"Parto de um cadáver"; "vítima de abortamento"; "assassinato de um bebê". Na sessão desta terça-feira (28) da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (SC), a deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PL), após ter recolhido 14 assinaturas de parlamentares favoráveis à abertura de uma chamada "CPI do Aborto", pediu a palavra em plenário e fez um discurso crítico na Casa em relação ao caso da menina de 11 anos, moradora do município de Tijucas (SC), que após mais de um mês de imbróglio judicial, e grande repercussão na mídia quanto à condução do processo pela juíza Joana Ribeiro Zimmer, conseguiu ter seu direito garantido na semana passada no Hospital Universitário de Florianópolis, por ser considerada vítima de ato infracional análogo ao estupro de incapaz, por conta de sua idade.
A deputada, que se considera "antifeminista" e destacou em plenário "ter orgulho de não fazer parte da bancada feminina da Alesc", criticou o vazamento do caso e afirmou que houve "manipulação" por parte da defesa da família. Apesar de, por vezes, ter falado em "abuso" sofrido pela garota e reconhecido que "criança não namora e não deveria fazer sexo", ela também disse que o fato de a menina ter engravidado com consentimento, mesmo que com 10 anos à época, e de outra criança, de 13, informação que vazou posteriormente pois o processo corre sob sigilo, não configuraria estupro – interpretação contrária à do Ministério Público Federal, por exemplo, e de especialistas ouvidos pelo GLOBO, que afirmam que, ainda assim, o aborto seria um direito.
A parlamentar do partido do presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou slides com um passo a passo do caso, apresentou no telão do plenário uma animação mostrando como é realizada a interrupção da gravidez de uma gestante com 7 meses e, várias vezes, usou palavras fortes ao repetir que o feto é "esquartejado", "assassinado", "asfixiado", e "sofre dor aguda". Ela também chamou atenção ao segurar bonecos durante sua fala, que normalmente são usados em aulas de Medicina, reproduzindo o tamanho que o feto teria quando a família procurou o hospital para realizar o procedimento, e como estaria também quando ela enfim realizou a interrupção.
"A menina de 11 anos teve que fazer o parto de um cadáver. Quando a criança morre, é preciso arrancar os pedaços da criança com uma pinça. Olha que cena bárbara, a médica ou o médico que fez esse aborto pegou um pano para contar os pedaços da criança, para ver se não estava faltando nenhum", disse em plenário a deputada, após a exibição de um vídeo simulando o procedimento, e em seguida admitindo que a menina sofreu uma violência sexual. "Depois de você sofrer uma relação sexual precoce, em termos inadequados, você ainda passar pelo parto de um cadáver".
A cada conclusão, Campagnolo era aplaudida por uma platéia curiosamente formada majoritariamente por homens nas galerias: todos militares, que compareceram à sessão para reivindicar por questões relativas à classe e acabaram acompanhando o discurso.
Dos 40 deputados que compõem o legislativo catarinense, 14 assinaram pela abertura da CPI, e o pedido foi protocolado nesta terça. Os parlamentares que votaram a favor das investigações sobre o caso são: Ricardo Alba (União-SC), João Amim (PP-SC), Jessé Lopes (PL-SC), Ivan Naatz (PL), Sérgio Motta (Republicanos-SC), Marcius Machado (PL-SC), Sargento Lima (PL-SC), Ismael dos Santos (PSD-SC), Kennedy Nunes (PTB-SC), Coronel Mocellin (Republicanos-SC), Jair Miotto (União-SC), Nilso Berlanda (PL-SC), Bruno Souza (Novo-SC) e Osmar Vicentini (União-SC).
"Esses deputados foram os primeiros comprometidos a investigar se houve crime. Esta criança (o feto) foi assassinada, disso não há duvida. Ela foi assassinada sob argumentos ilegais? Sob crimes sendo cometidos para conduzir a comoção popular? Foi correta a atitude do médico ou da médica que fizeram esse aborto?", concluiu, reforçando que a comissão analisará a fundo se alguma lei foi desrespeitada no processo.
'Não admitiremos ataques', diz advogada da família
O GLOBO pediu um posicionamento à advogada Daniela Félix, que defende os interesses da família da menina durante todo o processo; sobre as afirmações da deputada quanto ao aborto e as palavras escolhidas por ela para detalhar o procedimento, Félix disse que, em nome da família, não falará sobre isso, mas reagiu às acusações de que teria agido para tentar manipular a opinião pública com suposto vazamento do processo ao The Intercept.
"Sobre as acusações de vazamento e manipulação atribuídas à defesa, quero que prove o alegado e se não houver prova, que seja responsabilizada pelos impropérios que alegou. Não admitiremos ataques às nossas prerrogativas", disse a advogada. "Como já havia dito, hoje quem defende os direitos humanos no Brasil é atacado".
Durante a sessão, as parlamentares mulheres, que integram a Comissão da Mulher na Casa e foram citadas por Campagnolo, não se manifestaram, tampouco outros deputados contrários à abertura da CPI. Deputados que assinaram o documento, por sua vez, pediram a palavra. Entre eles, estava o 2º vice-presidente da Alesc, Kennedy Nunes (PTB-SC), que conduzia a sessão. Ele também usou a palavra "assassinato" ao falar sobre o aborto e, num ato falho, interrompeu sua fala no momento em que reconheceria que a criança sofreu abuso sexual. Ele revelou, inclusive, o sexo do feto abortado, fato de irrelevância para as famílias em caso de aborto. O parlamentar não disse como teve acesso à informação.
"Essa criança que foi assassinada era do sexo feminino, uma menina. E o pai da criança, o menino que engravidou a menina, tinha 13 anos e era filho do companheiro da mãe. Moravam sob o mesmo teto, e por isso a juíza mandou tirar da casa. Porque ela estava no ambiente onde ela foi, é... e na Lei Romeu e Julieta, quando são menores de 14 anos, não é imputado crime de estupro. Então, existe já jurisprudência, quando os dois são menores de 14 anos, onde não é imputado crime de estupro. Portanto, essa criança foi, sim, assassinada. (Não houve) Nada da lei que existe hoje no Brasil, que prevê três possibilidades de aborto: quando se coloca a mãe em risco, quando não tem cérebro ou é vítima de estupro", disse Kennedy.
Armas, curso antifeminista de R$ 380 e polêmicas
Líder do PSL na Alesc e professora de História, a deputada estadual bolsonarista, eleita em 2018 com pouco mais de 34 mil votos em Santa Cantarina, se define como antifeminista e "única mulher conservadora do parlamento". Ela já publicou livros sobre o tema, como "Feminismo: perversão e subversão" e "Guia de Bolso Contra Mentiras Feministas", e inclusive oferece um "Curso Antifeminista" de 60 horas pelo valor de R$ 382,80.
O curso é ilustrado com a imagem de uma mulher obesa, com cabelo colorido e tatuada com um símbolo feminista, onde ela segura a cabeça de Jesus Cristo.
"O Clube Antifeminista tem vários professores: artistas, filósofos, jornalistas, sociólogos, historiadores, médicos e advogados", diz a descrição. Num tópico sobre o que a disciplina ensina aos alunos, ela explica:
"História dos homens e mulheres desde a Antiguidade, as relações de sexo na sociedade e no trabalho, a vida das mulheres na Idade Média e antes do surgimento do feminismo, as grandes personalidades da história, a biografia das santas, rainhas e heroínas, quem foram as principais expoentes do feminismo e quais seus livros e conceitos principais, quais foram os homens por trás de cada estratégia da revolução sexual, de onde vem o dinheiro das organizações feministas, quais são as falácias abortistas e antifamília mais perigosas, como combater a ideologia de gênero e as grandes mentiras sobre conquistas femininas.
Campagnolo ainda ministra outros três cursos, no mesmo valor, onde ensina sobre o conservadorismo – pauta que a levou à vida política e fez com que ela tivesse ,hoje, 1,1 milhão de seguidores no Instagram, por exemplo.
Assim que eleita na onda do bolsonarismo há quatro anos, ela causou polêmica e chegou a entrar na mira do Ministério Público estadual, quando divulgou um vídeo pedindo que alunos gravassem vídeos e denunciassem professores os quais julgassem estar propondo "doutrinações" em salas de aula.
Constantemente, ela também aparece empunhando fuzis, pistolas e espingardas, e legisla a favor de políticas pro-armamentistas. Em outro episódio polêmico, posou para uma foto segurando um taco de beisebol – como uma espécie de porrete –, escrito "Direitos Humanos".
Campagnolo se notabilizou entre conservadores após um episódio que protagonizou na Universidade do Estado de Santa Catarina; ela havia passado para um mestrado, mas, anos depois, acabou reprovada e decidiu processar a ex-orientadora por "perseguição ideológica" e "discriminação religiosa". O tema era "Virgindade e Família: mudança de costumes e o papel da mulher percebido através da análise de discursos em Inquéritos Policiais da Comarca de Chapecó (1970-1988)".
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