Preso preventivamente pela morte do marido, o belga Walter Henri Maximillen Biot, o cônsul da Alemanha Uwe Herbert Hahn foi transferido, na manhã desta terça-feira, dia 9, da Cadeira Pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio, para Hospital Hamilton Agostinho, no Complexo de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste da cidade. De acordo com a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap), o diplomata apresentou um mal-estar após ter um pico de pressão e precisou ser medicado. Após melhora no quadro clínico, ele retornou a unidade, porta de entrada do sistema prisional no estado.
Uwe Herbert Hahn está preso desde a noite do último sábado, dia 6. Na ocasião, segundo as investigações da Polícia Civil, ele havia informa ao médico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) que o marido passou mal e caiu no chão, no dia anterior, na cobertura que ambos dividiam, na Rua Nascimento Silva. O profissional responsável pelo atendimento acreditou que o homem pudesse ter tido um mal súbito, mas não quis atestar o óbito e o corpo foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal (IML), no Centro da cidade, onde passou por exame de necropsia.
O laudo do perito legista Reginaldo Franklin Pereira atesta que Walter Henri Maximillen Biot morreu de hemorragia subaracnoide (extravasamento de sangue entre o cérebro e o tecido), contusão craniana e traumatismo cranoencefálico, provocados por ação contundente. O documento aponta que o cadáver apresenta mais de 30 lesões, como equimoses, escoriações e outros tipos de ferimentos, espalhados por regiões como braços, pernas, tronco e cabeça. No apartamento do casal, policiais da 14ª DP, encontraram móveis em desalinho e manchas de sangue no chão e em uma poltrona.
Um vídeo obtido por O GLOBO mostra a explicação de Uwe sobre a morte de Walter. Nas imagens, o estrangeiro diz que o companheiro estava bêbado ao tropeçar no tapete e cair no chão, entre a sala de estar e a varanda do imóvel.
"Estamos diante de um caso de violência doméstica em que a vítima era submetida a violência patrimonial, psicológica e moral e estava debaixo de um julgo opressor do cônsul, que impedia inclusive que ela tivesse amigos. O criminoso estava muito confiante em uma pretensa imunidade diplomática, mas destacamos que imunidade prisional não é chancela para a impunidade", explicou a delegada Camila Lourenço, assistente da 14ª DP (Leblon) e responsável pelo inquérito.
Como O GLOBO mostrou, um espanhol que mora no Brasil desde outubro de 2019 e conhecia o casal por frequentarem a barraca onde trabalha nas areias da Praia de Ipanema, na Zona Sul do Rio, afirmou à delegada que eles mantinham uma rotina de brigas e humilhações. Em uma mensagem enviada ao comerciante pelo irmão da vítima e obtida com exclusividade, em 17 de julho, o belga aparece em uma foto com equimoses no queixo e escreve: “É o inferno aqui com Uwe”, referindo-se ao marido, cônsul da Alemanha, e promete que procuraria a polícia. O familiar então o incentiva: “Não se preocupe. Tenha coragem”.
No termo de declaração do espanhol, de 56 anos, ele conta que, após conhecer o casal na praia, passou a caminhar com Walter na Lagoa Rodrigo de Freitas diariamente - exceto nos fins de semana, quando Uwe estava em casa e não permitia que o marido saísse. O estrangeiro disse ter mantido laços de amizade com o belga durante os últimos três anos, não tendo com ele nenhum tipo de relacionamento sexual ou amoroso.
Na delegacia, o espanhol disse que o casal tinha brigas constantes justamente pelo fato de Uwe diminuir Walter por ele não trabalhar. Ele contou que, em uma ocasião, por não mais tolerar as humilhações, o belga resolveu se separar do cônsul alemão, se mudando para a casa de um amigo rico na Bélgica, com todas as despesas pagas por ele. Após três meses, no entanto, ele retornou ao Brasil e reatou com o companheiro.
Cerca de um ano depois, segundo o espanhol, o amigo de Walter faleceu e deixou uma herança de 600 mil euros. A partir de então, como o belga passou a ter seu próprio dinheiro, Uwe não podia mais diminuí-lo e então passou a ficar muito irritado e intensificar as brigas. Ele teria então passado a sair independente da autorização do cônsul da Alemanha, o que passou a provocar discussões diárias entre o casal.
Ao amigo, Walter teria dito ter vergonha dos vizinhos, uma vez que a gritaria era constante e, por diversas vezes, objetos eram atirados um contra o outro. Ele afirmara que diariamente os dois conversavam sobre separação e afirmou já ter visto uma porta e uma janela quebradas durante as brigas do casal. Ele narrou que, nos últimos tempos, por esses motivos, o belga ficou mais recluso, só mantendo contato com ele por mensagens em aplicativos do celular.
Na última terça-feira, dia 2, o espanhol contou ter perguntado ao belga porque ele não o atendia, tendo o amigo respondido que estava em depressão devido ao marido. O amigo afirmou ter perdido o contato com o belga e só ter tido conhecimento de sua morte pelos noticiários, quando procurou o irmão da vítima para lhe informar sobre o caso. O familiar de Walter o teria confidenciado que ele já relatara ter sido agredido por Uwe em 17 de julho e manifestado o desejo de reportar o fato às autoridades policiais brasileiras.
Também na distrital, o espanhol classificou Uwe como uma pessoa “extremamente arrogante” disse não raro ter escutado o cônsul gritar as seguintes palavras: “Eu sou diplomata e nada pode me acontecer”.
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