O ex-governador de São Paulo, João Doria, busca uma aproximação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após anos de rivalidade política. Para isso, escreveu uma carta e a entregou ao vice-presidente, Geraldo Alckmin, para que desse a Lula.
Na mensagem, Doria reconhecia ter cometido “exageros e equívocos” com Alckmin, com quem pouco antes, em dezembro de 2023, havia se reconciliado, mas também com Lula. “Queria ter a chance de dizer que errei”, escreveu na mensagem, segundo o jornal O GLOBO.
A carta foi lida pelo presidente na hora, que reconheceu o gesto. Lula comentou já ter vivido muito para não perdoar o ex-adversário. Mas tornar-se amigo de Doria, que amigo dele nunca havia sido, já seria um pouco demais, ponderou o petista de acordo com um auxiliar.
A tentativa de aproximação com Lula fez parte de um circuito de reconciliação que Doria iniciara meses antes. Ele havia refeito a relação com Alckmin, por meio de quem se lançou na política e com quem estava rompido há tempos, numa longa conversa em sua casa. Aparou arestas ainda com outros ex-aliados, como Rodrigo Garcia, que fora seu vice no governo de São Paulo, e Bruno Araújo, ex-presidente do PSDB.
"Agora, sou o João conciliador", afirmou Doria ao GLOBO, ao entrar na imponente sala de reuniões de seu escritório na avenida Faria Lima, centro financeiro de São Paulo.
É uma brincadeira com o bordão “João trabalhador”, que garantiu seu ingresso na política como prefeito de São Paulo, em 2016. A movimentação para refazer laços políticos, porém, não tem como pano de fundo a busca por um retorno ao jogo eleitoral, diz. O objetivo é formar uma frente ampla em torno da rede de negócios que ele se dedica a expandir desde 2022, quando foi forçado pelo PSDB a deixar a corrida presidencial. Barrado na disputa, Doria tratou de reassumir o grupo Lide e incorporar novamente a faceta de empresário, com a qual fez fortuna.
"Saí em definitivo da política. Pode escrever. Não tenho raiva, não tenho mágoa e não tenho ressentimento. Mas, para a política, não volto mais", afirma.
Doria não quer, porém, estar longe dos políticos. Pelo contrário. Ele encontrou o sucesso duas décadas atrás ao inventar um negócio que mistura realização de grandes eventos, defesa de interesses da iniciativa privada e, principalmente, acesso ao poder.
Para se associar ao Lide, é preciso ter uma empresa com faturamento de pelo menos R$ 200 milhões por ano. Mais do que o selo de que fazem parte desse seleto grupo, os associados querem uma plataforma para se conectar com gente importante. Não à toa, quem entra na página do Lide encontra logo, na seção sobre as atividades do grupo, uma foto poderosa: reunidos num evento de Doria, estão em quadro o ex-presidente Michel Temer, o atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Após um hiato de seis anos, Doria voltou com sede para o mundo dos negócios. Encontrou no governo do PT, no entanto, uma barreira. Poucos do primeiro escalão do governo queriam ser vistos nos eventos de alguém que foi adversário de Lula e, lá atrás, chegou a brincar com sua prisão. Em 2019, Doria fez troça com a transferência do petista para o presídio de Tremembé, dizendo que ele poderia “fazer algo que jamais fez na vida: trabalhar”. O empresário desculpou-se publicamente por essa e outras declarações sobre Lula numa entrevista no ano passado. Ainda assim, a desconfiança em Brasília persistiu.
A situação deixou um flanco para o crescimento de rivais. Nas contas de Doria, atualmente há seis concorrentes, todos de menor expressão. Ele diz não se importar e garante que há “espaço para todos”. Mas, fiel a seu estilo agressivo, tratou de se movimentar — e rápido.
Doria dobrou o número de eventos, que agora somam 200 por ano. Além disso, turbinou as representações do Lide nos estados e no exterior — há unidades em 20 países. Substituiu a postura de político provocador pela de empresário quase lacônico. E, enquanto não consegue uma bandeira branca do líder petista, vai correndo pelas beiradas.
Em sua mansão de mais de 3 mil metros quadrados no Jardim Europa, em São Paulo, recebe com discrição ministros do governo. Do ano passado para cá, encontrou-se com Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Secom) e José Múcio (Defesa). Segundo Doria, a boa relação se estende a diversos quadros do governo, como Simone Tebet (Planejamento), Jader Filho (Cidades), Marina Silva (Meio Ambiente), Fernando Haddad (Fazenda), Celso Sabino (Turismo), entre outros.
Outra estratégia tem sido se aproximar de governadores petistas. Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte, e Rafael Fonteles, do Piauí, são alguns dos nomes de esquerda que passaram a frequentar os eventos do Lide ao lado de autoridades como ministros do STF e parlamentares de diversos matizes.
Adepto de pouquíssimas horas de sono — Doria dorme, em geral, quatro horas por noite — e conhecido por sua disciplina, ele vem se dedicando a aumentar as viagens e eventos internacionais do Lide enquanto mantém viva a rede de contatos que forjou na política.
Na eleição de São Paulo, recebeu em sua casa Pablo Marçal (PRTB), Tabata Amaral (PSB), Ricardo Nunes (MDB) e José Luiz Datena (PSDB). O único que não o procurou foi Guilherme Boulos (PSOL), diz.
Há alguns meses, Doria conseguiu um trunfo: a presença do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, num evento do Lide no Rio. Era a senha que ele buscava para dizer que um suposto veto de Lula aos seus fóruns havia caído. Até então, ministros como Carlos Fávaro (Agricultura), Múcio e Flávio Dino, quando estava na Justiça, haviam feito aparições discretas em debates promovidos por Doria.
Sob reserva, um ministro diz que nunca ouviu diretamente de Lula objeção à participação no Lide, mas achou melhor declinar de um convite recebido para "evitar problemas". Outro ministro diz que, não faz muito tempo, até tentou puxar papo com Lula sobre Doria, mas não sentiu receptividade e achou melhor deixar o assunto de lado.
Um antigo aliado do empresário diz que, a despeito das tentativas genuínas de reconstruir relações, para chegar ao coração do petismo, Doria teria de dar um “duplo twist carpado”.
O empresário não parece se importar com o desafio. Segundo ele, não houve resposta de Lula à carta, mas tudo bem. O importante é que, agora, ele está "leve".
"A minha alma é conciliadora. Não odeio ninguém. Não vou retomar uma situação de antagonismo por isso. Se ele leu, ótimo. Minha alma está mais tranquila, espero que a dele também", disse.