Áudios privados de hacker revelam bastidores de trama golpista

O material revelado mostra Delgatti narrando relação com a família de Carla Zambelli e dizendo que Bolsonaro fez questão de encontrá-lo

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado - 17.08.2023
Hacker Walter Delgatti Neto depondo à CPMI do 8 de Janeiro


Nesta terça-feira (22) foram divulgados áudios de conversas reservadas do Walter Delgatti Netto, programador conhecido como “hacker da Vaza Jato” condenado na operação Spoofing, falando sobre sua aproximação com o ex-presidente Bolsonaro e a deputada federal Carla Zambelli, que tinha o objetivo de fraudar o sistema eleitoral criando dúvidas sobre as urnas eletrônicas. 

Nos áudios, gravados enquanto ocorria toda a conspiração contra as urnas eletrônicas, Delgatti revela coisas que não contou à Polícia Federal e nem no seu depoimento bombástico à CPMI dos Atos Antidemocráticos. A revelação do material foi feita pelo portal de notícias Metrópoles.

Ele cita, por exemplo, que Bolsonaro fez questão de encontrá-lo mesmo sendo desaconselhado, afirmando que quem mandava era ele, além de relatar proximidade até mesmo com a família de Carla Zambelli.

“Configurar o código-fonte para dar o resultado que eles querem”

Em 9 de agosto, véspera do encontro com o então presidente Bolsonaro, Delgatti foi gravado falando o que ele sabia sobre o encontro vindouro. Horas antes dessa gravação, ele foi à sede do PL, partido de Bolsonaro e Zambelli, para falar com Waldemar da Costa Neto, presidente da legenda, sobre a trama golpista em curso. 

“Eles vão configurar o código-fonte para dar o resultado que eles querem. Eles vão pegar agora uma urna. Eles mesmo vão fazer isso”, afirmou Walter Delgatti. Na ocasião, explicou que o objetivo do ataque ao sistema eleitoral era induzir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a autorizar militares a fazer uma “fiscalização” nas urnas, de modo a facilitar possíveis contestações a uma eventual vitória de Lula, que ainda era candidato.

Nesse mesmo dia, Delgatti foi filmado dentro do hotel Phenícia, em Brasília, conversando com um funcionário no balcão da recepção. Lá, um motorista que dirigia um carro com uma placa “fria” passou para buscá-lo e levou o hacker ao encontro de Bolsonaro no Palácio da Alvorada, como revelou a revista Veja em agosto do ano passado.

Leite com Nescau e videogame na casa de Zambelli

Foto: Reprodução/redes sociais
Walter e Zambelli foram alvos de uma operação da PF nesta quarta-feira (2)


Após Delgatti afirmar que foi a deputada Carla Zambelli quem o conduziu às reuniões com Bolsonaro, a defesa da parlamentar alegou que a aproximação deles se deu por um projeto de trabalho que envolvia a administração das redes sociais dela e nada mais. 

Após o depoimento do hacker à CPMI, o advogado de Zambelli, Daniel Bialski, disse que foram os assessores da parlamentar que contrataram Delgatti, negando as alegações de que ela teria feito pagamentos ao hacker, como ele alegou (e comprovou as transações).

“O que existe, é essa empresa de assessoria, que tem um contrato respectivo para prestação de serviço [para Zambelli], e pagou ele [o hacker], mas não teve continuidade porque o hacker não entregou o que disse que poderia fazer", disse o advogado em entrevista à Globo News. Bialski também disse que Zambelli foi “descuidada” ao envolver o hacker como prestador de serviços sem uma compreensão completa de sua identidade e motivações.

Os áudios de Delgatti revelados nesta terça-feira (22), no entanto, apresentam outra versão, apontando que a relação entre eles era muito próxima e envolvia até mesmo parentes da parlamentar. 

“Eles estenderam a mão para mim, cara. A Carla me tratou hoje como se fosse um filho, coisa que nunca aconteceu na minha vida. A ponto da mãe dela me servir leite com Nescau, na mesa, e acompanhado com ela”, contou o programador, que também alega ter jogado videogames com o filho de Zambelli.



“Quem manda aqui sou eu”

Cerca de um mês depois, no dia 22 de setembro, faltavam dez dias para a votação do primeiro turno, quando o programador contou detalhes da participação e protagonismo de Bolsonaro na trama antidemocrática.

“O Bolsonaro, ele tá fazendo questão que eu vá lá. Aí, teve alguém da equipe que falou: ‘Irmão, é bom ele não vir aqui porque pode queimar’. Ele (Bolsonaro) falou: ‘Quem manda aqui sou eu, e ele vai vir’”, diz Delgatti no áudio.

O hacker afirma claramente que o projeto golpista beneficiaria diretamente o ex-presidente,ao questionar seu interlocutor não identificado: “Ou você acha que o Presidente da República estaria correndo esse risco de me receber lá, me receber lá, se não fosse algo que ajudasse muito ele?”.

No mesmo diálogo, ele ironiza o fato de que o grupo político de Luiz Inácio Lula da Silva nunca o acolheu da mesma maneira que o “clã” Bolsonarista - mesmo que o presidente tenha sido indiretamente beneficiado por Delgatti nos vazamentos de conversas de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros procuradores da Lava Jato. “O Lula nunca quis… me falou um ‘oi’. O que eu vou fazer atrás de Lula? Eu nunca vou ser de esquerda. Eu sempre gostei de arma”, disse o hacker.

Pagamento

Na segunda-feira (21/8), veio a público um áudio entregue pela defesa do hacker à Polícia Federal como prova do vínculo financeiro entre ele e Carla Zambelli. Na mensagem, uma mulher supostamente ligada à campanha de Zambelli a deputada federal em 2022 prometeu a Delgatti que eles iriam “trocar uma ideia sobre o pagamento” e sobre “essa tua (de Delgatti) proposta”.

Contudo, a mensagem não evidencia qual era o serviço em questão, nem que ideia foi sugerida pelo hacker. Segundo advogado de Delgatti, o áudio seria um “caminho da prova”, enquanto a defesa de Zambelli alega que toda a negociação sobre propostas de trabalho foi encaminhada a Delgatti por assessores da parlamentar, e só tratavam de publicações em redes sociais.