Despejo emergencial deixa comunidade em Guarulhos sem ter onde morar

Mesmo com ordem contrária do STF, vinte e duas famílias são obrigadas a desocupar terreno de concessionária onde vivem, apontada como área de risco

Moradores na porta da Secretária de Habitação em Guarulhos
Foto: Reprodução
Moradores na porta da Secretária de Habitação em Guarulhos

Mais de vinte famílias da comunidade São Rafael, em Guarulhos, São Paulo, sofrem com a possibilidade de ficarem em situação de rua na próxima semana. Por residirem em uma área de risco próximo a uma torre da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (ISA CTEEP), um processo de despejo foi aberto com urgência no Tribunal Judiciário de São Paulo.

A ação corre mesmo com o Supremo Tribunal Federal (STF) tendo suspendido desocupações em áreas urbanas e rurais até março de 2022, em razão da pandemia de Covid-19.

Sem ter para ir, moradores como Tatiana Rosa, de 37 anos, sofre. Desempregada desde janeiro e mãe de duas crianças, um menino de sete anos e uma menina de treze, ela reconhece o risco da área onde mora, mas diz que não tem outra opção.

"Nós sabemos que é área de risco, estamos aqui porque precisamos, não temos outra escolha. Faz alguns dias que colocaram uma placa avisando que vão demolir tudo no dia 23. Estamos desesperados, não temos nada além do nosso barraco", lamenta.

Em uma luta burocrática, quem oferece apoio a essas famílias é a organização social Mandela Free. No final do ano passado, os responsáveis conseguiram suspender o processo em seis meses, justamente com base no decreto do STF em vigor até 31 de março. Desta vez, não tiveram a mesma sorte.

"Os órgãos públicos não manifestaram preocupação em prestar o mínimo de apoio às famílias que serão despejadas ou de realocar em um local de moradia digna" publicou a entidade nas redes sociais.

Integrante da organização, Aymê Brito relata que eles tentaram contato com a defensoria pública, mas que, devido à pandemia, os atendimentos continuam de modo virtual. A burocracia tem sido um grande obstáculo, já que muitas famílias não têm documentos bancários.

"Estamos fazendo de tudo para ajudar, mas os processos demoram muito. Nos pediram cinco dias úteis, mas o tempo corre contra a gente. Na próxima quarta-feira teremos moradores sem casa. O que faremos?" questiona.

Aymê Brito destaca ainda que, ao procurarem a Prefeitura de Guarulhos, foram informados de que o auxílio moradia só pode ser concedido por pedido judicial.

"Fomos até a Secretaria de Habitação, mas fomos informados de que a realocação ou disponibilização de qualquer benefício tem que ser pedido pelo juiz do processo. Estamos sem solução", ressalta a representante local.

O GLOBO teve acesso ao processo e na decisão expedida nesta quarta-feira, 16, consta que a 1ª Câmara de Direito Público manteve o cumprimento da ordem e que a autora (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista) deverá prover o transporte e depósito dos bens dos moradores pelo prazo de dez dias. Não há menção de apoio para os envolvidos.

Tatiana conta que nada disso foi explicado para os moradores da comunidade.

"Fomos tratados que nem cachorro. Moramos aqui há mais de dez anos. Não dá para ficar na rua. Eles têm casa, têm dinheiro, estão nem aí para o próximo", argumenta.

Com a omissão do poder público, os moradores pediram ajuda à dona de uma creche da região, para que deixem eles morarem no estabelecimento até encontrarem outro lugar. De acordo com a organização Mandela Free, um outro grupo de moradores já permaneceu quatro meses no local, enquanto eram realizadas obras em outras partes da comunidade.

O que dizem os envolvidos

Em nota, o STF disse que se manifestará judicialmente, caso chegue recurso contra a decisão citada. A Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (ISA CTEEP) esclareceu que cumpre determinação judicial, cuja premissa é a segurança da população que vive sob a linha de transmissão da companhia.

A Prefeitura de Guarulhos foi procurada e não se manifestou até a data desta publicação.

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