STF derruba decreto de Bolsonaro que dificulta combate à tortura
Presidente acabou com a remuneração de peritos responsáveis por fiscalizar a prática nas prisões
Sete dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram para derrubar os principais trechos de um decreto do presidente Jair Bolsonaro que, entre outras coisas, acabava com a remuneração dos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Responsáveis por fiscalizar a ocorrência da prática em prisões e outras instalações de privação de liberdade, eles passariam a trabalhar de graça. O decreto já tinha sido suspenso pela Justiça Federal do Rio de Janeiro no curso de outra ação.
Caso se confirme a decisão do STF, os peritos terão uma decisão do mais alto tribunal do país garantindo sua remuneração, que gira em torno dos R$ 10 mil brutos por mês. No voto que deu na última sexta-feira, o relator, o ministro Dias Toffoli, destacou que a falta de salário impossibilita um trabalho de dedicação integral e desestimula a entrada de profissionais especializados no órgão, fragilizando o combate à tortura no país.
O julgamento começou na sexta-feira passada no plenário virtual, em que os ministros votam pelo sistema eletrônico da Corte, sem se reunirem. Os integrantes do tribunal têm até sexta-feira desta semana para votar. Até lá, o julgamento pode ser interrompido por algum ministro, suspendendo-o com um pedido de vista, ou então levando-o para julgamento no plenário físico. Nesse caso, continuará valendo a decisão da Justiça Federal que garante os salários dos peritos.
A decisão será tomada por maioria de votos. Até agora, além de Toffoli, votaram contra o decreto de Bolsonaro os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Ainda faltam votar: André Mendonça, Nunes Marques, Gilmar Mendes e o presidente da Corte, Luiz Fux.
"O exercício da função de perito do MNPCT em caráter voluntário teria uma única consequência: o afastamento de profissionais qualificados e dispostos a comprometerem-se com o trabalho de fiscalização e, consequentemente, a impossibilidade de execução das competências legais do órgão. É dizer: como poderá o Estado exigir de profissionais qualificados e especializados tamanha responsabilidade e risco sem remunerá-los para tanto?", diz trecho do voto de Toffoli.
Ele também citou os compromissos do Brasil para acabar com a tortura, que ainda continua ocorrendo nos presídios do país. Para o ministro, o decreto "tem o condão de fragilizar o combate à tortura no país", "viola frontalmente a Constituição", e esvazia políticas públicas previstas em lei. Mudanças na legislação teriam que ser feitas apenas pelo Congresso Nacional, e não por decreto presidencial, havendo portanto violação à separação dos poderes e abuso de poder regulamentar. Para Toffoli, "a violação se mostra especialmente grave, diante do potencial desmonte de órgão cuja competência é a prevenção e o combate à tortura".
O MNPCT, ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, tem acesso às instalações de privação de liberdade, como prisões e instituições socioeducativas, para verificar a ocorrência de tortura. O órgão é composto por 11 peritos com mandato de três anos, tendo autonomia para escolher os locais que vão visitar e elaborar seus relatórios.
O MNPCT é um dos 15 órgãos colegiados ligados ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU) na segunda-feira de Carnaval, a ministra Damares Alves, que chefia a pasta, disse que MNPCT estava em pleno funcionamento. Na prática, porém, desde 2019 o governo tem enfraquecido a atividade dos órgãos colegiados voltados para a proteção de minorias e monitoramento de violações de direitos humanos, seja alterando a composição para aumentar sua influência, retirando recursos ou até mesmo mudando o foco de trabalho.