Agosto registra maior número de incêndios na Amazônia em 12 anos

Mês teve o maior número de queimadas desde o início do governo Bolsonaro, das 33 mil queimadas, a maioria foi detectada perto de rodovias

Floresta em chamas
Foto: Sérgio Vale/Amazônia Real/Fotos Públicas
Floresta em chamas

O sistema usado como referência pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para monitorar queimadas no país detectou em agosto na Amazônia o maior número de focos de calor para o mês em 12 anos. Os instrumentos do satélite Aqua, da Nasa, detectaram mais de 33.116 pontos com fogo, no mês mais incendiário na floresta desde o início do governo Bolsonaro.

A maior parte dos focos detectados está em torno de quatro grandes eixos: a BR-163 no Pará, a rodovia Transamazônica no Amazonas, o Alto Rio Madeira (divisa AM-RO) e a região paraense da Terra do Meio. Todas essas áreas são também focos de desmate recente, com alertas gerados pelo sistema Deter do Inpe.

Os números mostram uma tendência preocupante de agravamento do fogo na região. No mês de agosto, que tem sido o auge da temporada de incêndios em florestas nos últimos anos, o governo Bolsonaro teve as quatro piores marcas desde 2010, ano em que a Amazônia sofreu uma das piores estiagens de sua história.

Quando considerados outros meses, apenas setembro de 2017 supera em número o que ocorreu em agosto de 2022 na última década. Quando levados em conta os últimos 15 anos, os anos da gestão Bolsonaro contém 5 dos 10 meses mais incendiários do período.

Os dados são ainda mais preocupantes quando se leva em conta as condições climáticas atuais. Em 2022 o Pacífico registra um fenômeno La Niña, afloramento de águas frias na região central do oceano. Normalmente o La Niña ajuda a Amazônia a reter mais umidade, o que atenua o espalhamento do fogo. Mas neste ano o que está se vendo é o contrário: um número grande de focos.

"A situação poderia ser muito pior se a gente tivesse agora as mesmas condições climáticas da estação em 2019, mas o clima ele não está deixando que esse número seja assombroso", afirma Ane Alencar, cientista do Instituto de Pesquisa Ambientais da Amazônia (Ipam), especialista em na relação da floresta com o fogo. — Isso reforça a relação do fogo observado agora com o desmatamento.

O dia 22 de agosto foi o dia mais incendiário dos últimos 10 anos, com mais de 3.000 focos de fogo detectados pelo Aqua na Amazônia inteira. O sistema VIIRS, mais sensível, detectou só na porção da floresta ao sul do equador mais de 30 mil focos nesse dia. Os números superaram os ocorridos no evento que ficou conhecido como "Dia do Fogo", em 10 de agosto de 2019, quando produtores rurais na região da BR-136 se organizaram para fazer queimadas simultaneamente.

Segundo cientistas do projeto Global Fire Emissions Database (GFED), ligado à Nasa e à Universidade de Cardiff, cerca de 60% dos focos detectados nesse dia (19 mil detecções) têm relação com o desmate. Niels Andela, professor em Cardiff e cientista sênior do projeto BeZero Carbon, disse que ficou surpreso.

"Uma análise rápida mostra que em 2022 a temporada de fogo teve um início lento no começo de agosto, quando se compara a anos anteriores, mas a atividade de fogo teve picos no fim do mês já com valores comparáveis a 2019", afirma o cientista.

Chamas intensas

O GFED consegue distinguir as fontes de fogo com base na intensidade e intermitência da radiação detectada. É possível diferenciar incêndios florestais de queimadas pequenas para limpar pastagem, da queima de campos naturais e da incineração de árvores pós-desmate.

Enquanto o fogo de uso agropecuário tende a ser circunstancial e isolado, durando um dia, o fogo do desmatamento é persistente e emite uma grande quantidade de radiação com a queima de madeira empilhada. Em Mato Grosso, o número de focos de fogo no mês (5.928) foi menor que o do Pará (12.472) e que o do Amazonas (8.116).

Em território matogrossense, o uso do fogo está proibido por decreto desde o dia 1º de julho até 30 de outubro. No início do mês, Ministério Público, polícia e Secretaria do Meio Ambiente fizeram uma operação em fazendas de Colniza, no noroeste do estado, após denúncia de que um novo "dia do fogo" estava planejado.

A ação terminou com detenções e apreensão de combustível e material para atear fogo. Os três municípios mais incendiados no mês, porém, foram no Pará: dois na Terra do Meio (Altamira e São Félix do Xingu) e um na BR-163 (Novo Progresso). Quando levada em conta também a intensidade do fogo, e não apenas o número de focos, Porto Velho-RO e Lábrea-AM estão entre os mais afetados, ambos no Alto Rio Madeira.

Segundo Ane Alencar, do Ipam, decretos estaduais de moratória para o fogo, como o de Mato Grosso, ajudam no combate ao problema, mas não são suficientes.

"Quando a contagem de focos deu mais de 3.000, e viram que uma das regiões com problema era a BR-163, tinha que ter no dia seguinte Ibama e Polícia Federal aparecendo lá", afirma a cientista. — A gente acredita que a maioria do que está acontecendo nessas áreas é ilegal mesmo, porque são os hotspots de desmatamento.

A ignição espontânea de fogo com raios em áreas preservadas de mata, por exemplo, é extremamente rara na Amazônia, que é uma floresta úmida.

Operação Guardiões 

O Globo entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente na terça-feira para saber se há alguma medida especial sendo tomada para conter o fogo na Amazônia em setembro. O órgão respondeu com a seguinte nota, citando operação que está em andamento:

"A Operação Guardiões do Bioma, coordenada pelo Ministério da Justiça, com apoio do Ministério do Meio Ambiente, mostra redução de 24% das áreas queimadas em sua primeira fase – entre julho de 2021 e janeiro de 2022. Foram 3.853 ações preventivas, 1.607 multas aplicadas e 137 maquinários apreendidos, além de 1.580 animais resgatados nos 11 estados onde ocorreu a operação", afirma o comunicado.

"A segunda fase da Operação foi lançada em junho e conta com investimento de R$ 60 milhões. A iniciativa tem inédita integração entre os ministérios, além de Ibama, ICMBio, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional, Censipam e Funai", completa o ministério.

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