Defesa de Bolsonaro ignora TCU para afastar acusação de peculato

A tese da defesa no caso das joias sauditas leva em consideração legislação antiga e deixa de lado determinações legais mais recentes

Foto: Reproduçao TV Globo
A defesa do ex-presidente alega que ele poderia vender as joias, e que não comunicou seu recebimento por um 'equívoco'


À revelia do que determinou o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre presentes recebidos por presidentes em missões oficiais, a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro tenta afastar a tese de peculato no caso da venda de joias sauditas nos Estados Unidos, alegando que sua venda no exterior configura, no máximo, uma infração administrativa. 

A investigação contra Bolsonaro trabalha com a hipótese de que o crime de peculato se dá quando um funcionário público se apropria indevidamente de dinheiro, valores ou outros bens, públicos ou particulares, aos quais teve acesso em função do exercício de seu cargo. A pena prevê multa e prisão de 2 a 12 anos. 

De acordo com as investigações da Polícia Federal, Bolsonaro e seus auxiliares levaram artigos de luxo aos Estados Unidos, onde uma parte dos presentes sauditas foi vendida a uma joalheria - e posteriormente resgatados para devolver ao Estado Brasileiro - e outra foi anunciada em um site de leilões, mas não houve nenhum interessado.

Diante da impossibilidade de negar a venda dos itens - visto que ela já foi comprovada através de provas materiais - a defesa alega que Bolsonaro tinha direito de comercializar os itens de luxo, atribuindo a ausência de comunicação prévia das intenções do ex-presidente a um “equívoco”. 



"Não houve comunicação prévia à Comissão de Memória dos Presidentes da República, por algum equívoco ou desinformação da assessoria da Presidência. Porém, essa é uma mera irregularidade de caráter administrativo e que não convola o bem privado em público, de sorte que não há possibilidade, nem mesmo em tese, de ser havido como objeto de peculato", alega a defesa de Bolsonaro.

O argumento se pauta na Lei 8.394/1991, que trata da preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República, e determina que documentos que constituem o acervo presidencial privado são de propriedade do presidente, "inclusive para fins de herança, doação ou venda". 

No entanto, a norma também diz que a União tem preferência como compradora na eventual venda desses itens, além de afirmar categoricamente que esses presentes “não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União".

A defesa de Bolsonaro ainda ignora uma decisão tomada pelo TCU em 2006, que estabeleceu regras mais claras e rígidas a respeito da destinação de presentes recebidos por presidentes, alegando que a decisão “não trata sobre a alienação de bens do acervo privado de interesse público dos presidentes", e que nem poderia, “pois o TCU não pode revogar uma lei aprovada no Congresso que expressamente cria o permissivo de alienação e estabelece direitos hereditários sobre tais bens".

Até o momento, o caso das joias sauditas ainda está em investigação pela Polícia Federal, e não há nenhuma denúncia formal contra o ex-presidente. Isso, contudo, não impede que seja feito um pedido de prisão preventiva - que não depende de condenação - em caso de se constatar que a liberdade de Bolsonaro coloca a investigação em risco, ou se houver comprovado risco de fuga.