-se de padrões internacionais de centros financeiros como Nova York e Londres.

Essa concentração de capital e negócios ajudou a criar um ecossistema específico da avenida. Além da presença de multinacionais e startups, a região também abriga espaços de coworking, hubs de inovação e restaurantes voltados ao público corporativo, reforçando a imagem de “avenida dos milionários”.

Executivos, gestores e empreendedores passaram a ver a localização como uma vitrine de status profissional e credibilidade empresarial.

Faria Limer

Foto: Reprodução
Jorginho do Jeep virou um sucesso nas redes sociais


Com o tempo, a Faria Lima ultrapassou o aspecto econômico e tornou-se um ícone cultural. O termo “Faria Limer” surgiu justamente para identificar jovens profissionais que circulam nos escritórios da região, caracterizados pelo estilo de vida urbano e acelerado.

Os coletes acolchoados usados sobre camisas sociais, os patinetes elétricos no trajeto entre reuniões e os gadgets de última geração tornaram-se símbolos desse estereótipo.

A rotina corporativa, marcada por longas jornadas, happy hours em bares da região e networking constante, consolidou a imagem do trabalhador ligado ao setor financeiro e tecnológico.

Esse perfil também alimentou um imaginário popular, reproduzido em memes, esquetes de comédia e críticas sociais.

O “Faria Limer” passou a ser retratado como sinônimo de ambição profissional e ostentação, ao mesmo tempo em que se tornou alvo de piadas sobre hábitos de consumo e modos de vida.

A avenida, assim, deixou de ser apenas um endereço comercial para se tornar um fenômeno cultural que reflete, de maneira caricata, o impacto do capital financeiro na vida urbana de São Paulo.

Operação Carbono Oculto

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil - 03/09/2021
Avenida Brigadeiro Faria Lima, em Pinheiros (SP)


A Operação Carbono Oculto revelou ainda que o PCC atuava na cadeia de combustíveis, controlando mais de 1.000 postos em dez estados, movimentando R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024 e recolhendo impostos abaixo do esperado.

Empresas de fachada foram usadas para adulteração de combustíveis, fraudes fiscais e lavagem de dinheiro, prejudicando consumidores e gerando concorrência desleal.

Em resposta, o governo anunciou que fintechs passarão a ser enquadradas como instituições financeiras, sujeitas às mesmas regras de bancos tradicionais.


Símbolo

A avenida, assim, simboliza uma dualidade marcante: ao mesmo tempo em que representa o poder econômico e a inovação financeira de São Paulo, também expõe vulnerabilidades estruturais do sistema e a presença de esquemas criminosos que se sofisticaram junto com o mercado.

A concentração de recursos, empresas e operações de alto valor transformou a região em vitrine do sucesso corporativo, mas também em alvo estratégico para organizações que buscam se infiltrar no setor financeiro.

Entre prédios envidraçados, fundos de investimento bilionários e a circulação diária de executivos, a Faria Lima se tornou sinônimo de prosperidade e status profissional.

Os patinetes elétricos, os coletes acolchoados e os cafés lotados de reuniões rápidas compõem o imaginário de uma avenida que dita tendências no mundo dos negócios e influencia hábitos de consumo, moda e comportamento urbano.

Essa imagem, no entanto, agora convive com a repercussão de operações policiais que revelaram brechas exploradas por organizações criminosas.