Bruno Araújo Pereira , desaparecido na Amazônia desde 5 de junho, junto do jornalista inglês Dom Phillips , era um dos maiores indigenistas de sua geração. Servidor de carreira da Fundação Nacional do Índio (Funai), atuou na região de Atalaia do Norte, no Amazonas, por mais de uma década e ocupou o cargo de coordenador regional. Nesta quarta-feira, os dois suspeitos presos confirmaram terem assassinado a dupla .
Bruno era considerado pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) como a maior autoridade do país no trabalho em campo especializado em índios isolados no atual contexto, sobretudo para as questões territoriais e as relações históricas e políticas da região. "Não visualizamos a realização da mesma atividade por qualquer outro indigenista na atualidade", informou a ONG, em nota.
Depois de 11 anos de experiência, cinco como coordenador da Coordenação Regional do Vale do Javari na Funai, ele falava quatro línguas dos povos locais e participou de pelo menos dez longas expedições de localização de índios isolados. Em três ocasições, participou de situações de contato com índios isolados, trabalho extremamente delicado e especializado.
Nesta semana, viralizou nas redes um vídeo em que Bruno aparece sentado no meio da floresta e entoando um cântico indígena no idioma Kanamari — que poucos não-indígenas entendem e falam. Enquanto canta, nas imagens, o servidor parece se divertir com indígenas próximos, que não aparecem na gravação, mas podem ser ouvidos.
Pereira entrou por concurso na Funai em 2010 e constitui uma nova geração de indigenistas. Ele pediu licença para tratar de interesse particular — não remunerada — em 2019. Até então, ele foi responsável pela Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) do órgão.
O afastamento aconteceu após Pereira ter coordenado uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da terra indígena Yanomami, em Roraima. A Operação Korubo, como ficou conhecida, foi a maior do país daquele ano no combate à extração ilegal de minerais, com a inutilização de mais de 60 balsas de garimpo.
O caso aconteceu depois que o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier Silva assumiu a presidência da fundação, apoiado pela bancada ruralista. A exoneração foi assinada pelo então secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Luiz Pontel.
Para ocupar o lugar de Pereira, o missionário evangélico Ricardo Lopes Dias foi nomeado e ficou apenas nove meses na posição. Na ocasião, o ministro era o ex-juiz Sergio Moro.
Após a exoneração, Pereira pediu licença do órgão e decidiu fiscalizar a região, atacada por garimpeiros, madeireiros e pescadores, ao lado dos indígenas, com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
Como mostrou o GLOBO nesta quinta, na ONG o servidor público ensinava os ativistas do vale a manusear mapas e a operar drones, o que permitia que eles próprios fiscalizassem a área e documentaram irregularidades às autoridades de segurança.
"O Bruno conseguiu passar ainda um certo tempo, mas culminou quando ele coordenou uma operação de desintrusão na TI Yanomami. No retorno dele, ele foi quase que imediatamente exonerado, perdeu a função. Poucos meses depois, ele se viu completamente escanteado, não tendo mais nenhuma participação nos trabalhos. Ele foi isolado", disse o indigenista Antenor Vaz, que atuou por 23 anos na Funai com povos isolados.
Depois que se afastou da Funai, Pereira começou a fazer consultoria para a Unijava. No novo trabalho ele elaborou o mapeamento de uma organização criminosa que atua na pesca e caça ilegal no Vale do Javari, local onde foi visto pela última vez.
Em uma reunião realizada no dia 4 de abril, Pereira entregou para as autoridades a indicação do local onde a quadrilha atuava. Na ocasião, ele também apresentou fotos dos suspeitos de envolvimento com os crimes na região. Eles eram os mesmos agora apontados como responsáveis pela morte de Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips.
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