Um projeto da favela para a favela. Este é o conceito do instituto de pesquisa Favela Diz, lançado na terça-feira (9), em Paraisópolis, comunidade na zona sul de São Paulo. A iniciativa é uma parceria entre o G10, bloco de líderes e empreendedores de impacto social no Brasil; o Sou+Favela, empresa de soluções de mídia pensadas para conectar o mundo empresarial à periferia; e o Cria Brasil, empresa de comunicação localizada em Paraisópolis.
Segundo o presidente do G10 Favelas, Gilson Rodrigues, o Favela Diz foi idealizado no início deste ano e nasceu a partir da vontade de conhecer melhor a população das comunidades, que hoje soma aproximadamente 17 milhões de habitantes. Apesar de o G10 atuar nas dez maiores favelas do Brasil, o instituto quer mapear a percepção dos moradores de comunidades de todo o país. O Favela Diz é o primeiro instituto em que todo o trabalho é feito por pessoas das comunidades, e não indivíduos de fora, que desconhecem essa realidade.
Os pesquisadores, explica Rodrigues, são pessoas de dentro das favelas que foram capacitadas para exercer este trabalho. Mas, mais do que isso, elas foram eleitas para acolher e monitorar as famílias que ali vivem. Cada um deles cuida diretamente de 50 famílias. São os chamados presidentes de rua. Onde ainda não há presidentes de rua, a ideia é contratar pessoas da própria comunidade para prestar esse serviço. Além de pesquisadores, eles se tornaram também entregadores, analistas informais no banco e outros.
"Essa percepção que a pesquisa traz é a nossa vivência", afirma. "Quando alguém fala sobre dados de favela, eu sou esse dado. O diferencial é que é, de fato, da favela para a favela."
Apesar de ter sido lançado a menos de dois meses para as eleições presidenciais, o Favela Diz não tem como único objetivo realizar pesquisas de cunho eleitoral, sobre intenção de voto — apesar de esta ter sido a primeira pesquisa do instituto, lançada na terça (veja abaixo) . O objetivo é explorar diversas questões, como tendências de comportamento e necessidades de consumo dentro das favelas. E, a partir disso, criar soluções para os problemas que forem identificados.
Em Paraisópolis, por exemplo, falta água todos os dias, de acordo com o empresário. Mas, quando isso é denunciado, muitas pessoas não acreditam, por parecer uma situação "surreal" para uma cidade como São Paulo. Quando isso é transformado em pesquisa, em dado científico, há provas concretas. E condições, inclusive, de entrar com um processo judicial contra a prefeitura.
Além da pesquisa divulgada na terça-feira, sobre a intenção de voto para Presidente da República, outras quatro pesquisas já foram realizadas pelo instituto. Duas delas serão lançadas em breve: um perfil sobre a população de Paraisópolis, que completa 101 anos no próximo dia 16 de setembro, e outro sobre os moradores de Heliópolis, também na zona sul de São Paulo.
'Favelado pode tudo'
Rodrigues é nascido na Bahia, mas cresceu em Paraisópolis. Sua família é natural de Itambé, onde as fortes chuvas provocaram destruição no final do ano passado. Há 70 anos, eles partiram rumo à capital paulista, em busca de uma vida melhor.
Filho de uma mulher surda e muda que teve catorze filhos e morreu cedo, o empresário conta que ficou "largado" no mundo e, a vida toda, cresceu ouvindo que "não viraria gente". O estereótipo clássico do menino pobre e pardo de origem humilde.
"Eu queria dar certo, queria estudar, trabalhar, dar orgulho para a minha mãe, se ela estivesse viva. Quebrar esse paradigma de que quem nasce e cresce na favela está predestinado a dar errado", diz.
Rodrigues se destacava dos demais meninos da comunidade. Era "falante" e tinha "muitas ideias". Se tivesse nascido em berço de ouro, diz, as pessoas o teriam como o "criativo", o "futuro CEO da empresa" ou o "futuro Presidente da República". Mas, como era de origem pobre, pensavam: o "futuro trombadinha".
Inconformado com o fato de que este seria o seu destino, ele construiu um novo olhar sobre si mesmo e, a partir disso, começou a transformar sua vida. Virou presidente do grêmio da escola e, quando se deu conta, havia se tornado o "prefeito" de Paraisópolis.
No meio do caminho, eis que surge a "nova classe média", como é chamada a parcela da população que ascendeu da classe D para a classe C na metade da década de 2000. O empresário viu nisso uma oportunidade e começou a trazer lojas para Paraisópolis. A favela, antes invisível aos olhos dos empreendedores, começou a virar um princípio de "potência econômica", ainda que com muitas fraquezas. Havia a vontade de fazer o mesmo com outras comunidades. "Mas como?", ele se perguntava. Um dia, um dado despertou um estalo.
"Vi uma pesquisa que mostrou que as as dez maiores favelas do Brasil movimentam, juntas, R$ 7,9 bilhões. Vi nisso um enorme potencial de mercado e, inspirado no G20 (grupo que reúne as 20 maiores potências do mundo), criei o G10 Favelas", afirma.
Recentemente, entre 22 e 28 de julho, o G10 internacionalizou oficialmente suas atividades. O empresário esteve em Nova York, nos Estados Unidos, representando o G10 Favelas no evento "Semana das Favelas do Brasil em Nova York". Na ocasião, ele tocou o sino da Bolsa de Valores. Um ato simbólico, na sua visão.
"Nós mostramos aos empreendedores e favelados que podemos estar em Nova York, na Bolsa. Podemos empreender, podemos tudo. Nos contaram mentiras quando disseram que estávamos predestinados a ter uma vida miserável ou entrar para o mundo do crime. Nós nos limitamos até agora, mas podemos nos libertar", diz.
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