Foi retomado nesta quinta-feira (31) o julgamento dos réus confessos Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz , pelos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes . Após as réplicas da defesa e da acusação, os jurados se reuniram para decidir a pena dos réus.
Na defesa, o advogado de Lessa chegou a pedir a "condenação de forma justa" de seu cliente, enquanto a advogada de Élcio defendeu que ele não deveria receber a mesma pena de Lessa, que teria planejado e executado o crime sozinho, segundo ela.
A audiência estava prevista para terminar na madrugada de quarta (30) para quinta, mas, após os depoimentos dos réus — que participaram por videoconferência —, os jurados votaram pelo encerramento dos trabalhos.
A juíza Lúcia Glioche , do 4º Tribunal do Júri da Justiça do RJ, retomou o julgamento dos réus. A audiência está sendo transmitida pelo canal no YouTube do Tribunal de Justiça.
O promotor Eduardo Martins , destacou a fala dos réus no dia anterior, sobre se arrependerem. "Que arrependimento é esse com algo em troca? Eles são réus colaboradores. Eles não vieram se arrepender. Eles chegaram ao Ministério Público e pediram algo em troca para falar o que eles falaram. Porque, até ontem, eles estavam aqui, os dois, até outro dia, negando todas as imputações", afirmou.
Retomada do julgamento
Nesta quinta-feira (31), iniciou-se a fase das alegações finais. Os primeiros a falar foram os acusadores do Ministério Público. A audiência teve início com a promotora Audrey Castro ressaltando a importância para a sociedade de se fazer justiça com este caso.
A fala foi passada para o promotor Fábio Vieira, que destacou a composição do júri 100% masculino, após as mulheres sorteadas serem dispensadas a pedido da defesa do réu.
"Eu achei muito interessante a composição do júri. A maior parte, pessoa de meia-idade, pessoas de pele clara, as mulheres que foram sorteadas, foram dispensadas. (...) Qualquer pessoa, independente de raça, independe de religião, independente de partido, vai sentar aí, vai ver esse processo e vai chegar à mesma conclusão. É importante, também, mostrar para o povo que eu não preciso escolher pessoas para analisar essa causa", afirmou o promotor.
O promotor também afirmou ser "uma farsa" o "arrependimento" dos dois réus. "Eles não estão com sentimento de arrependimento, eles estão com uma tristeza de terem sido pegos. Porque ninguém foi lá bater na porta da DH (Delegacia de Homicídios), quando todo mundo queria saber e disse 'olha só, fui eu, tá? Estou arrependido disso. Fui eu e fiz dessa forma. Fui eu e quem mandou foi isso'. Isso só aconteceu quando as provas que existem no processo, através do trabalho árduo do Ministério Público, junto com seguimentos da polícia, e com Defensoria e tudo mais, chegou à conclusão absoluta de que os executores eram aqueles, não tinha como eles fugirem disso", argumentou Fábio.
Terceiro a falar, o promotor Eduardo Martins apresentou imagens dos resultados de buscas do Ronnie Lessa sobre Marielle Franco, para comprovar a premeditação do crime. Foram exibidas pesquisas sobre a vereadora, desde busca por CPF a endereços residenciais, e também sobre o político Marcelo Freixo.
De acordo com a apresentação, Lessa pesquisou ruas da Tijuca e do Centro do Rio de Janeiro, procurou por componentes de arma — que foram usados no assassinato — e tentou apagar as buscas feitas.
Eduardo Martins o tempo todo reforçou a ideia de que eles não estão arrependidos do crime. "Eles tratam o crime como trabalho, como um serviço a ser feito", afirmou.
Planejamento e motivações
Eduardo detalhou a realização da emboscada, que, segundo investigações, mirava os três ocupantes do carro em que Marielle estava — apenas a assessora, Fernanda, sobreviveu. Tanto na delação como no depoimento no tribunal, Lessa destacou que Marielle era o único alvo.
No momento em que ela deixava a "Casa da Petras", no Centro do Rio, os executores observaram que a vereadora saía do local acompanhada, com a assessora e o motorista. Ainda assim, o executor optou por manter a posição do Cobalt, emparelhado à janela da vítima, e o uso da arma de grosso calibre.
Além de Marielle ter sido atingida por quatro disparos na cabeça, Anderson também foi baleado, morrendo no local. Foram mostradas as marcas de tiros que ficaram no vidro da janela do banco onde Fernanda estava sentada, o que indicaria o objetivo de não deixar testemunhas. A acusação defende que, caso ela não tivesse se abaixado para se proteger, também teria sido atingida na cabeça.
De acordo com o promotor, o motivo do caso foi torpe, com agravante político e pelos ideais defendidos por Marielle . Eduardo relata que não foi um crime de ódio por parte de Lessa, já que "foi feito com planejamento, e não com a emoção". Ele também disse que Élcio, que dirigiu o carro, sabia que o objetivo do assassinato era uma vereadora.
Delação premiada
Em sua fala, o procurador-geral de Justiça do MPRJ, Luciano Mattos, afirmou que espera a aplicação de uma pena "adequada" aos crimes cometidos pelos réus, apesar do acordo de delação premiada.
"Uma coisa é o julgamento, outra coisa é o acordo de colaboração, que vai ser apreciado na instância adequada. A delação está sob sigilo e tudo isso vai ser divulgado oportunamente", afirmou Mattos.
De acordo com o procurador-geral, o MP trabalha para que "a resposta dos jurados seja adequada a esses crimes graves". Para ele, a sustentação dos promotores na demonstração sobre a intensão de matar sustenta o caso.
A delação premiada foi feita com o Supremo Tribunal Federal ( STF ) , com o acordo de prisão por 18 anos em regime fechado. Como Lessa está preso há cinco anos, o tempo de pena poderá ainda ser abatido da sentença final.
Defesa de Ronnie Lessa
Saulo Carvalho , advogado de atirador do crime, começou a apresentar a defesa do réu com a exibição de um depoimento, na delegacia, de uma testemunha do momento do crime, um morador de rua chamado Natan Netuno. Além narrar o que viu, ele perguntou: "Vocês vão chegar aos mandantes?".
O defensor de Lessa destacou a importância da delação dada por ele, na qual indicou Chiquinho e Domingos Brazão como os mentores.
Em outro momento, Saulo apresentou uma opinião, segundo ele, curiosa de ser feita pela defesa de um acusado. "Peço a condenação, de forma justa, de Ronnie", afirmou. Ele também disse que discorda da acusação do MP sobre motivo torpe e político, já que, de acordo com ele, as pesquisas feitas por Lessa não indicam questões partidárias.
Defesa de Élcio de Queiroz
A advogada de Élcio, Ana Paula de Araújo Fonseca Cordeiro, reconheceu a gravidade do crime, mas defendeu que Élcio não merece a mesma pena que Ronnie Lessa, que foi o executor. "O que a gente busca é que ele seja responsabilizado de acordo com a sua culpabilidade", disse ela.
"O Ronnie planejou o crime, adquiriu o carro, preparou a arma, a munição e executou os disparos", argumentou. "Élcio dirigiu o veículo no dia 14 de março de 2018. A culpa do Élcio é muito menor do que a culpa do Ronnie."
Ela ainda afirmou que Élcio não conhecia Marielle e só ficou sabendo que o alvo era uma vereadora pouco antes do crime. "Ao questionar Ronnie Lessa sobre o motivo para matar Marielle, ele disse que seria um motivo 'pessoal'. O Élcio não tinha qualquer motivo para matar Marielle, o Ronnie dizia que era um motivo 'pessoal', agora a gente vem a saber que era uma promessa de R$ 50 milhões."
A advogada também disse que Élcio acreditava que Lessa mataria apenas Marielle. "Ele não tinha vontade e nem assumiu o risco de matar o Anderson, quem disparou a arma foi o Ronnie. O Élcio acreditava que ele era um exímio atirador".
Réplica da acusação
Durante o direito de réplica, o promotor Eduardo Martins argumentou, a partir de um vídeo de uma entrevista com perito em tiro esportivo — obtida pela própria defensa —, que a intenção era matar os três ocupantes do carro, e não apenas Marielle, como afirma a defesa dos réus. "Não sou eu quem faz a pergunta, é o próprio especialista da defesa: 'era para matar um ou os três?', porque para fazer essa 'lambança' [tiros dispersos] para matar uma pessoa, por um dito especialista em tiro, não faz sentido".
Um trecho de uma reportagem do Fantástico, que mostra a especialidade em tiro de Lessa, foi passado pelo MP como comprovação para de que se o alvo fosse apenas a Marielle, os tiros dispersos em todo o carro não teriam sido realizados.
O perito, do vídeo feito pela defesa, afirma que a arma utilizada no crime — submetralhadora automática MP5 — não "se move muito ao ser disparada". Também de acordo com o vídeo, precisaria de poucos tiros para acertar o alvo, da distância na qual os disparos foram feitos.
Segundo a acusação, o argumento de que Élcio só soube no carro de que o alvo era uma vereadora não é benéfico. "Então não importa o alvo, não interessa se a pessoa tem filho, marido, se tem mais alguém no carro. Ele [Élcio] só entra no carro, emparelha, dá a fuga, tudo o que o amigo [Ronnie] pedir?", questionou Martins.
O MP também contestou o "prêmio" pelo assassinato de Marielle Franco e o conhecimento do caso por parte de Queiroz. "Élcio entrou no carro e sabia que era uma vereadora. [...] Eu não sei o que é pior, se é o sujeito saber ou se é 'ele me chamou e eu entrei sem saber'.
Após quase duas horas, a acusação encerrou sua réplica. O julgamento teve uma nova pausa e retornou para a réplica da defesa.
Réplica da defesa de Ronnie Lessa
A defesa começou justificando algumas falas do Ministério Público e voltou a pedir a diminuição da pena de Lessa e Queiroz: “Hoje é um dia histórico na história do nosso país e hoje os senhores terão a oportunidade de fazer justiça”, disse.
A defesa fez um breve depoimento e encerrou a réplica. A juíza perguntou se os jurados precisam de mais esclarecimentos e passou orientações sobre a deliberação.
O caso
Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados em 14 de março de 2018 , no Rio de Janeiro. Investigações revelaram que o réu Lessa monitorou Marielle antes do crime e, junto com Élcio, que dirigia o carro, disparou contra o veículo das vítimas. Eles respondem por homicídio triplamente qualificado e tentativa de assassinato da assessora Fernanda Chaves, que sobreviveu. O Ministério Público busca a pena máxima de até 84 anos, e ambos estão presos desde março de 2019.
Nove testemunhas serão ouvidas no julgamento, incluindo Fernanda e as viúvas das vítimas. Lessa e Queiroz confessaram o crime e apontaram mandantes, incluindo políticos e um delegado, que também estão presos e sob investigação no STF.
O júri popular terá 21 membros, com sete selecionados para decidir sobre a culpabilidade dos réus. O julgamento, complexo e com muitos documentos, deve durar mais de dois dias, e os jurados permanecerão incomunicáveis para evitar influências externas. O objetivo é permitir que cidadãos comuns decidam sobre crimes graves.
*Em atualização
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** Formado em jornalismo pela UFF, em quatro anos de experiência já escreveu sobre aplicativos, política, setor ferroviário, economia, educação, animais, esportes e saúde. Repórter de Último Segundo no iG.