No Jacarezinho, morador relata que casa foi invadida por policiais
Câmeras flagraram ocupação do imóvel por policiais durante três meses, segundo o "Fantástico"
Primeiro sumiram perfumes e bijuterias. Depois se foram as roupas, passaram para os eletrodomésticos e a TV de plasma. Não restou nem mesmo os interruptores. Uma moradora do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, procurou a Defensoria Pública do Rio de Janeiro no fim de janeiro, dias depois da implantação do Programa Cidade Integrada. O projeto do Governo do Estado pretende retomar o território ocupado pelo tráfico e pela milícia. Ela estava munida de vídeos do que poderia ser a invasão da casa por policiais militares.
A carioca prestou depoimento ao Ministério Público. Em trechos, obtidos pelo “Fantástico”, a proprietária contou que “não mais retornou para sua casa com medo de que os policiais a invadissem”; disse que “ela tem medo que os policias façam alguma coisa com ela”; e completou dizendo: “Os policias começaram a ‘mandar recado’, dizendo que era pra declarante não retornar pra casa porque eles precisavam de um lugar pra ficar durante o serviço”.
"Chuveiro não existe mais. Quadro de energia, retirado. Fogão, assim como o botijão, tudo levado: gás, panelas", lamentou a moradora, que não quis ser identificada.
Foram quase três meses na mesma rotina, até que ela decidiu documentar tudo e colocar câmeras escondidas. Em uma das imagens exibidas pela TV Globo, os agentes quebram o item de vigilância.
"O Ministério Público acionou os comandantes da Polícia Militar e avisou sobre o que estava acontecendo. Comandantes entraram em contato comigo, a gente conversou sobre a importância de essa família não sofrer qualquer tipo de represália na volta para casa, e eles se comprometeram que não haveria novas invasões nessa residência, que não teria represália e que haveria a supervisão dos seus comandados", diz Guilherme Pimentel, ouvidor-geral da Defensoria Pública do Rio.
Há dez dias, a moradora voltou para casa, que estava saqueada. E ela não foi a única.
"Eu tive a minha casa invadida pelos policiais dessa reocupação. E fui avisado, estava na rua e quando eu entrei na minha casa, encontrei tudo revirado, roupa, geladeira, cozinha, portas abertas. Toda vez que chega a noite - até já procurei ajuda psicológica - fica ainda aquela questão: ‘como é que eu vou dormir?", diz outra pessoa não identificada.
Defensores públicos dizem que desde o início do Programa Cidade Integrada já foram recebidas uma série de denúncias de invasão de domicílio, de agressões, de truculência na abordagem, de ameaças, e de subtração de pertences das pessoas. Com os novos vídeos, os defensores visitaram algumas famílias.
"Qualquer casa bonita, para eles, é casa de traficante ou casa de bandido. As pessoas trabalhadoras não podem ter uma casa legal, com piso, janela, tem que ser casa com tijolinho a vida inteira, demonstrando a pobreza. A gente sabe que a pobreza não vai acabar, mas na favela a gente busca a dignidade o tempo todo", desabafa um morador.
Joel Luiz Costa é advogado, morador do Jacarezinho e coordenador do Observatório da Cidade Integrada, que recebe e encaminha denúncias sobre eventuais abusos de policiais do Programa implantado pelo governo do estado:
"O Observatório está em processo, construindo uma pesquisa com os moradores de Jacarezinho. De 134 pessoas ouvidas, 61 já tiveram a casa ou a casa de um parente violada, sem mandado judicial; outras 29 pessoas têm total conhecimento de que a casa de um vizinho foi violada".
Ele afirma que não existe na comunidade uma base para os PMs do Programa Cidade Integrada.
"A gente tem um ônibus, que é uma unidade móvel, num dos acessos a algumas viaturas, mas dentro da favela do Jacarezinho não há nenhuma base da polícia que eles possam frequentar ou passar intervalos do seu turno".
Em nota, a assessoria do Programa Cidade Integrada disse que os policiais utilizam as bases das antigas UPPs do Jacarezinho e de Manguinhos. A PM disse, também em nota, que o Comando da Corporação determinou um procedimento apuratório e que todos os policiais militares envolvidos na suposta invasão de domicílio já foram identificados e ouvidos. Para assegurar a transparência das ações de patrulhamento, foi instalado na comunidade um posto da Corregedoria Geral da PM, que já recebeu mais de 30 denúncias de moradores.
"Um policial que invade um domicílio para se furtar ao seu serviço, ele está praticando dois crimes: invasão de domicílio e descumprimento de missão, e se eventualmente ele subtrai algum bem no interior desse imóvel, ele está praticando outro crime, que seria o furto. É uma conduta totalmente inaceitável", diz Paulo Roberto Mello Cunha Júnior, promotor.
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