"Caso da vacina pode afetar outros inquéritos de Bolsonaro"

Professor de Direito da USP, Rubens Beçak, explica como as buscas e apreensões poderiam interferir, caso haja evidências, em outros processos do ex-presidente

Rubens Beçak, professor de Direito da USP - Ribeirão Preto
Foto: Divulgação
Rubens Beçak, professor de Direito da USP - Ribeirão Preto

O assunto em questão é chamado de 'serendipidade' . Você pode até nunca ter ouvido falar essa palavra, mas esste termo 'estranho' descreve um assunto em evidência. No Direito, o termo 'serendipidade' define o  encontro fortuito ou casual de provas --  na descoberta de novos delitos (ou novos sujeitos) mesmo que não sejam objetos da investigação. 

Nós ouvimos o professor de Direito da USP, Rubens Beçak, para entender como as investigações das supostas fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) poderiam influenciar em outros processos aos quais o ex-presidente responde na Justiça Brasileira

O ex-presidente responde a 160 processos judiciais, de acordo com informações divulgadas pela LAI (Lei de Acesso à Informação). 

Dos 160 processos, 27,5% se relacionam às ações do presidente durante a pandemia de covid-19, enquanto 16,25% são pedidos para anular indicações e exonerações do governo e 8,75% buscam impedir o uso da máquina pública por parte de Bolsonaro.

Portal iG - Como essas prisões e apreensões de celulares no caso das supostas fraudes nos cartões de vacinação podem afetar outros processos judiciais que o ex-presidente Jair Bolsonaro responde? 

As ações de ontem na casa do ex-presidente Bolsonaro - se forem achados documentos que o incriminam, de qualquer natureza, podem trazer complicações. Seguramente, sendo achados documentos que o incriminam ou que sirvam de provas reforçadas aos processos que ele já tem, eles podem dar um escopo maior para aqueles que estão o processando.

Portal iG - A justiça pode utilizar as informações encontradas nos celulares dos investigados em outros processos de investigação, como no caso das joias ou dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, por exemplo?

Quando ordena-se uma busca e apreensão de documentos ou celulares, tudo aquilo fica revestido de juridicidade e as provas coletadas ali funcionam como provas e não apenas como indícios.

Portal iG - É possivel que as buscas e apreensões de hoje possam refletir nos outros processos e até mesmo serem usadas no ajuntamento de possíveis irregularidades cometidas por Bolsonaro durante seu mandato?

Houve uma autorização para uma busca e tudo aquilo que possa se achar ali e que incrimine alguém, eventualmente, podem ser consideradas como provas e elas entram como um peso grande no processo.

Em relação aos inquéritos, tem que haver a manifestação da Procuradoria, a manifestação de ampla defesa do ex-presidente na fase administrativa do inquérito. E, se isso lá frente culminar em uma condenação, ele receberá uma condenação para cada um dos delitos que, eventualmente, foram apurados e comprovado que ele pode ter tido uma culpabilidade apurada.

Portal iG - Muito tem se escutado de que esse caso de suposta fraude no cartão de vacinação é algo irrelevante se comparado a outras ações movidas contra o ex presidente...

Não é bom ao ex-presidente Bolsonaro e à sua defesa nos processos desta ação, porque efetivamente não se sabe ainda. Mas podem vir a lume uma série de documentos que o incriminam. Mas só quando a polícia divulgar, se não estiver sob sigilo, o que foi achado é que nós saberemos se houve icriminação ligada a qualquer um dos outros processos precedentes.

Portal iG - Que tipo de pena pode ser aplicada ao ex-presidente caso se comprove que ele sabia que os dados de vacinação foram alterados ilegalmente?

Em relação a pena no caso do cartão de vacinação, não acho que possa ser algo mais que uma multa ou algo do gênero. Mas se ficar apurada a falsificação ideológica e se o processo se encaminhar neste sentido a responsabilização é mais significativa.

Portal iG -  No caso das joias, o mesmo assessor do ex-presidente Mauro Cid, tentou retirá-las da Receita Federal por diversar vezes... 

No caso das joias, por exemplo, ele assume uma importância que, talvez, não tivesse. E esses casos de denúncias já aconteceram em diversos governos, algumas mais apuradas e outras menos de que personalidades em visitas ao exterior recebem presentes de autoridades.

Por que o ex-presidente enviaria uma pessoa tão próxima para tentar liberar uma joia? [Se questiona]

O que se chama atenção no caso das joias, é que se ficar provado que se o ex-presidente usou a sua guarda pessoal [...] está alegando que tentou a liberação para incorporá-la.

Cada uma dessas questões que aparecem [vão] contribuindo para uma dinamitação/desmonte da imagem pública do presidente. E, fatalmente, isso tem um reflexo nos processos todos.

Rubens Beçak é professor de Graduação e Pós-graduação da USP, Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Livre-docente em Teoria Geral do Estado da USP.

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