Bolo envenenado: o que diz a lei sobre homicídio com veneno

Portal iG consultou especialistas em direito penal para saber o que aconteceria caso uma pessoa cometesse esse tipo de crime

Bolo que teria causado envenenamento ou intoxicação
Foto: reprodução/Polícia Civil
Bolo que teria causado envenenamento ou intoxicação

O caso do bolo envenenado  com arsênio que matou três pessoas em Torres (RS) virou notícia no Brasil inteiro e causou curiosidade sobre a substância utilizada no crime. Entre as outras dúvidas do caso, está: o que aconteceria com a suspeita de matar os seus familiares?

Deise Moura dos Anjos  , investigada pelas mortes, foi presa de forma preventiva e foi encontrada, nesta quinta-feira (13), morta dentro da cadeia.

O portal iG consultou especialistas em direito penal para saber o que aconteceria com uma pessoa caso tentasse envenenar um indivíduo e fosse pego pela justiça.

Para a  professora de Direito Penal, Dra.Natalia Cezario, conforme o ponto de vista jurídico-criminal, no caso do bolo envenenado, houve a prática de homicídios consumados (quando o ato criminoso é completado e resulta em óbito) e também tentados.

“O homicídio qualificado pelo emprego de veneno pressupõe que seja introduzido no organismo da vítima de forma velada, sem que ela perceba, como, por exemplo, misturando o veneno na comida ou bebida”, explica.

Segundo a advogada, no caso específico do Rio Grande do Sul, como todos os crimes aconteceram por uma única ação – envenenar o bolo –, a pena é calculada pelo chamado concurso formal (artigo 70 do Código Penal). Isso ocorre quando um único ato causa mais de um crime. Nesse caso, como havia intenção direta em relação a todas as vítimas, as penas podem ser somadas, diante da presença de dolo direto em relação a todos os resultados.

“No mais, conforme as últimas notícias, a principal suspeita, que estava presa preventivamente, cometeu suicídio dentro da unidade prisional. Nesse sentido, importante destacar que suicídio, no Brasil, não é conduta considerada criminosa, de modo que, se não tivesse obtido êxito, não teria punição alguma”, ressalta Natalia.

A pena do homicídio simples, previsto no art. 121 do Código Penal, é de seis a vinte anos. No entanto, no caso, o emprego de veneno qualifica esses homicídios, nos termos do artigo 121, § 2°, inciso III do Código Penal, e a pena passa a ser de doze a trinta anos de reclusão.


Para Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista, tentar matar alguém com veneno, "por cuidar-se de delito qualificado, a legislação (Lei 8072/90) o considera crime hediondo, insuscetível de fiança, anistia, graça ou indulto, cuja pena a ser aplicada após o devido processo legal deve ser cumprida incialmente em regime fechado'.

Outras condenações possíveis

Segundo profissionais da área jurídica, o envenenamento pode ter várias finalidades e vai depender da finalidade do agente. Outra pena possível é se houver também lesão corporal, o que se enquadra no art. 129.

Esse artigo pune quem causa dano à integridade física ou à saúde de outra pessoa. A legislação classifica a lesão corporal em quatro categorias: leve, grave, gravíssima e seguida de morte.

É importante destacar que, em casos de violência doméstica, conforme os parágrafos 9º e 10º do artigo 129, a pena para lesão leve aumenta para 3 meses a 3 anos de reclusão, enquanto as demais formas recebem um acréscimo de 1/3 na pena. O mesmo aumento se aplica quando o crime ocorre contra pessoas com deficiência no contexto doméstico.

Outra medida possível é o crime de perigo à saúde (art. 132) se a situação criada for apenas de risco à vítima. Pena é de detenção de três meses a um ano, caso a conduta não configure um crime mais grave.

A pena é aumentada de um sexto a um terço quando o risco à vida ou à saúde de outra pessoa ocorre devido ao transporte de trabalhadores para prestarem serviços em qualquer tipo de estabelecimento, em descumprimento das normas legais.


Tem diferença entre homicídio com veneno ou arma de fogo?


Abdouni relata que nos dois casos, quando empregados com a intenção de matar, configuram o crime de homicídio. Entretanto, os meios utilizados podem agregar circunstâncias agravantes:

Envenenamento: Devido à sua natureza insidiosa, o envenenamento pode dificultar a detecção e a defesa imediata da vítima, evidenciando premeditação e frieza. Se esses elementos se enquadrarem na modalidade qualificada, conforme o § 2º, inciso III do artigo 121, a pena mínima passa a ser de 12 anos, podendo atingir até 30 anos de reclusão.

Uso de Arma de Fogo: Embora seja um meio violento e imediato, o emprego de arma de fogo pode demonstrar a intenção de causar pânico e expor terceiros ao risco, o Código Penal considera o crime contra a vida com o emprego de arma de fogo como homicídio simples, com pena de reclusão de seis a vinte anos. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 6354/19 que busca tornar qualificado o homicídio cometido com uso de arma de fogo, o que elevaria a pena à reclusão de doze a trinta anos.

Maus tratos com animais

Infelizmente, no Brasil, há casos de pessoas utilizando tipos de veneno para matar animais de estimação ou silvestres. Abdouni relata que essa prática é criminosa.

"O crime de maus-tratos a animais está previsto no artigo 32 da Lei 9605/98, consistente em praticar ato de abusar, maltratar, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, o que inclui o emprego de veneno", relata.

Quando os maus-tratos são praticados contra cães e gatos especificamente, a lei estipula pena de reclusão 2 a 5 anos, multa e proibição da guarda, sendo aumentada a pena de um sexto a um terço, se ocorrer a morte do animal.